O trabalho sexual tem um efeito corruptor sobre o bem-estar e a dignidade humana, uma vez que nega todo o significado e poder do sexo| Foto: Pixabay
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Quando a economia se tornou virtual, durante a pandemia do coronavírus em 2020, o mesmo aconteceu com o sexo. A combinação de solidão e ansiedade financeira criou um boom para a OnlyFans, uma plataforma online onde qualquer pessoa pode vender um conteúdo exclusivo (e quase sempre sexual) para seus "fãs". O jornal inglês The Guardian informou que o número de usuários da OnlyFans cresceu de 7,5 milhões de usuários em novembro de 2019 para 85 milhões em dezembro de 2020 — o que representa um aumento de mais de mil por cento.

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Mas mesmo depois que o mundo reabriu, grande parte do sexo permaneceu virtual. A OnlyFans continuou a se expandir: A TechJury, uma empresa de análise de software, informa que em 2023 "mais de 170 milhões de usuários registraram uma conta OnlyFans, incluindo 1,5 milhões de criadores". Isto significa que a intimidade é cada vez mais comprável: nunca antes o sexo esteve tão disponível por custos tão baixo.

À medida que a indústria do trabalho sexual cresce, os debates sobre o assunto também têm se intensificado. Alguns proponentes se concentram na descriminalização do trabalho sexual, argumentando que se trata de uma questão de vida ou morte. Outros se concentram em justificativas morais, apontando argumentos sobre a autonomia corporal, a renda extra que tal trabalho proporciona, e até mesmo a natureza gratificante do trabalho.

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Essas defesas ignoram os danos irreparáveis causados pelo mercado de trabalho sexual em crescimento. O trabalho sexual explora mulheres menores de idade que ultrapassam facilmente as restrições etárias impostas pela OnlyFans, e as mulheres de baixa renda desesperadas por dinheiro rápido. Ele também tem um efeito corruptor sobre o bem-estar e a dignidade humana, uma vez que nega todo o significado e poder do sexo. E tem impacto mais amplo na cultura, encorajando homens e mulheres a se transformarem em mercadorias.

A barbárie da indústria do trabalho sexual é aparente na forma como administra seus clientes. Em maio passado, a revista do jornal New York Times publicou uma reportagem de Ezra Marcus sobre o "The 'E-Pimps' of OnlyFans" (Os cafetões eletrônicos da OnlyFans, em tradução livre). Estes cafetões eletrônicos são exatamente como soam: intermediários que servem como mediadores entre trabalhadores do sexo digital e seus clientes. Eles também gerenciam a comunicação digital entre clientes e produtores de conteúdo. Eles também contratam chatters, que são escritores fantasmas para os criadores de conteúdo da OnlyFans. Marcus escreve: "Estes chatters trabalham em turnos, respondendo a mensagens recebidas e alcançando novos assinantes, tentando convencê-los a comprar vídeos caros exclusivos". A matéria de Marcus continua:

"Os assinantes presumivelmente pensam que estão falando diretamente com a mulher dos vídeos, e o trabalho do chatter é manifestar essa ilusão de forma convincente. Sua clientela — tipicamente homens solitários e excitados — faz com que tudo seja muito fácil. 'Nossos melhores clientes vêm até nós não tanto para comprar conteúdo, mas para sentir uma conexão', afirma um post no site da Think Expansion. Este desejo, explica o post, é o pão e a manteiga de um cafetão, eletrônico ou não: acelerar a simpatia é uma arte desde o início dos tempos".

Em outras palavras, os cafetões e seus chatters usam a solidão masculina como uma oportunidade de conseguir o máximo possível de dinheiro dos clientes. Talvez algumas pessoas aplaudam isto como um exemplo do mercado liberal sem restrições trabalhando sua magia. Há uma demanda por companheirismo, as pessoas estão dispostas a fornecê-lo a preço de mercado, e a entrega de produtos está se tornando mais ágil.

Mas estas defesas de mercado muitas vezes ignoram a real natureza da demanda, e as formas que as circunstâncias externas a moldam. Nossas exigências nem sempre estão em pé de igualdade entre si: algumas coisas nos tentam mesmo quando sabemos que, em última análise, não as queremos. Os desejos entram em conflito uns com os outros. A maioria dos homens que pagam pelo sexo digital provavelmente preferiria o companheirismo genuíno e espontâneo em vez de flertar com os homens na Europa, África e Sudeste Asiático, que se fazem passar por belas mulheres. Mas quando a intimidade falsificada está a apenas um clique de distância, ela cria uma demanda por algo que os homens talvez não queiram realmente, mas que nasce do desespero ou até mesmo do vício.

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O trabalho sexual digital, assim como a pornografia, está provavelmente reforçando o status de incel de vários homens, e talvez até fazendo com que vários homens se tornem incels. Incel é a aglutinação das palavras "involuntary celibates", ou celibatários involuntários, em inglês, e designa os homens incapazes de encontrar parceiros sexuais e românticos apesar de o desejarem. A recessão sexual tem sido amplamente documentada quanto a isso. Em um ensaio de abril de 2022 na New Yorker, Zoe Heller citou alguns dados impressionantes: "Em um estudo divulgado em 2020, quase um em cada três homens entre 18 e 24 anos de idade não relatou nenhuma atividade sexual no ano passado". Muitos usuários da OnlyFans estão cansados da violência hardcore da pornografia e se voltaram para OnlyFans em busca de algo que se assemelhe mais à intimidade de um relacionamento. Não é difícil ver como os homens podem optar por "namoradas" eletrônicas e podem se afastar dos relacionamentos com mulheres de carne e osso que, como qualquer ser humano, têm necessidades, opiniões pessoais e características próprias.

O trabalho sexual em escala, portanto, manipula e explora os homens, e distorce o ambiente sexual mais amplo. Mas e quanto às mulheres que são trabalhadoras sexuais? É prejudicial para elas, ou é uma forma arrojada, mas finalmente divertida, de ganhar dinheiro? É um fluxo de renda necessário para as mulheres que, de outra forma, seriam privadas de outras oportunidades econômicas?

Para muitas trabalhadoras do sexo, sua experiência não é tão glamorosa quanto sugerem os defensores da indústria. Em uma conversa não intencionalmente reveladora, a Reason Magazine pediu a uma trabalhadora sexual e pesquisadora da ciência dos dados chamada Aella para "explicar as diferenças de classe nos tipos de trabalho sexual". Aella responde:

"Eu fiz uma pesquisa com um grupo de acompanhantes e descobri que a quantidade de coisas ruins que eles encontraram, como agressão sexual, estava bastante correlacionada com a faixa de preço. Basicamente, quanto mais dinheiro você cobra, menos canalha é a sua clientela. As pessoas que estão dispostas a pagar mil dólares por hora não vão lhe agredir sexualmente. Eles são advogados, médicos, políticos ou pessoas que simplesmente não querem se envolver com essas coisas".

Trabalhadores sexuais educadas, atraentes e interessantes como Aella podem se safar cobrando preços altos e esquivando-se de assédios e estupros. As que estão no topo da cadeia alimentar do trabalho sexual evitam grande parte da violência e prejudicam as que estão na base da experiência. Como um corpo significativo de pesquisas indica, existem ligações perturbadoras entre trabalho sexual, pornografia e tráfico humano.

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Mesmo para trabalhadores do sexo on-line que não são traficados para a indústria, alguns recorrem ao trabalho sexual digital por desespero econômico. Mais uma vez, isto pode parecer uma defesa do trabalho sexual: ele oferece renda àqueles que dela necessitam. Mas na OnlyFans, apenas uma pequena porcentagem de "criadores" está obtendo uma renda considerável. Outra reportagem de 2021 do New York Times observou que "90% dos criadores levam para casa menos de US$ 12 mil por ano". Em outras palavras, a grande maioria das mulheres está recebendo apenas algumas centenas de dólares aqui e ali.

No entanto, mesmo que todas essas mulheres estivessem ganhando dinheiro suficiente vendendo sexo digital para viver confortavelmente, vender e comprar sexo é discordante com o bem-estar humano. Ao contrário de outras ações que realizamos com nosso corpo, as ramificações do sexo não se limitam à atividade em si. Alguém pode vender seu trabalho cortando a grama, mas provavelmente não vai ficar acordado por noites se perguntando se fez algo errado ou embaraçoso ao cortar a grama, esperando desesperadamente que o dono da grama as ame, ou ansioso com uma gravidez potencial. Mesmo quando a gravidez não é uma preocupação, o sexo agita nossa vida interior. Os clichês são verdadeiros: o sexo pode ser como uma droga porque, quando não temperado por autodomínio e normas sociais, o desejo por ele pode controlar o resto da vida de uma pessao. É algo demasiado sagrado e poderoso para ser comprado e vendido.

O poder do sexo é aparente na forma como suas ramificações se estendem além das duas pessoas que o praticam. Isto não é menos verdadeiro em relação ao sexo remunerado: à medida que a indústria do trabalho sexual cresce e se move para plataformas on-line, ela encoraja uma visão transacional das relações na cultura mainstream. Para emprestar uma imagem que a escritora Mary Harrington, do site UnHerd, utilizou, nossas atitudes sobre sexo e práticas sexuais são parte de um ecossistema mais amplo. A integração do trabalho sexual virtual significa que o sexo se tornará cada vez mais comoditizado para todas as pessoas. Graças ao aumento dos "sexfluencers", as mulheres que não têm conexão com o trabalho sexual mas têm uma presença on-line são abordadas regularmente por homens que solicitam imagens sexuais. E "comprar" sexo com gestos culturalmente aprovados é um pilar da cultura do namoro: dois ou talvez três jantares é o preço padrão de ir para a cama com um alguém do Tinder. As mulheres neste ambiente devem muitas vezes escolher entre dormir com um homem que acabaram de conhecer ou serem ignoradas por ele, já que ele podem facilmente encontrar alguém que esteja disposto a sair com eles. Quanto mais o sexo estiver à venda on-line, mais provável é que estas tendências continuem aumentando rapidamente.

Algumas pessoas, como o colunista de conselhos sexuais Dan Savage, argumentaram que todos os relacionamentos são transacionais, mesmo os casamentos; assim, o trabalho sexual na verdade não é fundamentalmente diferente de qualquer outra relação sexual. No entanto, a ideia de que todas as relações são transacionais e, portanto, moralmente equivalentes, depende de uma definição demasiadamente nebulosa e expansiva de "transação". É verdade que o casamento é transacional na medida em que é mutuamente benéfico e é uma troca entre duas pessoas. Mas o que o casamento troca é autossacrifício e, se estiver funcionando corretamente, faz com que as pessoas cresçam em virtude. A troca de sexo por dinheiro, ao contrário, dá ao comprador um senso de propriedade sobre o produto (o corpo da outra pessoa), e não requer nenhum sacrifício além de uma amolgadela na carteira.

Quanto mais o trabalho sexual aumentar, mais fácil será para homens e mulheres verem um ao outro como mercadorias a serem usadas e descartadas — tudo isso enquanto entorpecem seu desejo natural de amor e companheirismo. Devemos não apenas fazer todo o esforço para remover o trabalho sexual (digital ou não) do mercado, mas também para torná-lo totalmente impensável.

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Elayne Allen é editora-chefe do Public Discourse. Ela trabalhou anteriormente como assistente de pesquisa no departamento de Estudos Sociais, Culturais e Constitucionais do American Enterprise Institute. Seus textos foram publicados no Public Discourse, na revista Time, no City Journal, American Purpose, Law & Liberty, The American Interest e Breaking Ground. Elayne recebeu seu bacharelado em Grandes Textos e Filosofia Política da Baylor University's Honors College. Ela é aluna do John Jay Fellowship, Hudson Institute Political Studies Program e Hertog Foundation.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
©2023 Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês.