Para as famílias dos EUA, dirigir para a Blockbuster mais próxima era um ritual de sexta-feira à noite. As crianças brigavam para decidir qual filme alugar, os pais pagavam as taxas atrasadas e todos pegavam os baldes de pipoca e doce na saída.
A Blockbuster chegou a ter 9 mil lojas nos EUA, com um rendimento de U$ 6 bilhões nos anos de pico. Em 1989, uma nova Blockbuster abria a cada 17 horas. Mas a imagem da logo da marca - um ticket azul e amarelo - provoca hoje apenas nostalgia e memórias da época pré-Netflix, antes do streaming online, antes dos laptops terem eliminados os DVD.
Depois de um longo declínio, a empresa de locação de filmes declarou falência e sua nova dona - a Dish Network - começou a fechar todas as lojas restantes em 2013. O Netflix ganhou e a Blockbuster morreu. Ou era isso que os americanos acreditavam.
Pelo menos 10 lojas da Blockbuster conseguiram permanecer vivas na era digital. O maior agrupamento, porém, não está no continente, mas no Alasca, onde escuros e longos invernos e os altos custos para serviços de internet ajudaram a manter um grupo de consumidores fiéis de locadoras de filme.
“Algumas são bastante movimentadas”, disse Alan Payne, um dos franqueados da Blockbuster, em uma entrevista para o The Washington Post. “Se você for em uma delas numa noite de sexta-feira, você vai ficar chocado com o número de pessoas”. Payne é dono de oito Blockbusters sobreviventes, sendo sete no Alasca e uma no Texas, empregando 80 pessoas no total. Ele comprou as franquias da Blockbuster em 2000, poucos anos antes da indústria começar seu declínio. Antes disso, ele chegou a ter 41 lojas pelo país.
Depois da crise de 2008 e do surgimento do Netflix como uma grande tendência, Payne e seus gerentes falaram: “Ok, vamos fazer isso enquanto fizer sentido”.
Mas o negócio foi atingido em cheio e as vendas permaneceram em declínio contínuo. Em 2013, 40 mil pessoas frequentavam as lojas de Payne, número que já caiu para 10 mil. Na última semana, uma das duas últimas lojas de Payne no Texas fechou. Ele não acreditava que as lojas continuariam depois de 2016, mas Payne conseguiu manter os lucros fazendo uma redução estratégica, sem precisar diminuir os salários dos funcionários e sem ter ajuda do dono da Blockbuster, a Dish Network. Ele simplesmente paga as taxas da franquia para usar o nome e a logo. “Nós estamos apenas nos arrastando”, afirma Payne.
A sobrevivência das lojas dependeu em grande parte de acordos imobiliários agressivos com locadores dispostos a oferecer locações de curto período e aluguel reduzido. Exigiu fazer negócios de uma maneira diferente do que o comum da Blockbuster, evitando o que Payne chama de “a cultura da multa”. Ao contrário da Blockbuster antiga, eles nunca ligam para os clientes para avisar que eles estão com taxas atrasadas - eles simplesmente cobram quando o cliente voltar na loja. Mas ele também se recusa a eliminar as taxas atrasadas completamente como a Blockbuster fez, decisão que Payne define como “o último passo para o caixão”.
Ainda assim, boa parte da permanência do negócio vem da base de clientes do Alasca, feita principalmente de pessoas mais velhas. O Alasca tem um grande índice de rendimento disponível, causado por empregos com bons salários, baixos impostos e rendimentos de investimentos em petróleo. Além disso, serviços de internet são consideravelmente mais caros do que em outros estados, já que boa parte dos pacotes de dados não são ilimitados. Serviços como o Netflix, que usam streaming, podem custar algumas centenas de dólares por mês em uso de internet, explica Payne.
Por isso, 20% das vendas nas Blockbusters de Payne são de locações de programas de TV - para os “binge watchers” (pessoas que assistem a série completa em uma sentada), diz o empresário.
O longo e escuro inverno do Alasca também faz com que tenham muito tempo em casa, tanto que a loja mais rentável fica na fria Fairbanks, em que as temperaturas chegam a -50° C.
Muitos dos gerentes de Payne ficaram em seus cargos por pelo menos uma década, escapando de fechamentos e quedas das vendas. Se algum fosse sair agora, diz Payne, “seria impossível para mim ir lá e contratar uma nova equipe”. Mas diz ainda que “eles amam o negócio, eles querem ficar para ver o fim”. O que fez com que os gerentes ficassem por tanto tempo também é o que fez com que a Blockbuster sobrevivesse: a interação com os clientes.
“Não existem muitas empresas de comércio nas quais as pessoas vão porque querem ir”, explica Payne. “Quando você sai de casa na noite de sexta-feira ou sábado para locar um filme é uma diversão”.
Fato é que mais da metade dos rendimentos da Blockbuster são gerados em um período de seis horas nas noites de sexta-feira, segundo Payne. “Muitas das nossas pessoas lembrar daqueles dias, e ainda é divertido estar lá no fim de semana”.
Quando perguntado pelo motivo pelo qual as pessoas continuam frequentando sua loja, Kevin Daymude, gerente da Blockbuster em Anchorage diz: “fácil. Serviço com o cliente”.
“Todos gostam de se sentir especiais e saber que podem conversar pessoalmente com alguém caso tenham alguma pergunta”, afirma Daymude. Ele conhece pessoalmente alguns de seus clientes regulares há mais de 20 anos. Apesar dos desafios, ele permanece no negócio porque ainda acredita na Blockbuster, “nossa pequena companhia no ‘last frontier’”, finaliza Daymude.
“Quando você vai na loja e anda pelos corredores, você vê várias coisas sobre as quais nunca pensou”, diz Payne. Existe algo sobre achar um “diamante bruto” em uma estante que é mais satisfatório que rolar pela tela de um computador.
Mas Payne aceita a realidade de que é apenas uma questão de tempo até que ele ser forçado a fechar para sempre as lojas. E para alguns clientes o fechamento de uma Blockbuster é um ataque profundo.
Ok, vamos fazer isso enquanto fizer sentido
Na cidade de Mission, no Texas, os pais de Hector Zuniga alugam para ele filmes duas ou três vezes por semana na Blockbuster mais próxima. Hector, de 20 anos, é autista e não verbal e, ainda que tenha problemas para se comunicar, ele sempre achou uma maneira de dizer para a família que quer ir para a Blockbuster. Ele diz simplesmente “Barney”, de acordo com seu irmão Javier, de 19 anos.
Quando seus pais lhe disseram que a Blockbuster da cidade iria fechar, Hector ficou confuso e de coração partido. Sabendo o quando Hector amava a loja e o quanto estava acostumado com as visitas, seus pais criaram uma solução: criaram uma mini-Blockbuster em sua casa.
Quando revelaram a surpresa nessa semana, Hector começou a sorrir, rir e aplaudir, disse Javier. Na casa, os pais montaram uma estante com a logo da loja recheada de filmes que compraram na liquidação de fechamento da unidade de Mission. Entre os filmes estão os favoritos de Hector: Elmo, Os Vegetais, Rugrats e, claro, Barney.