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A Romênia se tornou uma ditadura comunista em 1947. Dois anos depois, teve início um trabalho de “reeducação” de presos por motivação política e religiosa. A experiência aconteceu na prisão de Piteşti, principalmente, mas também em Suceava e em Gherla. Entre mil e cinco mil pessoas foram submetidas a choques elétricos e torturas envolvendo o uso de agulhas sob as unhas e o esmagamento de testículos.
Padres detidos eram obrigados a renegar o cristianismo e torturados usando fantasias de Jesus Cristo. Cidadãos contrários ao comunismo não apenas se viam forçados a aceitar o novo sistema político, como ainda denunciar familiares e vizinhos.
Ao fim do processo de controle mental, participavam de sessões de tortura contra colegas, conhecidos e desconhecidos. “Baldes com fezes e urina eram utilizados para afogar os detentos”, relata o jornalista Virgil Ierunca no livro 'O fenômeno Pitești'. Sangue jorrava até o teto e as tentativas de suicídio se tornaram recorrentes. A experiência foi encerrada em 1951. Na época, Nicoleae Ceausescu já era um dos principais líderes do Partido Comunista da Romênia.
Aprendiz de sapateiro
Secretário Geral do Partido Comunista da Romênia de 1965 a 1989. Presidente do Conselho de Estado de 1967 a 1989. Presidente da República de 1974 a 1989. Como é comum em ditaduras comunistas, Nicolae Ceausescu apreciava o acúmulo de cargos e títulos. Para cada um deles, eleições eram realizadas — parecia, aos olhos ocidentais, que seu controle sobre o país contava com apoio popular. O que acontecia na Romênia era o contrário: o país foi asfixiado por uma das ditaduras mais violentas e restritivas registradas no Leste Europeu ao longo das quatro décadas de controle soviético sobre a região.
Nascido nas primeiras semanas de 1918, terceiro de dez filhos de uma família camponesa pobre do vilarejo de Scornicești, Ceausescu ajudava a cuidar das ovelhas da propriedade de três hectares e conciliava os estudos com trabalhos de alfaiataria. “Seu pai era um homem cruel e abusivo. E Nicolae se tornaria um adulto solitário, frustrado, introvertido e muitas vezes agressivo”, descreve o livro 'Nicolae Ceaușescu: The Life and Legacy of Romania’s Notorious Dictator during the Cold War' [Nicolae Ceausescu: a vida e o legado do notório ditador da Romênia durante a Guerra Fria'].
Com 11 anos, mudou-se para a capital, Bucareste, onde viveu com uma irmã, Niculina Rusescu. Trabalhou como aprendiz do sapateiro Alexandru Săndulescu, membro do Partido Comunista, que então era ilegal no país. Em 1932, Ceausescu já estava afiliado à agremiação. Com 15 anos, foi preso pela primeira vez. Ao longo dos anos seguintes, circulou por todo o país, incentivando a realização de greves e protestos — o que o levou a ser detido em várias outras ocasiões. Em 1939, conheceu Elena Petrescu, com quem se casaria em 1947.
Ao longo da década de 1940, o militante continuaria percorrendo prisões. Em uma delas, o campo de Târgu Jiu, conheceu Gheorghe Gheorghiu-Dej, dirigente do partido desde 1944 e que seria primeiro-ministro da Romênia comunista entre 1952 e 1955.
Na prática, Gheorghiu-Dej permaneceu o líder do país até a morte, em 1965. Ceausescu, seu protegido, assumiu o posto. Ele contava com o apoio de Moscou desde o final da Segunda Guerra Mundial. “As forças de ocupação russas precisavam de romenos simpáticos à causa. E Ceausescu era exatamente o tipo de líder que eles procuravam recrutar”, relata a biografia. “Jovem, agressivamente pró-comunista, fluente em marxismo-leninismo, com a credibilidade de haver cumprido pena por defender duas crenças, ele representava o perfil ideal”.
Num primeiro momento, o ditador deu sinais de que seria um governante propenso a reduzir a brutalidade da ditadura no país. Chegou a reduzir a censura à imprensa oficial e a manifestações públicas. Ao final dos anos 60, era uma figura popular, tanto junto à população local, quanto na relação com o Ocidente. Em 1968, por exemplo, recusou-se a participar da invasão à Tchecoslováquia.
Culto à personalidade
Nos anos seguintes, a Romênia se tornou o primeiro país do Leste Europeu comunista a reconhecer a existência da Alemanha Ocidental, a entrar para o Fundo Monetário Internacional e a receber uma visita oficial de um presidente dos Estados Unidos — no caso, Richard Nixon. Além de investir na industrialização do país, o ditador ainda incentivou a criação de universidades em cidades menores, onde a população tinha acesso a diferentes cursos técnicos.
Também incentivou que as famílias tivessem muitos filhos — mulheres com mais de cinco recebiam uma série de benefícios e aquelas que ultrapassassem as dez gestações eram oficialmente reconhecidas como “mães heroicas”. Por outro lado, os casos de abandono de crianças se multiplicaram. Em reação, o governo distribuiu orfanatos por todo o país. Ali, os jovens recebiam uma educação considerada alinhada aos preceitos comunistas. Dentro das instituições, as crianças registraram índices altos de estresse e quocientes de inteligência, na média, mais baixos. Uma geração inteira de jovens foi seriamente prejudicada.
Além de ampliar a população do país, aumentando a mão-de-obra disponível, Ceaușescu atuou para manipular a população desde o berço. Em 1971, em viagem à Ásia, ele conheceu pessoalmente o culto à personalidade implementado na China e na Coreia do Norte. A partir de então, adotou práticas maoístas, iniciando uma versão local da revolução cultural que na China provocou até 20 milhões de mortes. “Ceaușescu tentou reescrever a história, alterando fotos para colocar a ele e a sua esposa em protestos e manifestações contra o fascismo”, informa o livro sobre ele.
Os romenos passaram a ser bombardeados por propaganda política na imprensa e na produção artística e a lista de obras censuradas foi restabelecida. Não satisfeito, em 1974, o Partido Comunista anunciou novas medidas de educação comunista, com o objetivo oficial de inculcar os conceitos comunistas na população, eliminando qualquer traço de individualidade.
Um episódio em específico demonstra o conflito entre a imagem externa do ditador e suas atitudes dentro do país. Em 1977, ele conduziu pessoalmente as negociações para encerrar uma greve de 30 mil mineradores do vale do rio Jiu. Foi aplaudido por sua habilidade em conduzir a crise. Mas, nos anos seguintes, parte dos líderes dos protestos morreu em consequência de acidentes mal explicados. Outros foram presos ou internados em instituições psiquiátricas, onde suspeita-se que experiências semelhantes à de Piteşti tenham sido replicadas.
Morte no Natal
Em novembro de 1989, Nicolae foi reeleito governante do país. Tinha 71 anos e, no discurso de posse, criticou a onda de rebeliões que vinha derrubando regimes comunistas no Leste Europeu. A renúncia do presidente Gustáv Husák, da Tchecoslováquia, em 10 de dezembro, transformou a Romênia no último país do Pacto de Varsóvia a permanecer uma ditadura comunista linha dura — nem mesmo os nomes de opositores eram conhecidos, tamanha a repressão interna.
Protestos na cidade de Timișoara se agravaram a partir do dia 18, quando o ditador deixou o país para visitar o Irã. No dia 21, já de volta, ele encenou uma manifestação de apoio e discursou diante de uma multidão na Praça da Revolução, em Bucareste. Era uma estratégia antiga: diversas vezes, ao longo de décadas, ele havia realizado grandes eventos públicos para fortalecer sua imagem. Mas, desta vez, nada saiu como esperado: Ceausescu, que falava com transmissão ao vivo pela TV estatal, passou pela experiência de ser vaiado enquanto anunciava a proposta de aumentar o salário mínimo. O canal saiu do ar.
Minutos depois, a capital estava tomada por protestos, duramente reprimidos. Na manhã de 22 de dezembro, a morte do ministro da Defesa, Vasile Milea, que eventualmente seria confirmada como suicídio, levou os manifestantes a cercar o palácio residencial do ditador. Ele tentou novamente convencer as massas, falando em público, mas foi recebido com pedradas e desapareceu.
No dia de Natal, Nicolae e Elena foram presos por um tribunal militar, depois de tentar fugir de helicóptero, primeiro para Snagov, a 40 quilômetros da capital, onde a família tinha um imóvel, depois para Târgoviște, a 80 quilômetros de Bucareste. Foram submetidos a um rápido julgamento. Acusados de genocídio, com pelo menos 60 mil vítimas, e acúmulo ilegal de patrimônio, acabaram condenados à morte imediata. De fato, o casal havia acumulado US$ 1 bilhão registrados em valores acumulados em contas no exterior.
Marido e mulher pediram para morrer juntos, no que foram atendidos. Com as mãos amarradas nas costas, foram alvejados por tiros em uma base militar nos arredores da capital — o ex-presidente negou todas as acusações e se encaminhou para o fim cantando o hino comunista A Internacional. Três militares executaram a sentença, entre dezenas que se voluntariaram para disparar contra o ditador deposto. O julgamento e a execução foram transmitidos ao vivo pela televisão local. A pena de morte seria eliminada no país logo na sequência, em 7 de janeiro de 1990. E a Romênia seguiria, a duras penas, na direção da democracia.
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