Ao contrário do que diz o mito marxista, os empreendedores brasileiros ganham, em sua maioria, apenas dois salários mínimos. Lucro médio das empresas é de 2%.| Foto: Pixabay

Karl Marx usava o termo “burguesia” para se referir à classe social que detém os meios de produção de riqueza. Para o sociólogo, ela teria supremacia econômica ao explorar o proletariado, que seria a classe que só pode viver vendendo sua força de trabalho aos capitalistas.

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A teoria da exploração foi escrita pelo alemão no século XIX. Já faz tempo que virou consenso acadêmico a ideia de que a relação entre empreendedores e empregados gera ganhos mútuos para os envolvidos, sendo uma relação de cooperação. Porém, ainda há quem parta da premissa de que o empregado é explorado pelo empregador, sendo a base de toda uma argumentação contrária à “burguesia”.

Quando empreendedores lucram muito e prosperam, são culpados por mazelas sociais, sobretudo pela desigualdade. Quando vão à falência e não geram todos os empregos sonhados por todos, é porque “faltou vontade empresarial”. Assim, os empreendedores são costumeiramente apontados por políticos como culpados por fracassos de planos governamentais.

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Em 1965, por exemplo, Castello Branco confiscou até bois no pasto de agropecuaristas para amenizar a crise de abastecimento vivida pelo país à época. Em 1987, após o fracasso do Plano Cruzado, que consistiu no tabelamento de preços pelo Estado, integrantes do governo Sarney chamaram empreendedores de “sonegadores e especuladores”. Foi um período marcado pela prisão de muitos empresários e pelo confisco de produtos pelo governo. De forma similar, políticos petistas, como Gleisi Hoffmann, terceirizaram a culpa da crise atual ao atribuí-la ao mercado privado.

É verdade que grandes empresários enriqueceram a partir de conchavos com o Estado brasileiro, em um sistema conhecido como capitalismo de laços, como definido pelo professor de estratégia e administração do Insper Sérgio Lazzarini. Dois terços dos empréstimos do BNDES, por exemplo, foram destinados a grandes empresas, com juros subsidiados pelos pagadores de impostos.

Muito além de Eike Batista, do Grupo OGX, condenado pelo pagamento de propina em troca de benefícios do governo de Sérgio Cabral no Rio de Janeiro, muitas dessas relações se tornaram assunto de Código Penal, como vem demonstrando a Operação Lava Jato desde 2014. Outro exemplo foi o empreiteiro Marcelo Odebrecht, condenado por corrupção, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Já dirigentes da Camargo Corrêa foram condenados por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ao todo, 6 das 10 maiores empreiteiras do país tiveram executivos presos na Lava Jato.

Mas são poucos os empreendedores que conseguem ter sucesso se aliando ao Estado. Para a maioria deles, sem influência política alguma, o único meio de receber dinheiro e crescer é agradando o consumidor.

No imaginário de muita gente, contudo, empreender é enriquecer, ter horário flexível, não ter de seguir ordens de ninguém, decidir as próprias metas e escolher quando tirar férias. Porém, se Marx conhecesse a realidade da burguesia brasileira, talvez ele repensasse sua teoria.

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Empreendedorismo por necessidade, renda baixa e “ninguém para explorar”

Segundo pesquisa de 2013 do Sebrae, antes da Grande Recessão brasileira e, portanto, quando os empreendedores brasileiros estavam em um ambiente mais favorável, 66% dos “detentores dos meios de produção” tinham renda inferior a 2 salários mínimos. Sim, você leu certo: menos de 2 salários mínimos, o que os enquadra na categoria de “baixa renda”. Já 35% da “classe capitalista nacional” tinha rendimentos inferiores a um salário mínimo. Apenas 8% registram renda superior a 5 salários mínimos. Para efeitos de comparação, segundo o Ipea, no setor público federal a remuneração média dos servidores do Judiciário em 2016 era de R$ 15,4 mil. No Legislativo, o valor era de R$ 12,9 mil, enquanto os servidores do Executivo ganhavam, em média, R$ 8,1 mil. Já o salário médio dos celetistas em 2017 foi de R$2.306,71.

De acordo com o DataSebrae, 85% da “burguesia nacional” não têm empregados para “explorar”. Além disso, 44% dos empreendedores estudaram no máximo sete anos, sendo que 83% deles começaram a trabalhar antes dos 17 anos de idade. Apenas 1% deles iniciou as atividades laborais após os 25 anos.

Com a crise, que fez o índice de desemprego alcançar a máxima histórica, o empreendedorismo de necessidade aumentou, chegando a 44% dos empreendedores de 2015. A falta de uma renda levou milhões de brasileiros a buscarem alguma atividade para conseguir colocar comida na mesa.

Empreender é trabalhar 24/7

Pelas regras da CLT, um empregado tem o direito a férias anuais com duração de 30 dias, sendo remunerado “como se estivesse trabalhado”. Por outro lado, é natural que um empreendedor fique anos sem conseguir folgar em um final de semana, sobretudo no início dos negócios, quando a atividade depende quase que exclusivamente do trabalho do empreendedor.

51% dos “inimigos da classe trabalhadora” simplesmente não tiram férias, segundo levantamento da Confederação Nacional de Lojistas. Apenas 3% deles usufruem de quatro semanas de descanso por ano, como os trabalhadores com carteira assinada. Mesmo assim, dificilmente algum empreendedor curte uns dias de férias com a família sem verificar o e-mail ou o grupo de Whatsapp da empresa.

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Ao final do ano, em vez de receber um 13º salário, os que têm empregados precisam se planejar para conseguir cumprir esse requisito do contrato de trabalho.

A “falta de descanso” não para por aí: 43% dos empreendedores brasileiros trabalham dez horas por dia e um terço deles trabalha mais de 49 horas por semana. A jornada média semanal dos trabalhadores celetistas é de 40,2 horas, enquanto a dos empreendedores é de 45,5 horas semanais, o que supera o limite imposto pela legislação trabalhista.

Vale registrar que, em 2003, o senador Paulo Paim (PT/RS) e o então deputado Inácio Arruda (PCdoB/CE) apresentaram a Proposta de Emenda Constituição (PEC) nº. 75/2003, que pretendia reduzir a jornada semanal dos celetistas para 36 horas. Entre as justificativas de quem apoia a proposta, consta que a “extenuante carga de trabalho às quais os trabalhadores são expostos” faz com que eles não tenham tempo para “uma vida digna, seja com a família em casa ou aproveitando em forma de lazer ou desenvolvimento pessoal”.

Nada mais distante da realidade de muitos empreendedores, que apenas encerram seu expediente de trabalho após juntar o suficiente para voltar para casa com “o jantar” do dia. Para eles, deixar de trabalhar significa não conseguir rendimento algum.

E se der errado?

Se acaso as coisas derem errado na empresa, o empregado sofrerá ao perder o vínculo trabalhista. Mas há mecanismos previstos em lei para amenizar essa situação. Neste caso, ele terá acesso a seu FGTS e poderá dar entrada em seu pedido de seguro-desemprego, com duração de até 5 meses.

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Os empreendedores “malvados” que conhecerem a falência, contudo, terão de enfrentar uma realidade muito mais dura do que a do desemprego: as dívidas acumuladas no perseguimento da atividade do CNPJ dos microempreendedores terão de ser arcadas com o próprio patrimônio da pessoa física. Isso ocorre, particularmente, em algumas modalidades em que a responsabilidade financeira é ilimitada, como no caso do microempreendedor individual (MEI).

Dessa forma, os empreendedores poderão ter perdido o investimento, muitas vezes a poupança de toda uma vida, ou ainda o empréstimo feito junto a um banco, que terá de ser quitado.

No início de 2018, o CNPJ de quase um quinto de todos os MEIs foi cancelado por falta de pagamento à Receita Federal. Nesse processo, 1,37 milhão de empreendedores deixaram de ter CNPJ. Mais da metade dos MEis atrasaram ao menos um boleto nos últimos 12 meses. E a conta nem é tão alta assim: entre R$ 50,90 e R$ 55,90, o que deixa claro a dificuldade que a maior parte dessa “burguesia” tem de reservar parte da renda para arcar com os custos previdenciários.

O papel do empreendedor

O economista inglês Israel Kirzner dedicou toda a vida para pesquisar a função do empreendedor na sociedade. Em sua obra “Competição e Atividade Empreendedora”, por exemplo, ele explica que a atividade empreendedora significa estar em um constante “estado de alerta” em busca de oportunidades ainda não exploradas de atender os consumidores. O eventual lucro obtido no processo é um indicador de que a empreitada está sendo bem-sucedida. Nesse sentido, o empreendedor acaba gerando interações que permitem maior bem-estar na sociedade.

Dessa forma, para o empreendedor aumentar seus rendimentos ele não pode cruzar os braços, organizar manifestações ou dar declarações na imprensa usando de contabilidade criativa para sensibilizar (ou pressionar) alguma autoridade com o poder de magicamente aumentar seus vencimentos. É necessário satisfazer os consumidores de seus serviços ou produtos e buscar inovações que permitam maior produtividade, custos menores e/ou qualidade superior.

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Na crise, empreendedores sofrem com queda de receita, enquanto funcionários públicos, por exemplo, conseguem ter aumento de rendimentos. O irônico é que esses vencimentos são custeados com impostos retirados justamente do mercado privado, que sofre com a crise.

Sócio indesejado

É recomendável, para quem opta por empreender em sociedade, seguir toda uma cartilha de dicas para escolher um sócio adequado e que ajude a fazer com que o negócio prospere, não com que ele seja destruído. Mas há um tipo de sócio obrigatório com o qual o empreendedor terá de lidar. Ele impõe normas que precisam ser cumpridas, algumas tão complexas que talvez seja necessário contratar pessoas e lhes delegar essa tarefa. Ele abocanhará uma parcela considerável dos seus rendimentos, mesmo que o caixa fique no vermelho ao final do mês. E o pior: não há ação de dissolução de sociedade alguma que se possa ajuizar para retirá-lo da sociedade.

Este sócio é o Estado.

Para atendê-lo, o empreendedor precisa muitas vezes deixar de produzir para cumprir com obrigações burocráticas impostas por prefeituras, estados e União. Em caso de não cumprimento, ele terá de se arcar com multas e corre o risco até de ter o empreendimento fechado.

A complexidade das obrigações impostas pelo “sócio” é tamanha que, em média, as empresas brasileiras gastam 1.958 horas e R$ 60 bilhões apenas para conseguir atendê-lo. É tempo e dinheiro que poderiam ser mais bem utilizados, seja remunerando melhor os colaboradores, seja investindo esses recursos para desenvolver os serviços e produtos ofertados pela empresa.

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Muito abaixo das grandes cifras fantasiadas por quem critica os empreendedores, segundo levantamento de Stephen Kanitz, a margem de lucro das 500 maiores empresas no Brasil foi de cerca de 2% em 2017. Isso significa que elas precisam trabalhar até 29 dias por mês apenas para cobrir os custos de toda a operação da empresa. Em média, a operação dos negócios registra lucro em apenas nas últimas horas do mês.

Há muitos riscos inerentes à atividade empresarial. Para ter sucesso, o empreendedor tem que planejar, fazer  pesquisas de mercado para atender exatamente o desejado pelo público-alvo, contratar os melhores profissionais, promover treinamentos constantes, cumprir com as obrigações trabalhistas e tributárias, responder a ações judiciais ou enfrentar calotes de fornecedores e clientes, investir em marketing, entre outras dezenas de variáveis. Dessa forma, o custo de oportunidade envolvido para um lucro médio tão baixo pode ser encarado como uma situação desesperadora. A situação é tão caótica que boa parte dos empreendedores brasileiros teria rendimentos superiores, a médio e longo prazo, se ignorassem seus consumidores, fechassem seus negócios e colocassem todo o dinheiro no Tesouro Direto.

Em contrapartida, o sócio “lucra” — a título de impostos — mais de 30% do faturamento de 32% dos donos de micro e pequenas empresas no Brasil. O rendimento do Estado com a atividade dos empreendedores é superior ao de quem efetivamente gera riqueza a partir de seu próprio suor, independemente de fazer algo que contribua para aquele resultado ou não. Como o próprio Marx dizia, “há apenas uma maneira de matar o capitalismo: com impostos, impostos e mais impostos”. Nesse sentido, há muito esforço por aqui para se matar qualquer resquício de capitalismo possível.

Portanto, em média, os empreendedores brasileiros não têm direitos trabalhistas, férias remuneradas, funcionários, além de trabalharem mais horas para perceberem renda inferior, tendo de lidar, além de todos os riscos possíveis da atividade empresarial, com um sócio que costuma tentar sabotar qualquer geração de riqueza possível. Se Marx conhecesse os empreendedores brasileiros, em vez de “burguesia”, provavelmente ele diria se tratar de “heróis”.

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