O americano Chris Burden revolucionou o mundo das artes contemporâneas. Quando ainda era estudante, na década de 1960, fez sua primeira performance ao se trancar dentro de um armário minúsculo por cinco dias. Anos depois, ganhou notoriedade ao se deixar atingir por um tiro de fuzil no braço, levantando um debate sem fim sobre o que é arte.
A discussão sobre os méritos artísticos de Burden continua até hoje — para saber mais, vale a pena conferir o documentário ‘Burden’, de 2016, disponível no Netflix. O que não se discute é a coragem de Chris, que abriu seu caminho para o estrelato artístico com criatividade e performances nas quais arriscava a própria vida. Se isso é arte ou não, os críticos que decidam.
No Brasil, mais especificamente em Brasília, a coragem está em falta. Cantores, atores, produtores e toda sorte de personalidades do meio cultural fizeram uma romaria até o Supremo Tribunal Federal para denunciar a terrível censura em vigor sob o atual governo. Você provavelmente não sabia que isso estava acontecendo, mas Caetano Veloso, Luís Carlos Barreto, Caco Ciocler (quem?), Caio Blat e outros menos famosos querem que você acredite nisso.
O evento que reuniu a nata da cultura brasileira foi uma audiência pública realizada nesta segunda-feira (04) no STF, por causa de uma ação feita pelo partido Rede Sustentabilidade para “discutir medidas do governo que impõem novas formas de censura”, como andaram divulgando por aí.
Por mais que os supracitados queiram que a coisa toda seja retratada com ares heroicos, como se fossem paladinos da liberdade de expressão lutando contra uma ditadura malvadona, no fundo a questão se resume ao vil metal: grana, tutu, bufunfa, verdinhas, dinheiro. A peregrinação dos baluartes da arte tupiniquim tinha o objetivo de reclamar da medida do governo Bolsonaro que transferiu o Conselho Superior do Cinema do Ministério da Cidadania para a Casa Civil.
Caco Ciocler (duplo ‘quem?’) disse à Folha de S. Paulo que “por mais que exista uma Constituição que garanta a não censura, não é à toa que estamos aqui reunidos. É porque em algum lugar estamos sentindo a censura na prática”, afirmou o ator. Existe, de acordo com ele, uma “sensação real, concreta, da classe artística de que existe um movimento muito ligado a uma questão de valores cristãos”.
Caetano se disse preocupado com a liberdade de expressão, “porque existe essa ameaça, meio vaga, mas muito repetida, de não aceitação, através da retirada de subsídios ou de possibilidades de realização de projetos.”
Deixei o melhor para o final. O ator Caio Blat se saiu com esta: “Noventa e nove por cento de ‘Grande Sertão: Veredas’ é um romance homoafetivo. Guimarães Rosa talvez não poderia desenvolver a maior obra-prima da literatura brasileira se ele dependesse desse edital [do governo].”
A ideia de que Guimarães Rosa precisasse de um edital do governo para escrever ‘Grande Sertão: Veredas’ é tão risível, tão estapafúrdia, que eu atribuo tamanho disparate a anos de dinheiro fácil fluindo do bolso dos pagadores de impostos para os artistas mais ricos do País. Quando a torneira secou, bateu o desespero, levando pessoas inteligentes (como acredito ser o caso de Caio Blat) a falar sandices.
Mais uma vez, é bom reforçar, a questão por trás dessa falsa luta pela liberdade de expressão é o dinheiro. Blat não foi censurado. Mas como o governo ainda não liberou a verba para seu projeto de filmar o livro, ele disse que “a censura já está instalada neste país. De forma velada, de forma imunda, agora o que se está fazendo é uma limpeza ideológica velada, tentando excluir os mais fracos, excluir a diversidade.”
Na falta de uma censura de verdade, os artistas brasileiros resolveram criar uma para chamar de sua. São os falsos mártires de uma falsa ditadura.
Se Caio Blat quiser transformar ‘Grande Sertão: Veredas’ em filme com seus próprios recursos ou com o de um mecenas, não será impedido, não sofrerá censura. Chris Burden tomou um tiro pela sua arte. Caio Blat e companhia só precisam abrir mão do dinheiro público.
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