Em uma das maiores cidades da China, os vagões de metrô só para mulheres estão cheios de homens.
Esta é, talvez, uma realidade inescapável em um dos sistemas de metrô mais movimentados do mundo. Entre em um vagão durante a hora do rush na cidade de Guangzhou, no sul do país, e você pode acabar com o rosto pressionado contra as costas de um homem, ter seus joelhos golpeados pelas sacolas de outro passageiro e suas costas cutucadas pela bolsa de ferramentas de um trabalhador migrante.
É difícil encontrar lugar. Assim, quando o governo de Guangzhou começou a reservar vagões para passageiras preocupadas com a possibilidade de serem apalpadas e assediadas, eles se encheram – mas não com as pessoas para as quais haviam sido destinados.
"Os homens são muito sem noção", afirma Lu Lili, funcionária de banco de 28 anos, que estava esperando por um trem da Linha 1 em Guangzhou. "Praticamente todos estão tentando se espremer nesse vagão."
Ela faz um gesto mostrando os passageiros que estão esperando o carro só para mulheres. Muitos são homens.
"No passado, havia funcionários tentando avisá-los repetidamente: 'Este é um vagão somente para mulheres'. Mas todos esses homens entravam correndo. Eles são realmente muito pouco civilizados", afirma.
Conceito mal explicado
Os vagões somente para mulheres são, de várias maneiras, uma metáfora da China. É um país com muitas leis, mas, em várias áreas, pouca força para aplicá-las. O governo proíbe discriminação de gênero, mas não define o que ela é. Os que reclamam correm o risco de ser punidos. Como resultado, mulheres que foram assediadas sexualmente raramente denunciam a agressão à polícia. Os assediadores quase nunca são levados à justiça.
Com base em uma proposta de um participante de um importante órgão consultivo político para o Partido Comunista, que está no poder, foi lançado um esforço para impulsionar o conceito de "cuidar e respeitar das mulheres". Ye Zichuan, chefe do departamento de publicidade do metrô de Guangzhou, no entanto, enfatizou que os carros são rotulados para mulheres, mas não "somente para mulheres". Ele disse que não há nenhuma base legal para segregar os passageiros à força.
Leia também: Cresce discriminação contra mulheres na China
Os vagões de metrô designados – dois no final de cada composição – são efetivos apenas em dias de semana e durante as horas de rush da manhã e da tarde. As portas desses carros têm inscrições "vagão para mulheres" em caracteres chineses cor de rosa e ilustrações de flores.
Os críticos chineses dizem que eles servem apenas como uma distração do problema real da atitude masculina por aqui.
Assédio sexual
Mais de metade das mulheres pesquisadas pelo jornal estatal China Youth Daily em 2015 diz que já foi alvo de "toques inadequados" no transporte público na China.
Jane Zhao, de 25 anos, executiva de recursos humanos em uma empresa de comércio eletrônico, diz que um homem uma vez apalpou seu peito no metrô.
"Como há muita gente, você não sabe quem foi, isso dificulta acusar alguém. E você não ousa fazer uma cena no vagão", diz ela, afirmando que já ouviu histórias parecidas de suas colegas.
No ano passado, com o objetivo de aumentar a conscientização para o problema do assédio sexual no transporte público, um grupo de jovens feministas de Guangzhou recolheu do público mais de US$6 mil para uma campanha publicitária.
As autoridades, no entanto, impediram a campanha dizendo que poderia causar "pânico", segundo Xiao Meili, uma das fundadoras do coletivo. Depois, disseram a elas que apenas as organizações governamentais podem patrocinar anúncios de interesse público.
Xiao acredita que o conceito de vagões apenas para mulheres é "realmente idiota".
"Na superfície, parece que os carros apenas para mulheres foram criados para protegê-las, mas o efeito é que eles dizem às mulheres que elas devem ficar em um determinado local para evitar serem assediadas sexualmente", afirma ela.
Lotação
Então, há a questão das multidões. Guangzhou tem o quarto sistema de metrô mais movimentado do mundo, depois de Xangai, Pequim e Londres, segundo o Metrobits, um site sem fins lucrativos que analisa os sistemas de transporte urbano do mundo.
Em um dia, os passageiros fazem cerca de oito milhões de viagens no metrô de Guangzhou, afirmou Ye, o oficial do metrô da cidade, por e-mail. Durante a hora do rush, a média de pessoas dentro de um vagão é 310, segundo ele.
Os exaustos trabalhadores do metrô, que usam coletes vermelhos com a palavra "voluntário", afirmam que logo depois que os vagões foram destinados às mulheres, eles tentaram dissuadir os passageiros homens de usá-los, mas não tiveram sucesso. Eles passam a maior parte de seu tempo gritando para as pessoas "irem para o centro do vagão" e "não se espremerem a bordo se não houver mais espaço".
Muitos dos homens nos vagões dizem que apoiam a ideia e que acabaram em um carro para mulheres por acidente.
"Os homens devem dar lugar para as mulheres e mostrar seu cuidado e preocupação com elas. Afinal, os corpos delas são mais fracos que os deles", afirmou Jiang Hui, de 25 anos, funcionário de um banco, que estava esperando o trem perto da fila do carro designado para as mulheres.