Nesse momento estranho da história, qualquer erro jornalístico pode ter consequências extremamente sérias.
Três jornalistas da CNN descobriram isso alguns dias atrás, quando foram pressionados e pedir demissão depois de relatarem, editarem e publicarem uma matéria – baseada apenas em uma fonte anônima – que, segundo a empresa, não passou pelos processos adequados de revisão.
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Quando a matéria foi criticada (ela ligava um membro do time de tradução de Trump a uma investigação relacionada à Rússia), a CNN não só se retraiu como pediu que os jornalistas empacotassem suas coisas.
Alguns viram o movimento como responsabilidade bem-vinda, ao menos em uma forma draconiana.
James Risen, do New York Times, considerou-o como "um movimento covarde e em pânico". A CNN foi "facilmente intimidada por Trump", ele me disse.
"A CNN não parece disposta a mostrar o tipo de coragem necessária para apoiar seus funcionários que fazem relatos difíceis de investigação", disse Risen, um dos repórteres investigativos mais proeminentes da nação. Risen ganhou um Prêmio Pulitzer em 2006 por uma história co-escrita com um dos jornalistas despedidos, Eric Lichtblau, a quem ele chamou de "um dos melhores repórteres com quem eu já trabalhei".
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Se o esforço foi feito para acalmar o crítico-chefe da CNN – o presidente Donald Trump –, ele certamente falhou.
Trump e seus representantes aproveitaram a oportunidade para esmagar a rede e o resto da mídia de forma mais vociferante do que nunca. Os gritos (e tweets) usuais de "FAKE NEWS" (notícias falsas) foram executados em um nível de decibéis especialmente alto durante toda a semana.
O capitão da CNN, Jeff Zucker, disse a suas tropas que eles têm que jogar "bola sem erros".
Na verdade, uma reportagem mal executada pode anular uma centena de boas: o fluxo quase constante de bolas bem relatadas que levaram vários membros da administração a se juntar com advogados e nomear um promotor especial.
Mas aqui está o problema: não existe um jornalismo sem erros.
"'Errar é humano' não se limita ao jornalismo, nem o jornalismo está isento disso ", disse Richard Tofel, presidente da ProPublica, organização sem fins lucrativos de jornalismo investigativo.
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Essa realidade está "no centro da proteção moderna de liberdade de imprensa da nossa Constituição", ele afirma. "Quando falamos de assuntos públicos, erros inocentes são protegidos, erros declarados não são". Provoque qualquer repórter ou editor – incluindo o que escreve esse texto – que eles vão contar seus erros: erros nos fatos, na interpretação, no processo. E, claro, esses erros precisam ser reconhecidos e corrigidos.
O The Washington Post já cometeu erros, assim como o New York Times, que recentemente precisou corrigir um editorial que conectou, erroneamente, anúncios do comitê político de Sarah Palin com o baleamento da congressista Gabby Giffords.
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A CNN fez um grande esforço para formar uma unidade de jornalismo investigativo, contratando agressivamente e trazendo estrelas como Andrew Kaczynski, do BuzzFeed, ou mesmo Lichtblau.
O time teve seu sucesso – histórias inéditas sobre as interferências russas nas eleições americanas de 2016 e as relações entre a Rússia e aliados de Trump. Mas teve também um erro grande – ao prever que o ex-diretor do FBI James B. Comey negaria ter dito ao presidente que ele não estava sob investigações.
Quando Comey afirmou o contrário disso publicamente, a CNN preparou rapidamente uma correção.
"A Casa Branca e a mídia pro-Trump não se seguram nem mesmo remotamente aos mesmos padrões de precisão que a CNN e o resto de nós", disse Ben Smith, editor chefe do BuzzFeed. Sean Hannity está trabalhando na Fox News depois de perpetuar teorias conspiratórias vergonhosas. Bret Baier, depois de prever uma acusação "provável" contra a Fundação Clinton, antes da eleição, continua também na rede. (E, mesmo na CNN, o doloroso e terrível substituto de Trump, Jeffrey Lord, conseguiu continuar sendo pago).
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Smith ofereceu empatia: "Construir uma cultura de pesquisa investigativa é realmente difícil e não invejo ter que construí-la sob o tipo de escrutínio intenso e injustamente politizado que eles enfrentam".
Há, naturalmente, ofensas sérias no jornalismo: plágio, fabricação, sérios conflitos de interesse ou, como em uma recente demissão no Wall Street Journal, fazer negócios com uma fonte.
Mas não conseguir passar da revisão com uma matéria com fontes frágeis e que cujo conteúdo ainda não se provou errado?
"A punição não parece compatível com o crime", disse Lydia Polgreen, editora chefe do Huffington Post. "E pode ter um efeito anestésico em outros repórteres que estão tentando chegar perto da verdade".
Se houver mais nessa situação, a CNN deveria contar para o público, modelando o mesmo tipo de transparência que as empresas de mídia querem de funcionários do governo. (O porta-voz da CNN, Matt Doric, disse o seguinte quando perguntado sobre mais explicações para a disciplina tão estrita: "eles não trabalham mais para a CNN porque violaram procedimentos editoriais críticos que estão em vigor por motivos relevantes").
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Washington enfrenta hoje em dia várias comparações com Watergate. Então lembremos o tempo em que os famosos repórteres do Washington Post, Bob Woodward e Carl Berstein, erraram na história de capa: que uma testemunha do caso afirmou no grande júri do Watergate, que o principal assessor do presidente Richard Nixon, H.R. Haldeman, estava envolvido no escândalo.
O episódio, no seu tempo, causou dúvidas na investigação. Woodward relembra desses dias como os piores de sua vida: "na realidade, eu não acho que tenha tido outro tão ruim. Deu tudo errado".
Mas o editor do jornal, Ben Bradlee, apoiou os repórteres publicamente – por mais que os tenha queimado por trás das portas. Eles não foram demitidos e o resto é história.
Agora, neste novo momento de um exame minucioso e um desprezo quente, "as organizações de notícias precisam se perguntar o que estão tentando fazer", disse Polgreen.
"Você está lá para servir o seu público ou para manter as pessoas poderosas felizes?"
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