No domingo dia 3, um terremoto de 6,3 graus de magnitude na escala Richter foi registrado na Coreia do Norte. Como nas vezes anteriores, os sismólogos rapidamente identificaram que não se tratava de um evento natural, mas de um novo teste nuclear do regime de Kim Jong-Un.
A intensidade da explosão, considerada cerca de dez vezes mais poderosa que o último teste realizado até então, fez a comunidade internacional temer que o anúncio oficial de Pyongyang talvez não fosse exagerado: a Coreia do Norte teria em mãos uma bomba de hidrogênio capaz de ser acoplada a um míssil balístico – ou, no mínimo, estaria cada vez mais próxima disso.
A bomba de hidrogênio, também chamada de termonuclear ou bomba H, é muito mais poderosa do que uma bomba nuclear comum por uma diferença fundamental no processo de detonação: enquanto as versões mais “simples” utilizam a fissão (quebra de átomos, mesmo processo visto em usinas elétricas nucleares), a bomba H deve seu poder explosivo à fusão nuclear (quando os núcleos dos átomos se juntam), o mesmo tipo de processo com o qual o sol produz sua energia.
As bombas termonucleares podem ser milhares de vezes mais destrutiva do que aquelas utilizadas em Hiroshima e Nagasaki, por exemplo, e são o armamento mais poderoso já desenvolvido. Se a Coreia do Norte já chegou a esse estágio em seu programa nuclear, qual é o próximo passo na sua escalada de ameaças?
Anos de negociações fracassadas
Desde que deixou o Tratado de Não-Proliferação Nuclear, em 2003, a estratégia da Coreia do Norte tem sido avançar no desenvolvimento de suas armas a despeito das promessas dos Estados Unidos de responder com força. Recentemente, Donald Trump anunciou que seu governo responderia “com fogo e fúria” se as ameaças continuassem.
A resposta de Kim Jong-Un foram testes que levantaram preocupação em Washington e seus aliados: primeiro, o lançamento de um míssil que sobrevoou o Japão e deixou o país em alerta máximo antes de cair no mar; depois, o poderoso teste nuclear de domingo retrasado. Nesta quinta-feira, mais um foguete sobre o território japonês.
E, apesar das falas duras de Trump, nenhuma medida foi tomada pela Casa Branca.
Para especialistas, a escalada das ameaças norte-coreanas é resultado de uma política equivocada dos Estados Unidos, que continua na atualidade: acreditar que era possível levar a Coreia do Norte à mesa de negociações para pôr fim ao seu programa nuclear, ao mesmo tempo em que se prometiam represálias que nunca eram cumpridas – a ditadura dos Kim sempre teve linhas que supostamente não poderia cruzar sem gerar uma resposta armada dos EUA, e gradativamente foi deixando cada um deles para trás sem que a prometida guerra acontecesse.
“Eu não vejo nenhum cenário realista em que se convença a Coreia do Norte a se desnuclearizar”, admite Emily Landau, especialista em proliferação nuclear do Instituto para Estudos de Segurança Nacional (INSS, na sigla em inglês), em entrevista à Gazeta do Povo.
“Agora é um estágio muito tardio. A Coreia do Norte já é um estado nuclear, e eu temo que não há maneira de forçá-los a reverter esse caminho. A cada estágio as potências ignoraram os riscos de longo prazo, preferindo dizer para si mesmas que os norte-coreanos ainda não eram perigosos, e que talvez a próxima rodada de negociações desse certo”, critica Landau.
Uma das táticas empregadas desde os tempos de Kim Jong-Il, pai de Kim Jong-Un e ditador do país até sua morte em 2011, era se valer da ameaça nuclear para negociar um “desarmamento” (que não ocorreu) em troca de concessões econômicas das potências estrangeiras. “A situação atual é o resultado sombrio de anos de tentativas malsucedidas de negociar com os norte-coreanos. O país utilizava as circunstâncias para conseguir benefícios econômicos enquanto avançava seu programa nuclear”, entende Landau.
Quais linhas ainda restam cruzar?
Se a Coreia do Norte já pode ser entendida como um estado nuclear, e talvez tenha até mesmo uma bomba de hidrogênio capaz de ser lançada em um míssil, o que resta para os EUA e seus aliados? A única maneira de garantir um desarmamento seria a destruição completa do arsenal norte-coreano, algo que os especialistas entendem ser impossível sem uma guerra. Por outro lado, um conflito armado seria catastrófico para os dois lados: embora a Coreia do Norte não tenha condições de enfrentar o poderio norte-americano, a Coreia do Sul e o Japão sofreriam grandes perdas antes de Pyongyang ser derrotada.
“Para a Coreia do Norte, ter armas nucleares é mais poderoso do que usar armas nucleares. O objetivo da Coreia do Norte é efetivamente deter aquilo que ela vê como a hostilidade dos Estados Unidos”, resume o pesquisador em política externa Karl Friedhoff, do Chicago Council on Global Affairs, em entrevista à Gazeta do Povo. “Se ela sentir que pode fazer isso com segurança, eu acredito que ela vai começar a testar as águas através de provocações isoladas e de baixa intensidade contra a Coreia do Sul”, diz Friedhoff.
Leia mais: É questão de tempo para a Coreia do Norte ter um míssil que possa atingir os EUA
Oficialmente, a Guerra da Coreia nunca acabou – embora o conflito armado tenha se encerrado em 1953, jamais houve um tratado de paz, apenas um armistício, e os dois países ainda são divididos por uma “zona desmilitarizada”, e não uma fronteira regular.
Kim Jong-Un utiliza a tese do conflito inacabado para justificar as provocações armadas, pois o objetivo final seria a unificação da península sob seu controle ao final da guerra, como a Coreia do Norte havia planejado ainda na década de 50. Já houve ataques desse tipo recentemente (em 2010, a ilha sul-coreana de Yeonpyeong foi bombardeada, deixando dois mortos), mas o aumento do poderio nuclear norte-coreano e o receio de dar uma resposta dura poderia significar uma frequência cada vez maior nesse tipo de ação.
Considerando os custos de reiniciar um conflito armado, Friedhoff entende que a melhor alternativa ainda é aplicar sanções econômicas à Coreia do Norte, mas elas só podem ser efetivas se também passarem a ser adotadas por países que atualmente as ignoram. Hoje, Pequim segue colaborando ativamente com o regime de Kim, que também conta com apoio russo. “A forma de pressioná-los a aplicar sanções é os EUA começarem a focar nos bancos e empresas chinesas que fazem negócios com a Coreia do Norte. Quando as entidades de lá foram visadas pelos EUA, a China respondeu e isso assustou os bancos chineses. É preciso seguir nesse caminho”.
Riscos colaterais
Os pesquisadores entendem que o uso de armas nucleares não é desejado nem mesmo por Pyongyang, já que seria o estopim para um conflito que a Coreia do Norte não tem condições de vencer. O objetivo é outro: ter poder de barganha suficiente para evitar uma intervenção norte-americana no país e garantir a sobrevivência do regime. Kim teria aprendido a lição com Saddam Hussein e Muamar Kadafi, que concordaram em não perseguir um arsenal nuclear e eventualmente tiveram suas ditaduras derrubadas, no Iraque e na Líbia.
Segundo Emily Landau, o maior risco da proliferação de armas nucleares norte-coreanas é o fato de se tratar de um país indiferente às normas internacionais, capaz de fazer seu arsenal chegar a grupos e nações do Oriente Médio considerados perigosos aos interesses dos EUA e seus aliados, como Israel.
“A Coreia do Norte é extremamente perigosa porque ela deve vender seus produtos nucleares a qualquer estado que pague por eles. A cooperação norte-coreana com o Irã, fora dos meios convencionais, é uma grande preocupação”, entende.
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No entanto, com o risco elevado pelas recentes ameaças, mesmo os cidadãos americanos temem uma intervenção armada no estágio atual. Segundo pesquisa divulgada pelo Chicago Council on Global Affairs no início de agosto, 76% dos americanos consultados entendiam que o melhor caminho a seguir era impor sanções mais duras – opinião que era majoritária mesmo entre os republicanos. Apenas 28% concordavam com o envio de soldados americanos para um conflito sem que haja um ataque norte-coreano.
“Os comentários de Trump sobre ‘fogo e fúria’ podem soar bem, mas eles não avançam em nada os interesses americanos e, pior do que isso, preocupam os nossos aliados”, diz Karl Friedhoff. O uso da força, explica, só é bem visto como resposta a uma ação prévia.
“Nossa pesquisa mostra que a maioria dos americanos se opõe ao uso de força militar contra a Coreia do Norte. Isso, claro, a não ser que eles invadam a Coreia do Sul. Neste caso, há um grande apoio para que se envie tropas para defendê-los”.
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