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Curcumina, extraída da raiz da cúrcuma ou açafrão-da-terra (Curcuma longa), é até agora uma das grandes promessas não-cumpridas da pesquisa de medicamentos baseados em produtos naturais | Letícia Akemi/Gazeta do Povo
Curcumina, extraída da raiz da cúrcuma ou açafrão-da-terra (Curcuma longa), é até agora uma das grandes promessas não-cumpridas da pesquisa de medicamentos baseados em produtos naturais| Foto: Letícia Akemi/Gazeta do Povo

Pesquisadores da Universidade do Chile, a segunda melhor instituição chilena de ensino superior e a quarta melhor da América Latina, segundo o ranking britânico Times Higher Education, divulgaram, no dia 29 de maio, resultados aparentemente promissores do uso de uma formulação que combina curcumina e nanotecnologia para evitar metástases de melanoma.

Segundo nota divulgada pela universidade, todos os animais que tiveram o câncer extraído cirurgicamente e foram tratados com o preparado, uma emulsão contendo nanocápsulas de curcumina, se recuperaram bem, sem desenvolver novos tumores. Já entre os animais que apenas passaram pela cirurgia, 70% apresentaram recidiva. 

O estudo chileno ainda não foi publicado na literatura científica, e a taxa de sucesso apontada – 100% de recuperação no grupo de tratamento – convida cautela. Além disso, é possível que o trabalho tenha sido mais uma vítima do poder da substância escolhida, a curcumina, de enganar os cientistas. 

Promessa não-cumprida

Curcumina, extraída da raiz da cúrcuma ou açafrão-da-terra (Curcuma longa), é até agora uma das grandes promessas não-cumpridas da pesquisa de medicamentos baseados em produtos naturais. Artigo publicado no início do ano pelo periódico Journal of Medicinal Chemistry identifica um frenesi de atividade científica em torno desse extrato do açafrão – foram encontrados mais de 9 mil publicações, além de 500 patentes, envolvendo a curcumina – mas aponta que nenhum teste duplo-cego, controlado por placebo, da curcumina jamais foi bem-sucedido. Foram identificados mais de 120 trabalhos do tipo. 

Os autores sugerem que a atividade biológica promissora da substância contra diversas doenças, detectada em testes preliminares conduzidos em células ou animais de laboratório, é “provavelmente falsa”. 

A expressão “buraco negro dos produtos naturais” foi cunhada uma equipe diferente de pesquisadores em outro artigo do mesmo periódico, publicado em 2015, para se referir à constatação de que o estudo das propriedades medicinais de substâncias naturais tende a, perversamente, concentrar um máximo de energia num mínimo de moléculas que geram muitos falsos positivos em testes de laboratório, e pouquíssimos resultados práticos. 

“A análise da distribuição da literatura sobre produtos naturais (PNs) revela um comportamento característico da pesquisa de PNs, em que um volume significativo de esforço é dispendido numa fração mínima da diversidade química, e com pouca produção de pistas válidas para drogas”, aponta o trabalho que definiu esse “buraco negro”. 

Por conta de características como complexidade química e a dificuldade de eliminar impurezas, muitos produtos naturais acabam atuando como falsas panaceias. São moléculas que, em análises iniciais, parecem capazes de atuar num sem-número de condições, mas que no fim se revelam muito pouco úteis, ou mesmo prejudiciais à saúde humana. 

Desperdício de tempo

Como exemplo, os autores do estudo sobre a fantástica ineficácia da curcumina comparam a explosão de pesquisa inconclusiva sobre esse produto – que já teve efeitos supostamente positivos apontados em condições tão díspares quanto indigestão, câncer e Alzheimer – com os estudos sobre a artemisinina, produto de origem natural que rapidamente se confirmou como um medicamento útil contra malária. “A despeito disso, a interesse continuado resultou na geração de manuscritos sobre estudos biológicos da curcumina numa taxa que supera, em muito, as publicações sobre artemisinina”, constatam os pesquisadores. 

Os resultados apresentados no artigo sobre o pó da raiz do açafrão levaram o químico Derek Lowe, que mantém um blog sobre descoberta e desenvolvimento de medicamentos no site da revista Science, a publicar uma postagem com o título taxativo de “A curcumina Vai Desperdiçar Seu Tempo”. 

“A curcumina tem diversos problemas", disse Lowe.

“A maioria dos artigos que falam sobre seu uso não utiliza um composto puro, mas uma mistura vinda da planta, geralmente contendo diversos compostos diferentes, o que torna difícil saber se os vários estudos usaram o mesmo material. Ela é muito difícil de dissolver, o que dificulta saber qual a dose aplicada. Também tem uma estrutura química que pode reagir com diversas proteínas e outras moléculas do corpo, então é difícil saber que alvo está sendo atingindo. E, quando administrada oralmente, ela é removida da corrente sanguínea muito depressa. No geral, é quase o oposto do que tentamos encontrar quando procuramos uma nova droga”. 

Mas, e quanto à aplicação da curcumina por meio de nanotecnologia, estratégia adotada pelos pesquisadores chilenos? 

“Não duvido de que o uso de uma nanoemulsão seja um meio eficaz de evitar alguns dos problemas da curcumina que apontamos em nosso artigo”, disse Michael Walters, da Universidade de Minnesota, principal autor do trabalho sobre curcumina publicado no Journal of Medicinal Chemistry.

“No entanto, não está claro que a curcumina seja estável, mesmo quando liberada dentro do corpo. Suspeitamos que seja instável quando liberada de seu revestimento protetor. Portanto, a questão continua: é mesmo a curcumina, ou algum produto de sua degradação que causa os efeitos observados?” 

Resultados fracos

Walters lembra ainda que “o câncer já foi curado em camundongos antes, sem que a substância usada se tornasse uma terapia para câncer em humanos”. “Há uma longa estrada até se chegar a uma droga. E estudos de câncer de cólon usando altas doses de curcumina têm dado resultados, na melhor das hipóteses, fracos”, lembra. 

O pesquisador diz que diversos grupos de pesquisa vêm trabalhando com nanoformulações de curcumina para tratar câncer. “Esses trabalhos podem ser promissores, mas ainda precisam ser replicados”, afirma. 

Lowe, por sua vez, gostaria de ter mais detalhes do estudo chileno. “Os resultados de que essa equipe fala, com 100% de eficiência no grupo de tratamento, devem dar um artigo muito interessante, e estou curioso para lê-lo, já que gostaria de saber mais do experimento”, disse. 

“Mas os problemas da curcumina ainda estão aí: há muitos poucos estudos em humanos com curcumina, na literatura, que têm qualidade suficiente para merecer confiança, e até agora os resultados não impressionam. Não quer dizer que ela não pode funcionar, só que é muito difícil trabalhar nessa área com alguma confiança”. 

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