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A democracia nunca enfrentou uma ameaça como o Facebook

Facebook é a fonte primária de notícias para dois terços dos americanos e um quinto dos europeus | js/pr/JUSTIN SULLIVAN
Facebook é a fonte primária de notícias para dois terços dos americanos e um quinto dos europeus (Foto: js/pr/JUSTIN SULLIVAN)

Gigantes das redes sociais com sede nos Estados Unidos podem enfrentar em breve um novo ataque na Europa: há a percepção entre ativistas e políticos de que a base de seu modelo de negócios — publicidade direcionada — pode ser uma ameaça à democracia.

Em um discurso quarta-feira (7), a comissária Margrethe Vestager — a responsável no primeiro escalão pela política antitruste da União Europeia, que tem sido a arqui-inimiga de empresas de tecnologias como Google e Apple — expôs os problemas que tem com a maneira como as redes sociais mudam o comportamento político das pessoas. 

Uma de suas queixas é familiar: o Facebook e seus pares tendem a separar as pessoas em bolhas e abrigos políticos ideologicamente filtrados, destruindo, na visão de Vestager, a possibilidade de qualquer debate substancial. A outra tem recebido menos atenção da imprensa. Diz respeito a anúncios políticos e à atuação de campanhas nas redes sociais em geral. Vestager disse: 

“Se anúncios políticos aparecem apenas nas linhas do tempo de alguns eleitores, como podemos todos debater as questões que eles levantam? Como outros partidos e a imprensa podem desempenhar a tarefa de questionar essas afirmações? Como podemos sequer saber qual política um candidato foi eleito para implantar, se as promessas nas quais os eleitores confiaram foram feitas em privado?” 

Há argumentos razoáveis contra ambas as queixas de Vestager. Muito antes das redes sociais, as pessoas já se agrupavam com base em visões compatíveis; vieses de confirmação também são tão antigos quanto a sociedade humana. As redes sociais meramente refletem a realidade e a tornam mais palpável. Quanto a mensagens direcionadas, instrumentos de campanha antigos como mala direta e telefonemas também entregavam mensagens privadas a eleitores em potencial, e a imprensa geralmente os analisava — assim como analisa modernas atividades de campanha nas redes sociais. Na verdade, ficou mais fácil porque todo mundo está no Facebook e no Twitter. 

Dados privados

Vestager, contudo, está na trilha certa. As ferramentas antigas permitiam um direcionamento bastante genérico — pelo histórico de votação ou de doação eleitoral, por exemplo. Campanhas modernas tentam direcionar suas mensagens usando os dados privados das pessoas ou mesmo perfis psicológicos criados a partir de suas atividades nas redes sociais e na internet. Isso não é necessariamente eficaz, mas significa que certos eleitores recebem anúncios e mensagens que eles não teriam escolhido receber. 

Imagine que eu sou um viciado em redes sociais para quem o Facebook é a fonte primária de notícias, assim como é para dois terços dos americanos e um quinto dos europeus. Vejo um anúncio político porque alguém — mais provavelmente uma entidade de inteligência artificial — me perfilou de certa maneira, não porque eu fiz uma doação a certo partido ou votei para um candidato específico na última eleição. A não ser que outro algoritmo me perfile de maneira diferente, não verei as respostas dos outros partidos ao conteúdo com o qual fui assediado. Não tenho ideia do que o partido que anunciou para mim prometeu para pessoas em outros grupos alvo. Tenho menos ideia ainda das campanhas que os partidos estão conduzindo do que se assistisse à TV como um eleitor do século XX. 

Além disso, o Facebook não disponibiliza dados sobre o que as campanhas fazem na sua plataforma. Em um país que não removeu todos os limites para gastos com campanhas como os Estados Unidos efetivamente fizeram com Citizens United, isso dificulta a verificação de quanto elas gastam em anúncios. A posição do Facebook é de que é responsabilidade da campanha seguir as leis de seu país, e que os usuários tem absoluto controle sobre quais anúncios são exibidos para eles. A primeira resposta é irrelevante para a tarefa de verificar as autodeclarações das campanhas. A segunda é verdade apenas em certo grau: no Facebook, você pode escolher não ver certos anúncios, mas ainda são algoritmos que escolhem como eles serão substituídos. 

Na corrida para a eleição britânica de quinta-feira, um grupo chamado “Who Targets Me” (quem mira em mim, em tradução livre) recrutou 10 mil voluntários para instalar uma extensão de navegador que registra mensagens direcionadas, de vídeos no Facebook a anúncios em pesquisas no Google. O grupo os chama de “anúncios sombrios” porque eles são difíceis de monitorar: eles são direcionados a eleitorados locais, gêneros e faixas etárias específicos. 

Fake news

A eleição do ano passado nos Estados Unidos levou a pressões sobre redes sociais para combaterem “fake news” e a rede de robôs que as disseminava. O Facebook respondeu introduzindo mecanismos bem divulgados para denunciar histórias provavelmente falsas e tê-las verificadas. Durante a recente eleição presidencial na França, o Facebook informou que suspendeu 30 mil perfis falsos para impedi-los de disseminar histórias falsas. Nada disso realmente conserta o problema da bolha filtrada — as pessoas ainda vão acreditar no que elas querem acreditar e, se elas desconfiam da imprensa tradicional, provavelmente vão desacreditar esforços de verificar os fatos também. 

Então a pressão permanece por uma resposta mais pertinente, mas não é claro qual ela poderia ser — além de ter editores humanos removendo histórias consideradas falsas, algo a que as redes sociais resistem porque é contrário à sua autoimagem de plataformas neutras. 

Se uma reação regulatória contra anúncios políticos direcionados começar, contudo, é claro o que as redes sociais podem vir a ser obrigadas a fazer. Reguladores podem requerê-las a divulgar que mensagens as campanhas estão usando e quanto estão pagando para circulá-las. Em um cenário extremo, eles poderiam até mesmo banir anúncios políticos das redes sociais, argumentando, como Vestager fez em seu discurso, que a política é diferente dos negócios, então as regras para mensagens direcionadas deveriam ser diferentes para proteger a democracia. 

Em um manifesto no começo deste ano, o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, escreveu a respeito de transportar relações e estruturas sociais formadas nas redes para o mundo offline. “Essas mudanças têm sido tão rápidas que não tenho certeza se nossa democracia conseguiu acompanhar”, Vestager disse em seu discurso. 

Podemos ter certeza que reguladores europeus escolherão retardar o desenvolvimento da visão de Zuckerberg em vez de reescrever as regras de campanha para acompanhá-la. 

*Bershidsky é colunista da Bloomberg View. Foi editor fundador do diário de negócios russo Vedomosti e fundou o site de opinião Slon.ru

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