Há boas razões para dar dinheiro a gente que nunca vimos, nem veremos. Mas até que ponto?| Foto: Pixabay
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Chegou outra vez aquela época do ano. Se você quiser uma folguinha dos impostos de 2022, tem até 31 de dezembro para doar à sua instituição de caridade favorita. Diante de mim, enquanto digito, há uma grande pilha de cartinhas pedindo doação. A maioria, para causas que já julguei dignas no passado. Além da correspondência física, chegam também os emails. Eu costumava acrescentar umas poucas instituições de caridade a cada ano; e era raro tirar uma para a qual já doei. Recentemente, porém, comecei a enxugar bastante a lista, e só bem poucas às quais dei ano passado, tapando o nariz, serão cortadas esta vez.

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Fico triste por saber que muitas causas nas quais já acreditei não me parecem mais dignas. Fico triste tanto por sentir que joguei o meu dinheiro fora, quanto, pior ainda, porque é terrível ver instituições sólidas trocando as pernas, mostrando que a obediência constante à diversidade, equidade e inclusão tem importância igual, ou talvez até superior, aos seus propósitos declarados até então.

Alguns dão dinheiro regularmente à glória de Deus, gloria Dei em latim, mas DEI é um deus novo e voraz. As organizações agora pedem que você entregue o dinheiro e MORRA [em inglês, DIE] (se vocês me permitirem um pequeno reordenamento das letras). De modo impressionante, nos apresentam isso como uma coisa boa: que maravilha que agora há um departamento de diversidade com um bom time; que a prioridade dos serviços vai para aqueles que o departamento crê serem quase divinos; que não nos preocupamos mais com beleza e excelência, e em vez disso adoramos pela gloria DIE. Mas, na verdade, é claro que esse tipo de morte é suicídio, merecendo não o nosso apoio, senão o nosso desprezo.

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Como, então, será possível escolher alguma instituição em meio à pilha de pedidos? Eis um guia sobre por que doar, quanto e para quem doar, no que pensar ao doar -- e quando não doar.

Primeiro, o porquê. Eu sou um doador modesto; pouca coisa depende das minhas doações de cem ou mil dólares. Mas, felizmente, tenho uma situação financeira confortável; e, segundo creio, devemos o nosso conforto à nossa comunidade, ao nosso país e ao mundo, que nos dão o que podem. Parafraseando II Coríntios 8,12, tente dar de acordo com o que tens. Para mim e para muitos outros, significa dar cerca de 10% da nossa renda. Ou seja, pagar o dízimo [em inglês, tithing].

O verbo tithe, em inglês antigo, teóðian, ou "tirar a décima parte de algo", significa "decimar". De um ponto de vista etimológico, portanto, tem algo em comum com dizimar — e traz à mente o cartum da New Yorker de Emily Flake no qual dois vikings estão num campo com quatro cabanas pegando fogo e um monte de mortos, e um diz ao outro: "Você sabia que 'dizimar' significa matar só um a cada dez?"

A ideia de dar uma porcentagem fixa, frequentemente um décimo, da propriedade ou riqueza -- uma prática mencionada no Gênesis (14,20 e 28,22) que perdura no judaísmo ortodoxo --, não se limita à tradição judaico-cristã: um dos cinco pilares do islã, por exemplo, é o zakat, "fazer doação" (em árabe, literalmente, "o que purifica"). Não obstante, para a maioria dos norte-americanos, a palavra remete à Igreja. Não é de admirar: Jesus menciona o dízimo em Mateus 23,23 e Lucas 11,42 (suas palavras se dirigem, porém, aos fariseus); e o Segundo Concílio de Tours, em 567, tornou obrigatório para os cristãos, sob pena de excomunhão, doar essa parcela especificamente à Igreja. Hoje, porém, a maioria das denominações cristãs não obriga a essa prática (algumas obrigam, como os Adventistas do Sétimo Dia), embora doações à paróquia — em geral, menos de um décimo — continuem comuns. De um ponto de vista teológico, dízimo é diferente de doação: um é devido; outro é mero presente. Mas a distinção não importa neste contexto.

Quanto e a quem devemos doar? A maioria das doações é do tipo secular. Vai para organizações com CEOs e CFOs em vez de arcebispos e rabinos. Mas a ideia dos 10% persiste, sobretudo entre os "altruístas eficazes". Veja-se o Giving What We Can [Dar o que podemos], fundado em 2009 por dois filósofos em Oxford, Toby Ord e William MacAskill, junto com a mulher de Ord, Bernadette Young, que se anuncia como uma "comunidade global de doadores eficazes". Seu "voto mais popular é o de dar o que podemos, no qual os membros se comprometem a dar ao menos 10% da renda de suas vidas para entidades filantrópicas eficazes," embora haja também a opção de assinar um "voto experimental de 1% da renda por qualquer período à sua escolha."

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Os dois membros mais famosos do Giving What We Can são MacAskill e Peter Singer, o controverso filósofo de Princeton. Em 2013, a organização de Singer The Life You Can Save [A vida que você pode salvar], baseada em seu livro homônimo de 2009, se tornou uma entidade de caridade registrada, e estimula pessoas com uma renda anual de no mínimo 40.000 dólares a dar no mínimo 1% da renda a "entidades de caridade eficaz", tais como as 25 recomendadas na lista, e então trabalhar num "ótimo pessoal". Tudo muito bem e muito bom, mas Singer também acredita que os pais devem ter o direito de matar recém-nascidos com graves deficiências. Quanto a MacAskill, ele infelizmente é melhor conhecido hoje por ter convertido Sam Bankman-Fried ao altruísmo eficaz.

Eu não tenho nada de pessoal contra MacAskill nem Singer, e decerto é admirável ser tão desprendido de bens financeiros quanto esses dois cavalheiros. Ainda assim, duas questões parecem sem resposta. Primeira: quanto devemos doar à caridade? Por um lado, dar o tostão da viúva, como narrado em Marcos e Lucas, é demais: se você não tiver quase nada, então o seu sacrifício é grande demais se você der tudo — a menos que seu plano seja virar um mendicante. Por outro lado, investir em sua comunidade ou no mundo com cerca de 1% ou até 5% é uma sovinice para a maioria das pessoas que conheço, e não só porque as leis fiscais incentivam alguns americanos (se bem que não o bastante) a serem mais generosos.

Mas e se você não for a maioria das pessoas? E se você for extraordinariamente rico? É possível dar pouco demais? Com certeza — e suponho que poucos queiram discutir isso. Mas também é possível dar demais? Ao menos quando a doação tem condicionais, a resposta é que sim, com certeza. Todos podem citar doadores que deram dezenas ou centenas de milhões de dólares e tiveram alguma influência maligna sobre os beneficiários de sua liberalidade. Felizmente, muitos ricos também dão com a confiança de que as organizações apoiadas saberão usar bem o dinheiro.

Então há uma segunda questão, que não é menos interessante do que a quantidade ou porcentagem que se dá: a saber, a força do adjetivo nas expressões "altruísmo eficaz", "doadores eficazes" e "instituições eficazes". A ideia é achar "maneiras de fazer o bem que funcionem de verdade". Isto significa não dar a instituições que mandam calendários lustrosos, chapéus e guarda-chuvas não-solicitados; mas, em vez disso, dar a instituições de baixo escalão situadas em ou voltadas para regiões do mundo onde até um dólar pode salvar uma vida.

Mas ainda que esse tipo de doação possa ser eficaz, nós ignoramos a realidade imediata que está por nossa conta e risco. É normal nos dias de hoje falar de comprar e comer localmente (“locavore” foi a Palavra do Ano de Oxford em 2007), mas "doar localmente" não é uma expressão na boca de todo o mundo. Ainda assim, faz parte da natureza humana prestar mais atenção aos seus próximos e ao ambiente que o cerca do que a pessoas e causas em climas distantes, uma questão bem defendida num paper de 2017 de Maferima Touré-Tillery e Ayelet Fishbach no Journal of Personality and Social Psychology. Uma razão para a reticência comparativa deve ser que os movimentos como The Life You Can Save fizeram alguns doadores — talvez especialmente os liberais — ficarem com vergonha por parecerem valorizar mais o bem estar do seu próximo do que evitar a morte de uma criança numa terra distante.

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Agora, até algum ponto, devemos todos trabalhar para conter a natureza humana: há boas razões para dar dinheiro a gente que nunca vimos, nem veremos. Mas até que ponto? Mesmo que um dólar não valha tanto quando se trata de um abrigo local, o dólar doado é "ineficaz"? Como escreveu a Stephanie Wykstra em seu ensaio “A Case for Giving Locally” [Em defesa da doação local], "doadores de países ricos não devem deixar de ver a pobreza global. Mas também têm oportunidades de reduzir muito sofrimento na rua ao lado a um custo relativamente baixo."

Apoiar instituições que não tratam de sofrimentos profundos é uma questão mais sujeita a pegadinhas. Podemos justificar doações que não salvam vidas de modo imediato? Estamos "fazendo o bem" ao doarmos para bibliotecas e museus, e contribuirmos para financiar ou restaurar a fachada elegante daquele prédio histórico que está caindo aos pedaços na rua ao lado? Em resumo: podemos justificar doações para organizações culturais que se dediquem a elevar a alma?

Minha resposta sempre foi sim. Não vejo a preservação e a transmissão da cultura como luxo — e se o governo não bancar as artes, então cabe aos cidadãos. Não há nada que substitua ver Nighthawks de Hopper pessoalmente no Instituto de Arte de Chicago, ou para assistir à Angela Meade e Jamie Barton em pessoa na Norma de Bellini na Los Angeles Opera.

O problema: as organizações culturais estão na vanguarda da gloria DIE. Infelizmente, o meu elogio àqueles que dão somas generosas e creem que seu dinheiro será bem usado deve, hoje, ser moderado, pois os dias de confiança acabaram. Apesar de concordar com o lugar-comum de que os doadores não devem ter influência indevida sobre as organizações apoiadas, agora me vejo na posição de sugerir que, se você for doar — em qualquer nível, por menor que seja — você de fato precisará mostrar uma supervisão e se preparar para interromper o financiamento quando as coisas saírem de controle. Noutras palavras, você precisará saber quando não dar mais.

Se você estiver atento, terá lido o relato de Heather Mac Donald sobre o que está acontecendo no Instituto de Arte de Chicago e irá declinar da doação. Se você estiver atento, terá lido o texto de Mac Donald sobre "o pacto suicida da música clássica" (eis as partes um e dois) e irá declinar da doação à Los Angeles Opera. E se — para passarmos às faculdades e universidades — você estiver atento, você terá lido o artigo de Mac Donald sobre o suposto racismo sistêmico na academia e irá declinar da doação ao Middlebury College ou a qualquer que seja a sua alma mater. Basicamente, qualquer um que ler só uma amostra dos brilhantes ensaios de Mac Donald irá botar o seu dinheiro noutro lugar.

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Faculdades e universidades — e outras instituições educacionais também — são um caso especial. Tradicionalmente, entre as nossas maiores instituições para a preservação e transmissão da cultura, a maioria, incluindo as mais elitistas, estão muito ocupadas destruindo a nossa herança cultural sob o belo nome de"justiça social". Harvard acabou de nomear como seu próximo presidente uma nulidade, um professor-burocrata responsável pelo tratamento nojento dado ao economista Roland Fryer e por uma série crescente de outros acintes. Por que algum cidadão privado iria apoiar o local?

Em geral, não faz sentido dar dinheiro a uma universidade que tem doações multibilionárias, sobretudo quando a doação não tem condicionais. E com certeza não faz sentido quando você discorda com veemência da direção para a qual essa universidade se orienta. Não obstante, muitos egressos continuam mandar dinheiro por sentirem lealdade ao local onde passaram seus proverbiais melhores anos. O que eles fazem, às vezes, é reduzir a doação em protesto, de mil dólares para dez dólares, por exemplo, achando que Harvard vai notar.

Não vai. O que importa mais para todas as universidades de elite não é o quanto você dá, mas simplesmente se você dá. O departamento de desenvolvimento só liga para porcentagens. (Embora as doações de egressos só somem 3% nos cálculos anuais da U.S. News & World Report das melhores faculdades dos EUA — isto é, abaixo de 5% nos últimos anos —, vale notar que "a soma monetária doada não é levada em conta pelos rankings", mas só a "porcentagem de egressos vivos com bacharelados que doaram às suas faculdades durante o ano.") É claro que as universidades cobiçam aqueles cem milhões de dólares de doações, mas se um grande número de egressos que fazem doações anuais de dez, cem ou mil dólares de repente parasse de doar — ou se destinarem suas doações para algum programa importante de verdade da universidade ou de centros existentes —, a administração poderia notar. Talvez assim decidam voltar a promover ensino e pesquisa de excelência em vez de agir como uma corporação de diversidade em tempo integral que faz bico de estabelecimento educacional.

Se você quiser estimar a eficácia das organizações que pensa em apoiar, há uma montanha de meta-organizações, elas próprias sem fins lucrativos, que usam métricas previsivelmente controversas para tomar a tarefa avaliativa (entre os exemplos estão a Charity NavigatorCharityWatchCandid e BBB Wise Giving Alliance). Outra opção é você usar os seus olhos e ouvidos: por motivos óbvios, isso funciona melhor para instituições locais, embora a vigilância constante das correspondências, press releases e websites seja um substituto decente. Noto, por exemplo, que a Charity Navigator coloca American Library Association (ALA) no topo da avaliação. Mas enquanto a ALA insistir que as bibliotecas são bastiões da supremacia branca, promover a Hora da História da Drag Queen e condenar Laura Ingalls Wilder, você pode ter certeza de que não irá aparecer nas minhas restituições.

Não cabe a mim dizer quais organizações merecem apoio. Isso é decisão pessoal. Mas ainda que muitas das nossas instituições culturais estabelecidas pareçam causas perdidas, algumas não sucumbiram à loucura da época. Nos dias à frente, poucas delas receberão doações minhas. Talvez você também devesse pensar a sério sobre quais instituições consegue apoiar com a consciência tranquila. E com um sorriso no rosto.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
©2022 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês.