Ele critica a política identitária e os excessos do STF. Defende a liberdade de expressão dos humoristas e o direito da população ao armamento. E até já foi “compartilhado” pelo ex-presidente Jair Bolsonaro nas redes sociais.
Mas não se engane. Apesar de ter algumas opiniões semelhantes às de muitos conservadores, Rui Costa Pimenta, o presidente do Partido da Causa Operária (PCO), é um radical de esquerda admirador de ditadores e terroristas – e que leva uma vida bastante confortável, em nada parecida com a do povo pelo qual diz lutar.
Se ainda havia alguma dúvida sobre isso, ela foi dissipada no final de fevereiro, quando Pimenta se encontrou pessoalmente com Ismail Haniyeh, chefe do braço político do Hamas.
A reunião, amplamente divulgada nos canais de comunicação do PCO, aconteceu no Catar e integrou a agenda de um tour de dez dias que uma delegação da legenda fez pelo país do Oriente Médio.
Em uma “mensagem para os brasileiros”, divulgada em vídeo pelo partido, Haniyeh diz uma série de mentiras sobre os ataques de 7 de outubro contra Israel.
Segundo ele, o Hamas “não tinha como alvos os civis e nem o objetivo de matar sequer uma criança ou mulher” e “tem sempre como alvo o exército de ocupação e os colonos espalhando estragos nas nossas terras”. No entanto, como se sabe, 1,2 mil civis foram mortos e mais de 200 pessoas, sequestradas.
Além da conversa com o terrorista, a excursão dos dirigentes brasileiros incluiu entrevistas para a emissora de televisão Al Jazeera, encontros com outras lideranças da milícia e uma visita a um hospital onde palestinos supostamente feridos em Gaza recebem tratamento.
Em seu relato sobre a viagem, disponível no YouTube, Rui Costa Pimenta afirma que o Hamas é uma “grande organização política”, cujas atividades no Catar “correspondem de fato a de um governo palestino em exílio”.
Ainda segundo ele, suas conversas com as pessoas hospitalizadas revelam “os criminosos atos dos sionistas, mas também o otimismo e a vontade de lutar em defesa da Palestina”.
Desde os ataques do Hamas a Israel, em outubro do ano passado, o PCO tem promovido uma série de manifestações em apoio aos palestinos, principalmente na capital paulista. Segundo o site Metrópoles, os eventos são realizados com verba pública do fundo eleitoral – e mais de R$ 1 milhão foi gasto somente no primeiro mês dos protestos.
Durante os atos públicos, os líderes do partido costumam pedir salvas de palmas “para todos os grupos armados” e bradam que estão “1.000% alinhados com o Hamas”. Os militantes também montam uma lojinha de memorabília terrorista, onde são vendidas camisetas, bonés e outros acessórios com símbolos da milícia palestina.
Preocupados com as consequências desse tipo de discurso, 27 deputados federais enviaram à Polícia Civil de São Paulo um pedido de abertura de inquérito contra João Caproni Pimenta, filho de Rui e dirigente partidário, por apologia ao terror.
Segundo os parlamentares, as falas dele não estão protegidas pela liberdade de expressão, porque promovem o ódio. Os integrantes da legenda, por sua vez, alegam que seu apoio ao Hamas é legítimo, pois faz parte da “luta contra o fascismo”.
Partido receberá mais de R$ 3,5 milhões em verbas públicas neste ano
Com pouco mais de 5 mil membros, o PCO é um dos menores partidos de esquerda do país. E embora tenha eleito apenas um vereador ao longo de suas quase três décadas de existência, vai receber neste ano mais de R$ 3,5 milhões provenientes do fundo eleitoral.
A legenda completa sua renda com cursos, palestras, assinaturas de suas publicações, views remunerados no YouTube e contribuições voluntárias. A viagem para o Catar, por exemplo, foi viabilizada por meio de uma doação da comunidade palestina no Brasil.
No Réveillon de 2023, o partido promoveu uma festa para angariar recursos em um bufê sofisticado na capital paulista. Os ingressos, nada acessíveis para a classe operária, custavam R$ 350.
Outra modalidade de arrecadação de fundos são as campanhas de financiamento coletivo pela internet. Como a que pede dinheiro para o pagamento de um processo movido por João Dória contra o PCO, no valor de R$ 85 mil.
O empresário e político foi à Justiça por causa de um conto publicado em 2017 no site Diário da Causa Operária, principal veículo do partido. Intitulado “Sobre a Brutal Morte do Prefeito João Dória”, o texto ficcional termina com a população linchando o tucano em praça pública.
Por essas e outras, críticos e ex-militantes da legenda acusam Rui Costa Pimenta e sua família de enriquecer às custas da política – também atuam na cúpula do PCO sua esposa, Anahí Caproni, a filha, Natália, e os filhos, João e Carlos Henrique.
Neto de João Costa Pimenta, comunista histórico e um dos primeiros trotskistas brasileiros, Rui Costa Pimenta é jornalista e participou da fundação do Partido dos Trabalhadores. Mas se deligou, com outros dissidentes, em 1991, por não admitir a aproximação do PT com as “forças políticas tradicionais”.
Cinco anos depois, o grupo fundou o Partido da Causa Operária, que ele comanda com mão de ferro desde então. De lá para cá, Pimenta se candidatou à presidência da República quatro vezes. Na última, em 2014, declarou ao TSE que seu patrimônio consiste em somente um imóvel, na época avaliado em R$ 80 mil.
No entanto, relatos de ex-funcionários e ex-membros da legenda dão conta de que os Pimenta têm um padrão de vida bem superior ao dos militantes da base, o que inclui constantes viagens internacionais, especialmente para o continente europeu.
E o pior: já foram processados por não pagar seus colaboradores. Muitos deles chegaram a implorar por algum dinheiro aos dirigentes, que fizeram pouco caso das reivindicações.
Ex-funcionário pediu “Pelo amor de Trotsky!” para receber salário atrasado
É o que mostra uma reportagem publicada em 2020 no site Diário do Centro do Mundo (o DCM, notadamente esquerdista). Com o título “Processos na Justiça mostram calotes do PCO em funcionários enquanto líder viaja pela Europa com a família”, a matéria traz prints de conversas em que militantes cobram salários atrasados dos filhos de Rui Costa Pimenta.
O material fazia parte de um site, atualmente fora do ar, chamado “Partido Censurador Oficial”, criado por ex-membros desiludidos.
Em um desses diálogos, uma pessoa identificada como Ralfo pede a João Caproni Pimenta “Pelo amor de Trotsky!” para receber R$ 5 mil pelo trabalho de atualização constante do site do partido. Sem resposta, ele volta a escrever, e explica que a mãe está internada numa UTI. “Me dá alguma coisa, por favor”, diz.
O retorno só vem dois dias depois. “Estou vendo, mas estamos curtos aqui”, afirma João, sem dar maiores esclarecimentos.
O texto ainda revela uma troca de mensagens tensa entre Natália e João. Pressionada por funcionários, ela cobra uma posição do irmão, que responde, ironicamente: “Tenho pós em atrasar pagamentos”.
Em outro print, João comunica à irmã uma orientação dada pelo pai, então em viagem pela Europa. “Ele disse que é para mandar à p* que pariu (palavras dele). Até ele voltar ao Brasil, ele disse que o pessoal vai ficar sem salário por falta total de dinheiro”.
A irmã então rebate: “Vou mandar pra rua então. Vai abrir crise. Não tô preocupada com eles receberem, tô preocupada com o estrangulamento financeiro da comuna”.
Em outro “fogo amigo” disparado pela esquerda, a revista Fórum compara o partido liderado por Rui Costa Pimenta a um culto de fanáticos.
No artigo “O PCO é uma seita?”, o geógrafo e escritor Franciso Fernandes Ladeira utiliza critérios desenvolvidos por especialistas na área de desprogramação mental para determinar se um grupo se caracteriza como “agrupamento destrutivo”.
Segundo Ladeira, a legenda possui as quatro características básicas de um culto: infalibilidade do líder, exclusivismo (apenas o grupo é portador da verdade), a divisão “nós contra eles” e a perseguição a ex-membros.
O que nos leva de volta à reportagem do DCM e ao depoimento de uma ex-militante do partido, Gabriela Tavares.
“O PCO me parecia muito combativo em sua política e muito acolhedor em sua militância. Mas, com o tempo, a convivência vira vigilância, controle e manipulação. Te jogam contra sua família, seus amigos ‘pequeno-burgueses’, seu trabalho e seus relacionamentos”, afirma Gabriela.
Geopolítica, terrorismo, Bolsonaro: conheça o “pensamento vivo” de Pimenta
Midiático, o líder do Partido da Causa Operária é bastante ativo nas redes sociais e no YouTube – onde analisa praticamente todos os assuntos possíveis. Veja, a seguir, as opiniões de Rui Costa Pimenta sobre algumas personalidades e pautas contemporâneas.
“Esquerda caviar”
“O termo ‘esquerda caviar’ é equivocado. Parte do princípio que você, por ser de esquerda, não pode ter, por exemplo, um [relógio] Apple Watch [aponta para o próprio pulso]. Nós estamos numa atividade séria. Eu sou um profissional da política revolucionária. Então tenho um computador bom. Por que eu usaria uma coisa inferior se posso ter uma superior?” (programa Pânico, 2022)
Luiz Inácio Lula da Silva
“O objetivo do Lula e a maneira como ele faz as coisas são diferentes. O objetivo que ele tem é progressista. Mas a maneira como faz as coisas, não. A política dele é nacionalista, mas o método, institucional. É a transação dentro do Congresso, os aliados, a distribuição de cargos... São coisas que ele procura conciliar, mas são contraditórias, antagônicas.” (canal Monark Talks, 2023)
Jair Bolsonaro
“Bolsonaro não é uma instituição, é uma pessoa. Então, o problema do Bolsonaro é o mesmo problema do Trump: é uma pessoa que tem cacife político para ganhar uma eleição presidencial. Por exemplo, se você tiver que derrotar o Lula [em 2026], o único candidato que teria condições seria o Bolsonaro. Isso mostra o tamanho e a importância do Bolsonaro. Ele está sendo perseguido por isso, não é por golpe de Estado.” (canal TV 247, 2024 – este trecho foi compartilhado pelo próprio ex-presidente em suas redes sociais)
8 de janeiro
“Uma boa parte da esquerda não entende que a violação do direito do seu vizinho é uma violação do seu direito. Golpe de Estado com pessoas totalmente desarmadas? Aquilo lá foi mais uma insurreição. As pessoas condenadas a penas duríssimas são só os pobres coitados. O que aconteceu em Brasília foram atos de vandalismo.” (canal Opera Mundi, 2023)
Terrorismo
“Criou-se um misticismo, de caráter quase religioso, contra o terrorismo. E isso é muito favorável às forças reacionárias do mundo. O terrorismo é um método de luta. Não é um crime, não é uma maldição do inferno. Vou dar um exemplo que todo mundo conhece e é muito badalado: a Resistência Francesa [movimento de luta contra a ocupação nazista durante a Segunda Guerra Mundial]. A Resistência Francesa era uma organização terrorista. Sou que eu estou falando? Não. Eles que falam.” (canal Rádio Causa Operária, 2024)
Ocidente x Oriente
“A derrota [na guerra da Ucrânia] para a Rússia deixa o imperialismo em uma situação muito difícil de administrar. Se somarmos isso à questão palestina, em que o imperialismo enfrenta uma reação de centenas de milhões, isso se encaminha para uma crise espetacular.” (canal Diário da Causa Operária, 2024)
Rússia
“A esquerda tem o dever de apoiar Putin. A Rússia travou uma luta contra o imperialismo norte-americano e deve ser defendida.” (canal TV 247, 2022)
Guilherme Boulos
“O Boulos é um político artificial. Ele não é o Lula. Briguei com o Lula em várias situações, desde o tempo do Sindicato dos Metalúrgicos. Mas tenho de admitir que o Lula é um líder popular, enquanto o Boulos foi criado artificialmente. O Bolsonaro, que é de ultra direita, entende melhor a psicologia popular do que essa esquerda de classe média, que só vê o mundo do seu ponto de vista.” (programa Pânico, 2022)
STF
“Não somos favoráveis a golpe de Estado, fechar o STF à força. Mas não achamos que deveria existir esse tribunal. Quando você tem um tribunal constitucional, a Constituição ganha um dono, o tribunal é dono da Constituição. Na nossa opinião, quem tem que fazer a lei é o Congresso Nacional. Com todos os defeitos que o Congresso Nacional possa ter, você pode lutar para mudar o Congresso, ele que é a casa de leis. Os ministros do STF nem são eleitos e têm todo este poder, um poder superior ao do Congresso.” (revista Veja, 2023)
Alexandre de Moraes
“Nós falamos que havia uma manipulação das eleições por parte da Justiça Eleitoral. Não acusamos ninguém, falamos de um problema político. Nós ficamos as eleições sem as redes sociais [em 2022, o ministro e presidente do TSE incluiu Pimenta no inquérito das fake news e retirou da internet as contas do PCO, porque o partido pediu a dissolução do STF e o chamou de ‘skinhead de toga’]. Passou a eleição, as redes foram devolvidas. Teve um custo político. Se a esquerda não apoiasse isso aí, o Alexandre de Moraes não conseguiria fazer quase nada.” (jornal Folha de S. Paulo, 2023)
Desarmamento
“A ambição de todos os governos sempre foi desarmar o povo. Um povo desarmado é um povo indefeso. O que você pode fazer, se você não tem armas, contra quem está armado, seja um grupo de criminosos ou o poder público, que está armado até os dentes? O direito ao armamento é o direito de autodefesa da população. É uma coisa básica. Os Estados Unidos preservaram esse direito, que faz parte do processo histórico. E o próprio hino da França fala: ‘Às armas, cidadãos’.” (canal Arte da Guerra, 2022)
Direita com esquerda
“Acho natural bolsonaristas elogiarem o PCO, é um ponto de intersecção que existe. Assim como há setores de direita que são nacionalistas. Nós defendemos também, somos anti-imperialistas. Em alguns casos, você poderia atuar em conjunto com esses setores.” (jornal Folha de S. Paulo, 2022)
Política identitária
“O governo Lula está sitiado pelo identitarismo. E o identitarismo é a face suave do imperialismo. É a arma usada para angariar setores da esquerda. (...) O caso da Marcelle Decothé [ex-assessora do Ministério da Igualdade Racial que ofendeu a ‘torcida branca’ do São Paulo] foi emblemático. Como em todas as torcidas, a grande maioria vem do proletariado. Ela falava em nome de um governo.” canal TV 247, 2023)
“G7 do Oriente”
“O [jornalista e correspondente internacional] Pepe Escobar apresentou a tese de que o Lula vai fazer parte do G7 do Oriente. Está se armando aí um grupo alternativo, uma política com a Rússia, a China. E o Brasil teria um papel fundamental nela. Acho que o Lula vai fazer isso de maneira cautelosa. Mas ele está fazendo, sim.” (canal Monark Talks, 2023)
Liberdade de expressão
“O Rafinha Bastos não deveria ter sido processado [referindo-se ao caso em que o humorista foi condenado pela Justiça a pagar uma indenização de R$ 150 mil à cantora Wanessa Camargo por causa de uma piada sobre ela contada na tevê]. Não importa o que a pessoa falou, não deve ter perseguição. Mas o caso do Monark [podcaster acusado de apologia ao nazismo por afirmar que um partido nazista deveria ter o direito, reconhecido pela lei, de existir] é pior, porque foi uma falsificação do que ele falou. Todo mundo que conhece o Monark sabe que ele não é nazista. A intenção dele não foi defender o nazismo enquanto doutrina.” (podcast À Deriva, 2023)
Olavo de Carvalho
“Ele se popularizou como um colunista agressivo da extrema direita. Quanto mais agressivo, mais chamava a atenção. E, tendo obtido sua atenção, as pessoas entravam em contato com o outro lado do Olavo de Carvalho, o intelectual. Isso permitiu criar um movimento bastante amplo.” (canal Causa Operária TV, 2022)
A reportagem procurou o PCO para solicitar uma entrevista com Rui Costa Pimenta, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
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