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Quanto mais informação verdadeira você fornecer às pessoas, mais desinformação elas enxergarão em toda parte e menos confiarão nas suas fontes ou umas nas outras: nesse caso, portanto, houve uma epidemia de informação verdadeira
Quanto mais informação verdadeira você fornecer às pessoas, mais desinformação elas enxergarão em toda parte e menos confiarão nas suas fontes ou umas nas outras: nesse caso, portanto, houve uma epidemia de informação verdadeira| Foto:

Todas as pessoas, ao lerem jornais, já passaram pela mesma experiência em algum momento: quando o leitor se depara com uma matéria sobre um assunto sobre o qual sabe muito, saltam aos olhos erros ou interpretações questionáveis. Quando o leitor em si é objeto da matéria, como entrevistado, pode até mesmo passar pela experiência de ver um comentário seu mal-interpretado ou até mesmo o próprio nome grafado errado.

Já quando o leitor vira a página e lê sobre assuntos sobre os quais não tem conhecimento, de repente, todas as matérias parecem impecáveis e ele não duvida nem por um minuto do que está sendo dito. A confiança no veículo é restabelecida.

Mas, se o leitor parar para fazer um exercício de metacognição, ele fatalmente perceberá que é estatisticamente improvável que o jornal erre apenas nos assuntos sobre os quais ele tem muito conhecimento, e não cometa nenhum erro em todos os outros. É mais provável que as outras matérias que já leu ao longo da vida também tenham tido, vez ou outra, incorreções da mesma relevância, e ele só não era capaz de enxergá-las.

Este fenômeno fornece duas lições. A primeira é que não existe perfeição: toda fonte de informação, por mais reputada que seja, é também fonte potencial de desinformação. A segunda é que, como ensinado por pesquisadores da psicologia cognitiva, como Daniel Kahneman e Amos Tversky, a confiança subjetiva é um critério ruim para a verdade: ela não mede o quanto a informação é verdadeira, mas apenas o quanto de informação contraditória está disponível a você. Em outras palavras, quanto menos a pessoa sabe, mais confiante ela é de que sabe.

Inversamente, isto produz uma consequência relevante: quanto mais informação verdadeira você fornecer às pessoas, mais desinformação elas enxergarão em toda parte e menos confiarão nas suas fontes ou umas nas outras. Isso pode gerar uma percepção de epidemia de desinformação, quando o que houve, na verdade, foi uma epidemia de informação verdadeira.

A “epidemia de desinformação” pode ser uma ilusão

Isso é relevante em tempos de pânico moral sobre desinformação nas redes sociais e esforços nacionais e internacionais de censura, justificados numa necessidade de enfrentar o que seria o suposto mal do século.

A narrativa pode ser resumida assim: antigamente, a informação chegava ao público filtrada por intermediários de qualidade: imprensa, pesquisadores universitários, especialistas em geral. No entanto, a internet e as redes sociais chegaram e possibilitaram que as pessoas passassem a propagar conteúdo diretamente umas para as outras. O público, confuso, não sabia distinguir a informação verdadeira da falsa por conta própria, sem o auxílio dos antigos intermediários. Como consequência, começou uma epidemia de informação incorreta.

Em consequência, movidas por suas crenças falsas, as pessoas começaram a manifestar descrédito e até agressividade contra antigas instituições e indivíduos nos quais elas antes pareciam confiar: imprensa, academia, autoridades de Estado. Começaram também a votar em candidatos que se colocavam de forma antagônica a esses entes, movidas por fake news maliciosamente impulsionadas pelas redes sociais, que teriam sido decisivas para a eleição dos candidatos.

Foi também dessas mesmas instituições, prejudicadas pelo fenômeno, que passaram a vir campanhas de controle estatal das redes sociais, para conter a suposta epidemia de desinformação.

A desinformação aumentou?

O que é certo e não é questionado por nenhum dos envolvidos é que houve um aumento da informação disponível à população. De fato, nosso período histórico já foi chamado de “a era da informação”: pessoas comuns andam com um aparelho no bolso que contém todo o conhecimento acumulado da história da humanidade, algo de dar inveja aos maiores pensadores do passado.

É evidente que toda informação pode, como já dito, ser potencialmente verdadeira ou falsa. É de se esperar que um fenômeno de aumento da informação venha também com um aumento da circulação de inverdades, ao menos em termos absolutos. Esta afirmação é trivial.

É simultaneamente verdade que também aumentará a oferta de informações verdadeiras para contrapor as falsas. Qual lado a população tenderá a escolher? Esta é uma pergunta aberta, e a resposta depende mais de um conhecimento sobre a psicologia humana do que sobre a natureza das informações em si.

As pessoas preferem a informação que as favoreça

A este respeito, algo que já é bastante consolidado é o fenômeno chamado por nomes como viés de confirmação ou wishful thinking [pensamento positivo]: quando puderem escolher, as pessoas sempre preferirão acreditar no que é mais agradável.

Pense, por exemplo, nas vezes em que conhecidos seus acreditaram em grosseiras fake news de rede social com temática política. Provavelmente, em todas elas, a fake news ou era positiva para o grupo político no qual a pessoa crédula vota ou, mais provavelmente, era negativa para o grupo político do qual ela desgosta. Caso a fake news tivesse a característica oposta (por exemplo, fosse negativa para o candidato de estimação), provavelmente o indivíduo a negaria de pronto ou se daria ao trabalho de pesquisar e, para o seu alívio, descobrir a falsidade.

Um aspecto raramente lembrado deste fenômeno, portanto, é que ele diminui em muito o efeito prático das fake news em contexto de eleição: por mais epidêmicas que possam parecer, elas tendem a convencer sobretudo as pessoas que já votariam da forma esperada.

Pode-se contra-argumentar que existem eleitores que se informam pouco de política e que não têm grande apego pelo seu candidato do momento; estes poderiam ser mais facilmente convencidos a mudar de voto por uma fake news. Isto é verdade; contudo, o filósofo Daniel Williams, pesquisador do fenômeno da desinformação, observa que essas pessoas são justamente as que têm a menor probabilidade de entrar em contato com fake news eleitoral em primeiro lugar. Ele enxerga as fake news sobretudo como um bem de consumo, avidamente demandado por cidadãos que têm como hobby o pertencimento a uma tribo política. Isso contraria a narrativa usual, que pinta as fake news como produtos empurrados por agentes maliciosos a vítimas ingênuas.

Pense novamente nos seus conhecidos que frequentemente acreditam em fake news políticas. Eles são politicamente engajados ou apolíticos?

Os “intermediários da verdade” também operam fake news

Williams faz a ousada afirmação de que o atual pânico moral em torno das fake news é, em si mesmo, uma fake news. Primeiro, porque é baseado em premissas falsas, exagerando, por exemplo, o quão frequentes as fake news realmente são na dieta informacional do eleitor.

Mas, principalmente, Williams aponta que o pânico moral em torno da “desinformação” tem a característica mais típica de uma fake news eleitoral como outra qualquer: ela fornece uma explicação simples que conforta uma tribo política nas suas crenças preexistentes.

Por exemplo, se um grupo político perde uma eleição, não é muito agradável pensar que foi porque ele recentemente governou uma cleptocracia que produziu o maior escândalo de corrupção jamais visto no mundo democrático, ou porque também produziu a maior crise econômica jamais vista na história do país. Embora estes fatos sejam verdadeiros no caso do Brasil, é mais agradável acreditar que o grupo perdeu a eleição porque, às vésperas do voto, o inimigo fez disparos maliciosos no WhatsApp dizendo que o candidato do grupo faz rituais satânicos (mesmo que você mesmo nunca tenha visto essa fake news, nem ninguém que você conheça). É dizer: o eleitor não votou no grupo, mas teria votado, não fosse por um engano.

Não é em nada diferente do grupo político rival, que é ainda mais ousado na sua tentativa de se furtar a enxergar os próprios problemas, ao insinuar que o eleitor de fato votou nele, e esta realidade só não se mostra devido a uma fraude nas urnas.

Embora seja reconfortante no curto prazo, a crença na desinformação como causa do descontentamento contra si pode ser um obstáculo para o correto endereçamento dos problemas.

Por exemplo, o STF, instituição antes desconhecida do público, passou a ser sujeita a inédito escrutínio, primeiro pelo televisionamento das sessões, depois pelo advento das redes sociais. Como consequência, em anos recentes, o tribunal e seus membros passaram a ser alvo de críticas nas redes. Crente na tese da desinformação, o órgão investiu em seu setor de comunicação para comunicar as decisões proferidas de forma correta. A medida foi positiva para o direito à informação acessível, mas falhou em seu objetivo original, uma vez que as notícias na página do STF, indubitavelmente livres de fake news, passaram a ser, elas próprias, foco adicional de hate online.

Enquanto órgão de função contramajoritária, o STF não necessariamente deveria se pautar pela opinião pública; mas o caso ilustra que, para o STF ou para qualquer outro ente, às vezes a causa dos fenômenos não são as fakes news, mas sim as true news [notícias verdadeiras].

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