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No último mês de abril, a cantora sul-mato-grossense Ana Castela liderou a parada semanal de vídeos do YouTube pela primeira vez, tornando-se a artista feminina mais ouvida / assistida do Brasil na atualidade. Esta marca, já alcançada por ela no Spotify, não representa apenas a confirmação de seu sucesso praticamente instantâneo (Castela tem só 19 anos e sua primeira gravação data de 2021). Simboliza a ascensão de uma novíssima geração do cenário sertanejo que se orgulha de ser “agro” – e já entrou na lista negra da militância contrária a essa indústria vital para o país.
Além de Ana Castela, nomes como Léo & Raphael, Luan Pereira, Loubet, Adson & Alana e Us Agroboy batem no peito para falar de suas vivências rurais em faixas que retratam a cultura jovem das cidades do interior e trazem títulos pró-agronegócio (“Respeita o Agro”, “Hino Agro”, “A Roça Venceu”, “Agro-Rotina”, “O Agro Nunca Para”, “Agro É Top”, “Os Menino [sic] da Pecuária”). Como era de se esperar, a turma do chamado “movimento agronejo” virou um dos alvos preferidos dos influenciadores de esquerda, sempre prontos para demonizar o setor da economia responsável por quase metade das exportações brasileiras.
Foi-se o tempo em que as críticas aos cantores sertanejos tinham como foco seu afastamento das raízes caipiras e a aproximação estética com o pop internacional. A ordem agora é apontar um suposto conluio entre produtores rurais, artistas e políticos de partidos de direita. O objetivo da tramoia? Controlar as rádios, a internet, o circuito de shows e até as eleições.
Um dos materiais de propaganda mais utilizados pelos teóricos da conspiração é o trecho de uma entrevista concedida pela empresária Kamilla Fialho ao podcast ‘Corredor 5’. Apresentado no YouTube pelo produtor musical carioca Clê Magalhães, o programa é conhecido por discutir e revelar os bastidores da indústria fonográfica a partir de conversas com artistas, managers, divulgadores, etc. Ligada ao pop e ao funk (trabalhou com nomes como Anitta, Naldo e Lexa), Kamilla elogia a eficiência dos sertanejos no mercado, mas associa seu êxito à riqueza de quem investe em suas carreiras – segundo ela, fazendeiros e pecuaristas.
“Eu pago para tocar uma música na rádio e eles compram a rádio”, diz a empresária, denunciando também uma suposta prática “agro” de pagar para as emissoras retirarem da programação cantores de outros estilos. Magalhães dá risada e conta uma história que ouviu de um artista para quem prestou consultoria no Mato Grosso do Sul: “Sabe o que acontece? O fazendeiro já é rico há cinco gerações. A vida dele é um tédio. Quando ele vira sócio de um sertanejo, a vida dele passa a ter graça. Ele começa a ir para o show, tem camarim”. Como se não existisse diversão fora da Zona Sul do Rio de Janeiro.
Em outro vídeo viralizado, a infuenciadora Laura Sabino explica que a ligação entre agronegócio, música sertaneja e a direita se iniciou quando “os portugueses invadiram estas terras e impuseram um modelo de produção agroexportador”. Assumidamente marxista, ela costuma listar suas fontes de informações na descrição de seus conteúdos – no caso, dados de organizações voltadas para a agricultura familiar e artigos de professores universitários acadêmicos ligados ao MST.
Até o Peninha tirou sua casquinha. Em um vídeo intitulado “O Advento do Sertanojo”, o jornalista e escritor Eduardo Bueno afirma em seu canal que a música sertaneja “apoia o lado mais nojento e conservador do Brasil” e “está saqueando os cofres públicos”. Também brinca com a frase imortalizada por Euclides da Cunha no livro ‘Os Sertões’ (1902): “O sertanejo, antes de tudo, é um bosta”.
"Agro malvadão"
“Eu até entendo que uma pessoa com intenções de fundo político diga que o ‘agro malvadão’ banca os artistas sertanejos. É a pauta dela, não tem o que fazer. Mas quem não é militante e acredita nisso está passando para frente informações incorretas e desrespeitando artistas que trabalham muito”, afirma o jornalista André Piunti. Criador do pioneiro blog 'Universo Sertanejo' e consultor da TV Globo para assuntos do gênero, Piunti já entrevistou todos os grandes nomes do cenário e garante: o mercado da música sertaneja é um negócio como qualquer outro dentro da indústria cultural.
“O segmento movimenta mais dinheiro porque atrai mais público. E quem investe quer retorno, isso é óbvio. As pessoas veem o meio da música com uma certa ingenuidade, como se fosse algo puro”, diz. “É claro que uma empresa de tratores vai patrocinar um evento sertanejo em vez do Mita [festival de rock alternativo realizado recentemente no Rio de Janeiro e em São Paulo]. É uma questão de identificação”, completa.
Piunti ainda destaca que os shows no interior do Brasil não são patrocinados apenas pelo agronegócio. Também há muito investimento em publicidade vindo dos setores automotivo, farmacêutico e do turismo – sem contar as cotas compradas pelos fabricantes de bebidas. “Essa ligação entre o agro e os artistas sertanejos não é tão organizada quanto as pessoas pensam”, afirma.
Para o jornalista, a nova tendência “agroneja” representa um resgate da cultura interiorana. Enquanto os sertanejos universitários tiraram o chapéu da cabeça, a geração atual não só o colocou de volta como ainda veio a cavalo. Nesse sentido, as letras em exaltação ao agronegócio também são uma reação à patrulha ideológica (não custa lembrar que o próprio presidente da República se refere ao setor como “fascista”). “Imagine você ouvir o tempo todo que o seu pai e o seu avô são os vilões, os culpados dos problemas do Brasil. Esses jovens cresceram se sentindo ofendidos”, diz.
“Descobridor” de Ana Castela, o cantor, compositor e empresário Rodolfo Alessi conta que é comum em entrevistas mencionarem uma possível ligação entre seu escritório e companhias ligadas ao agro. “Até no posto de gasolina, esses dias, ouvi um pessoal dizendo que deve ter alguém pagando para a Ana tocar tanto na rádio”, diverte-se.
Segundo ele, todo o investimento inicial na carreira de Castela foi realizado com recursos próprios – e até hoje a artista não fez nenhuma campanha publicitária para produtos produzidos pela indústria do campo. “Por incrível que possa parecer, não tivemos esse tipo de apoio. Mas é verdade que exaltamos o agro, por fazer parte da nossa realidade, e temos princípios mais conservadores, sim”, admite o empresário de vários nomes da geração “agroneja”
Dinheiro público
Há, no entanto, um aspecto realmente nebuloso envolvendo os artistas do gênero: os altos valores recebidos para se apresentar em eventos promovidos por prefeituras de pequenas cidades dos rincões do país. A chamada “CPI do Sertanejo” (na verdade uma série de investigações do Ministério Público) descortinou casos como o de Teolândia (BA), município arrasado por enchentes que em um único evento gastou R$ 1,2 milhão em cachês para cantores sertanejos – R$ 704 mil destinados apenas para Gusttavo Lima.
Esse tipo de contratação, sem licitação, não é ilegal. Porém está longe de ser razoável. Piunti concorda e acredita que o impacto negativo da “CPI” junto à opinião pública vai mudar o mercado a partir deste ano. “Não por parte dos prefeitos. Mas o artista vai pensar: ‘Se uma cidade tem 15 mil habitantes e eu cobrar quase R$ 1 milhão de cachê, vai pegar mal para mim’”, exemplifica.
Perserguição histórica
A implicância dos formadores de opinião, esquerdistas e artistas da MPB com os sertanejos não é nenhuma novidade. Começou ainda nas décadas de 1960 e 70, quando os cantores populares de origem mais humilde não eram apenas ridicularizados por gravarem músicas “cafonas” – também recebiam a pecha de alienados e ufanistas pelo fato de apoiarem os governos militares.
A partir da segunda metade dos anos 1980, com o termo “música sertaneja” já disseminado, a perseguição se intensificou. Em um primeiro momento, por conta de uma suposta diluição da cultura caipira por parte de astros como Chitãozinho & Xororó, que explodiram em todo o Brasil adotando uma sonoridade mais produzida, figurinos urbanos e inovações técnicas em termos de equipamentos de luz e som. Ironicamente, hoje há quem os considere “sertanejos raiz”.
Mais tarde, em meio aos escândalos de corrupção da breve “era Collor”, causaram polêmica os encontros entre artistas do gênero e o ex-presidente em sua residência, a Casa da Dinda. Promovidas em 1992 por Gugu Liberato, as reuniões contaram com a participação de Zezé Di Camargo & Luciano, Chitãozinho & Xororó e Sula Miranda, entre outros nomes menos votados.
Em setembro daquele ano, Lulu Santos fez um desabafo no ‘Domingão do Faustão’: “Acho que a música sertaneja foi a trilha sonora dessa malfadada administração. E gostaria que uma fosse embora junto com a outra”. A declaração ainda é considerada controversa, pois teria revelado o preconceito dos medalhões da MPB com relação aos novos concorrentes.
Uma trégua, porém, aconteceu na primeira década do novo milênio. Exatamente durante os governos petistas, quando o agronegócio se fortaleceu e iniciou uma campanha de marketing permanente para mostrar seus feitos à sociedade. Zezé Di Camargo se aproximou de Lula, a “tchurma” carioca da produtora Conspiração lançou o filme ‘2 Filhos de Francisco’ (com trilha sonora coordenada por Caetano Veloso) e as primeiras duplas de sertanejo universitário surgiram no cenário – sem muitos ataques da militância radical. Coincidência, não?
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