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A Europa está presa entre duas grandes contradições

Michel Pinton, político francês, argumenta que a União Europeia não tem clareza de valores e comenta planos de soberania partindo da França. (Foto: Eli Vieira com Dall-E)

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O Presidente francês Emmanuel Macron advertiu solenemente há pouco que a União Europeia “pode morrer”. Concordo com ele, mas por motivos diferentes. Ele afirma que os fundamentos da União são sólidos: para enfrentar os desafios do mundo atual, é essencial, em sua opinião, elevar ainda mais a construção. Parece-me, ao contrário, que o edifício da Comunidade é frágil: as contradições minam seus alicerces, a ponto de um dia poderem ruir se nada for feito para resolvê-las. Descreverei aqui duas delas.

1. Os “valores” da UE

A primeira das contradições que minam insidiosamente a UE diz respeito a seus “valores”. Mais uma vez, gostaria de citar Emmanuel Macron. Em seu longo discurso na Sorbonne, em 25 de abril, ele celebrou longamente a singularidade de nosso continente, que difere de todos os outros, inclusive da América, pelos seus próprios valores humanistas: “uma certa ideia de homem que coloca o indivíduo, livre, racional e esclarecido, acima de tudo”. De acordo com Macron, a UE é filha desse humanismo: ele a vê como a “expressão política” completa dos valores europeus.

Observe que, ao elevar a liberdade humana e a razão “acima de tudo”, Macron define um humanismo rigorosamente ateísta. Não é de surpreender, portanto, que ele limite a União Europeia a um sistema político cujos valores são inspirados pelo Iluminismo. Estes tiveram origem na doutrina “positiva” de Auguste Comte. A principal característica deles é o relativismo. Eles não se baseiam em um absoluto do qual nem os indivíduos nem os Estados têm o direito de se libertar (à maneira dos Dez Mandamentos que definem uma sociedade cristã), mas em desenvolvimentos sociológicos que a lei endossa quando os considera úteis para o “bem-estar do corpo social”. Foi com esse espírito que o Parlamento de Estrasburgo, se referindo também ele a uma “abordagem dinâmica e evolutiva” dos valores, solicitou o reconhecimento ao aborto e, em seguida, do casamento homossexual como leis constituintes da União.

Resta saber se os valores ateístas, por mais dinâmicos e evolutivos que sejam, são capazes de sustentar uma ordem europeia estável. Nossa classe dirigente, que pensa e age em nosso nome, está convencida disso. Ela conseguiu arrastar para si bispos católicos da União. Seus delegados, reunidos em um comitê chamado COMECE, acreditavam que poderiam afirmar, em sua última declaração eleitoral, que “o processo de integração europeia” “é baseado em valores cristãos, como a dignidade da pessoa humana” e que, consequentemente, devemos “esperar que ele progrida”.

Posso discordar? Não acredito que a União Europeia, em sua forma atual, seja inspirada por valores cristãos. Tampouco acredito na solidez dos valores nos quais ela se baseia, porque eles estão urdidos de contradições. O teólogo Henri de Lubac mostrou que todos os humanismos ateus que surgiram do Iluminismo causaram terríveis tragédias políticas e sociais quando seus seguidores tentaram construir a ordem pública com base em seus princípios. Ele não fez exceção ao positivismo de Comte, que, segundo ele, estava fadado a se transformar em uma “tirania dissimulada” cuja estabilidade dependeria apenas da “ditadura de uma seita”.

Contra aqueles que pensam que o julgamento de Lubac é abstrato demais para ser aplicado à União Europeia, eu apelaria para dois papas que falaram em termos concretos. Em primeiro lugar, João Paulo II: “A União não pode ter um fundamento sólido se, ao mesmo tempo em que afirma valores como a dignidade humana e o direito à vida, se contradiz ao aceitar ou tolerar as mais diversas formas de ataque à vida humana, especialmente quando ela é fraca ou marginalizada”. E Bento XVI: “Não é surpreendente que a Europa de hoje, embora pretenda se apresentar como uma comunidade de valores, pareça contestar cada vez mais a existência de valores universais e absolutos?” Eis expressa claramente a primeira das contradições que minam o edifício comunitário.

Os sinais de nossos tempos justificam o pressentimento do visionário papa. Quem quer que observe atentamente como a democracia é praticada na União Europeia pode ver que ela está em declínio. Isso se manifesta na fragmentação cada vez maior do eleitorado entre partidos com reivindicações restritas, no aumento da abstenção em todas as votações, na morte lenta da centro-direita e da centro-esquerda em favor de extremos irreconciliáveis e na dificuldade de formar governos estáveis com coalizões heterogêneas.

2. A UE e as nações

A segunda contradição que abala a União diz respeito às suas relações com os países membros.

As nações da Europa, sem exceção, nasceram de um ato espiritual: seu batismo; a União foi formada de uma base material: um mercado comum de bens e serviços. As primeiras estão tateando em busca de uma justiça transcendente que nunca deixa de superar seus esforços; a segunda se compraz em “valores” que garantem, segundo ela, uma justiça clara e definitiva. As primeiras fazem parte de uma história cujo início remonta a pelo menos mil anos e cujo fim é desconhecido; a segunda, apenas formada, se vê como o fim da história da Europa, um abrigo insuperável de paz e bem-estar.

Conciliar as duas tem sido uma tarefa muito difícil. O Tratado de Lisboa se propôs a fixar as regras. Seus redatores compreenderam que a União só poderia reunir as tímidas soberanias nacionais se limitasse sua ação a um projeto simples e consensual: “promover a paz e o bem-estar de seus povos”. Durante duas décadas, os poderes da UE tiveram o cuidado de não ultrapassar os limites dessa missão. Mas há dois anos, a Comissão de Bruxelas embarcou vertiginosamente em um envolvimento apaixonado na guerra na Ucrânia. Oficialmente, os governos aprovaram as iniciativas. Mas, por trás da fachada de apoio quase unânime, a União se fechou em uma contradição tão fundamental que poderia matá-la.

O sinal mais visível disso é a crescente relutância de seus povos em avançar ainda mais no “processo de integração”. De Portugal à Polônia e da Suécia à Itália, as pesquisas pré-eleitorais apontam para um avanço dos chamados partidos “eurocéticos” ou “nacionalistas”. Sua demanda comum é limitar ou até mesmo reduzir os poderes das instituições da UE, a começar pelos da Comissão de Bruxelas.

Outro sinal é a proliferação de ideias para a “reforma” europeia. Como ninguém pode mais dizer qual é a vocação da União nem os limites de sua autoridade, seu futuro está dividido entre projetos que são tão ambiciosos quanto inatingíveis. Vou me limitar aqui aos mais conhecidos.

Sabemos que a última proposta de Macron é a de uma “Europa potência”. O presidente francês não aceita que o futuro da humanidade possa ser reduzido à rivalidade entre os Estados Unidos e a China e, incidentalmente, a Rússia e a Índia. Para isso, ele está propondo uma “soberania europeia” equipada com todas as ferramentas necessárias, o que nos daria um lugar na mesa das grandes potências desde o início.

Eis uma ideia bem francesa! Sua origem não reconhecida é a sua vocação nacional, moldada por dois milênios de história. A soberania francesa sempre foi inseparável de uma missão universal. Foi isso que De Gaulle chamou de grandeur [grandeza] do país. Macron está tentando conciliar essa vocação nacional com a integração europeia. Ele imagina transferir a soberania francesa para a União e, por extensão, sua missão universal para o bloco de vinte e sete Estados-membros. Será isso realista?

A Europa-potência do presidente francês negligencia as vocações específicas de cada um de seus parceiros. É improvável que isso os interesse porque suas aspirações históricas não têm nada a ver com uma missão universal. Até mesmo a Alemanha vê o futuro da União de forma bastante diferente, porque sua vocação não tem nada a ver com isso. Pelo menos desde Lutero, ela renunciou a qualquer missão universal. A Providência lhe confiou outra tarefa internacional: proteger a soberania dos povos da Europa Central, organizar sua cooperação e promover seu bem-estar. A União Europeia é a ferramenta que Berlim utiliza em nossa época para cumprir sua missão permanente.

A guerra na Ucrânia representa um problema imprevisto para a Alemanha, que a França tem dificuldade em entender. Vamos resumi-lo em uma pergunta: sim ou não, a Ucrânia pertence à Europa Central? Em caso afirmativo, a Alemanha tem o dever de defender sua soberania; em caso negativo, Berlim não tem nada a fazer em uma terra que é estranha à sua vocação histórica. Há dois anos, a consciência alemã está hesitando, dividida e comprometida pela metade. A ideia de uma Europa-potência não a ajuda em nada.

Michel Pinton, político francês, graduado na École Polytechnique, é autor de vários livros como “L'Europe de Bruxelles ou la tentation impériale : Pouvons-nous ignorer notre histoire ?” e “L'Identitarisme contre le bien commun : Autopsie d'une société sans objet”.

© 2024 La Nef. Publicado com permissão. Original em francês: “L’Europe prise entre deux contradictions majeures”.

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