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A fertilidade cura os males do século

As crianças, devido aos cuidados constantes que requerem, apresentam o inconveniente de remediar o individualismo. (Foto: Pixabay)

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“O gravíssimo dever de transmitir a vida humana [...] foi sempre [...] fonte de grande alegria, embora por vezes acompanhado de muitas dificuldades”. Foi com estas palavras que Paulo VI introduziu a encíclica 'Humanae Vitae' (1968). Numa altura em que o Papa já lamentava “as crescentes exigências no campo da economia”, as mulheres tinham uma média de 2,6 filhos. Cinquenta e cinco anos depois, as dificuldades parecem ter triunfado sobre a alegria, ao ponto de a taxa de natalidade ter caído recentemente para o seu nível mais baixo desde a Segunda Guerra Mundial. No entanto, este triste registo parece dever-se menos às dificuldades materiais do que ao espírito do nosso tempo.

A pobreza é uma riqueza 

A fecundidade nunca se beneficiou dos dividendos do progresso. Em 1880, por exemplo, quando “os salários eram tão baixos que não se pode imaginar” [Charles Péguy, no ensaio 'L’Argent ' ('O Dinheiro', em tradução livre), de 2008], a taxa de fecundidade era de cerca de 3,3 filhos por mulher. Ainda hoje, as mulheres francesas mais pobres são as que têm mais filhos.

Os espíritos maliciosos dirão que as famílias desfavorecidas fazem os filhos sofrer, porque eles não são suficientemente “educados sexualmente”. Mas estes discípulos de Malthus limitam-se a repetir o pensamento do seu mestre, segundo o qual, “se o pobre se casa, longe de cumprir um dever para com a sociedade, sobrecarrega-a com um fardo inútil”.

No entanto, a pobreza não resulta das crianças, mas as crianças resultam da pobreza. A razão disso é que o espírito de pobreza favorece a abertura à vida. Porque “confunde toda a cobiça, toda a avareza, todas as preocupações deste século”[São Francisco de Assis], ele é por natureza infinitamente mais fecundo do que a riqueza material, que tende a confinar as pessoas à procura de um bem-estar que as crianças parecem impedir.

Fertilidade como cura 

Esta tendência foi desde cedo criticada por Victor Hugo, como demonstram estes versos:

“Será a vida tão encantadora aos teus olhos

Que prefiras a todo este barulho alegre

Uma casa vazia e muda?”

Infelizmente, a história respondeu afirmativamente a esta questão. Pois as crianças, devido aos cuidados constantes que requerem, apresentam o inconveniente de remediar o individualismo.

Só os pobres, que dependem de tudo, escapam aos efeitos deste mal, que acaba por “absorver-se no egoísmo”, para usar a expressão de Tocqueville. Ademais, a economia do mundo está fundada nesse sentimento, ao qual acredita dever a sua felicidade. É por isso que a família modelo moderna se baseia na norma de um ou dois filhos, para dar a cada um tempo para viver para si; é um compromisso entre bem-estar, dever e afeto. Mas falta-lhe aquela radicalidade evangélica que encoraja a crescer e multiplicar e que, quando as condições o permitem, se traduz numa “vontade refletida e generosa de fazer crescer uma família numerosa” (Paulo VI, 'Humanae Vitae').

É claro que esta famosa família numerosa só é grande em relação aos recursos morais e materiais de que dispõe o lar. Assim, o número não é um problema, desde que não o impeçamos por razões mesquinhas.

O que importa é manter essa abertura de espírito pela qual a alma manifesta a sua generosidade e recebe em troca graças inefáveis. Com efeito, as virtudes que as crianças prodigalizam são incomensuráveis quando comparadas com as de uma família voluntariamente solitária.

Filhos, para curar nossas almas 

Se Dostoievski pôde escrever que “em meio às crianças, uma alma é curada”, é porque elas curam as cicatrizes das almas pesadas pelas tristezas do mundo: elas sugerem que a Beleza de que são a imagem existe em algum lugar! E, neste mundo, a Beleza é talvez “uma das poucas coisas que não nos faz duvidar de Deus”. [ Jean Anouilh, em 'Becket ou l’honneur de Dieu' ('Becket ou a honra de Deus', em tradução livre), de 1959]

Ela é um reflexo da divindade; o brilho de uma verdade que pode ser vislumbrada através da translucidez original das almas inocentes. Esta irradiação celeste convida à contemplação e, pelo seu êxtase, encoraja a loucura do matrimônio. Ora, os filhos sublimam esta vocação comum, na medida em que resultam da livre cooperação dos esposos no poder criador de Deus. [ João Paulo II, 'Familiaris Consortio', 1981]

Por causa de sua suprema inocência, as criancinhas prefiguram portanto o reino de Deus. É por isso que Jesus pediu para deixá-las ir até ele. Este mandamento estabelece a razão das nossas famílias, dos nossos sacrifícios e das nossas alegrias.

Pierre Montpellier é colaborador da revista francesa La Nef.  

© 2023 La Nef. Publicado com permissão. Original em francês: “Les enfants préfigurent le Ciel”.

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