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Entre os muitos elementos assustadores do artigo de Christina Cross publicado no New York Times e intitulado “O mito do lar com pai e mãe” está a crença da autora de que, a não ser que ser criado num lar com pais casados tenha o mesmo efeito sobre as crianças negras e brancas, a instituição não merece apoio.
Do contrário, diz a socióloga de Harvard, “defender cegamente os méritos do casamento e do lar com pai e mãe não é a solução”.
O objetivo dela parece ser mostrar como as famílias negras se saem em comparação com as famílias brancas, em contradição ao que impacto absoluto que o reforço da estrutura familiar teria sobre as crianças negras. Leia este trecho:
Embora em geral as crianças criadas em lares com pai e mãe tenham menos chance de viverem na pobreza, os negros criados pelos dois pais biológicos ainda têm três vezes mais chance de viverem na pobreza do que os brancos. Além disso, famílias negras com pai e mãe presentes têm metade da renda de lares brancos semelhantes. Assim, muitos dos benefícios econômicos do casamento e das famílias com pai e mãe são se aplicam igualmente às crianças negras.
Mas a pesquisa que a própria Cross cita, do Centro Nacional de Estatísticas da Educação, nos conta uma história mais esperançosa sobre o impacto da estrutura familiar.
Em 2017, apenas 5% das crianças brancas com menos de 18 anos e morando com os pais casados vivam na pobreza, contra 12% das crianças negras na mesma situação. É uma diferença de 2,4 vezes, não as “três vezes mais chance” que Cross estima em sua obsessão por comparações entre brancos e negros.
Mais importante, vemos que a proporção de crianças negras com menos de 18 anos vivendo na pobreza diminui de 45% nos lares de mães solteiras e 36% em lares de pais solteiros para apenas 12% em lares com o pai e a mãe.
É uma diferença enorme e uma melhora relevante que aparentemente não interessaram a Cross.
Repetindo: o fato de serem criadas num lar com pai e mãe fez com que a taxa de pobreza das crianças negras caísse 73% em comparação com lares de mães solteiras e 67% em comparação com lares de pais solteiros.
Como prova de que o poder da estrutura familiar transcende a etnia, 31% das crianças brancas criadas em lares de mães solteiras vivem na pobreza, enquanto 12% das crianças negras vivendo com o pai e a mãe passam pela mesma situação. É incrível perceber isso.
E Cross menciona somente provas que denigrem o lar com pai e mãe como algo marginal para as crianças negras, ignorando dados que consolidam a diferença que a estrutura familiar exerce na vida das crianças de todas as raças.
Outra técnica estatística estranha usada por Cross é lamentar o fato de que os negros norte-americanos têm níveis desproporcionalmente maiores de instabilidade familiar sem revelar números que mostrariam o tamanho do problema.
Diria que é melhor divulgar os dados brutos para que as pessoas possam avaliar a verdadeira explosão numérica das taxas de nascimentos em lares não-maritais entre os negros e, depois, tirem uma conclusão por si quando à validade da estatística.
Problema antigo
Pegue este trecho, por exemplo:
Os Estados Unidos têm um longo e problemático histórico de ver a desigualdade racial por meio da estrutura familiar. Lembre-se da publicação do controverso Relatório Moynihan de 1965, no qual as autoridades governamentais diziam que taxas maiores de “lares de mães solteiras” e “nascimentos fora do casamento” entre os negros eram as fontes principais das desvantagens que eles enfrentam.
Quando Daniel Patrick Moynihan publicou “The Negro Family: The Case for National Action” [A família negra: um caso para ação nacional], ele estava chamando atenção para o que via como uma crise num segmento da comunidade negra afetado pela pobreza. De acordo com o relatório de 1965, 23,6% dos bebês negros nasciam fora do casamento.
Se na época se tivesse prestado a mesma atenção a isso do que às barreiras estruturais envolvendo a raça, teria sido possível tomar medidas para impedir o declínio contínuo da formação familiar que ocorreu nas últimas cinco décadas não apenas na comunidade negra, mas em todas as etnias.
Na verdade, de acordo com os dados mais recentes, em 2018 a taxa de nascimentos em lares não-maritais entre as mulheres negras chegou a 69,4%, enquanto a taxa geral era de 39,6%.
Como o próprio Moynihan alertava há quase 30 anos, em 1991, “os níveis de crianças nascidas fora do casamento e que eram vistas como uma aberração de uma subcultura específica há 25 anos se tornaram a norma em toda a cultura”.
Isso levanta outro aspecto peculiar do argumento de Cross. Ao enfatizar os negros norte-americanos como “o grupo cujas estruturas familiares há muito são usadas para explicar suas desvantagens sociais e econômicas”, ela obscurece o fato de que não é só a comunidade negra a que sofre com as consequências do colapso familiar.
Eis aqui outro trecho:
Os negros norte-americanos têm as maiores taxas de lares com apenas um dos pais e de nascimentos fora do casamento no país, e essa divergência da família ideal costuma estar implícita nos níveis mais baixos de educação e nas taxas mais altas de pobreza e desemprego na comunidade negra.
O colapso familiar é inegavelmente ruim para as crianças negras. Mas o que está acontecendo aos demais norte-americanos?
Usando, novamente, dados de 2018, nota-se que impressionantes 91% dos filhos de mulheres negras com menos de 25 anos nasceram fora do casamento. Mas e quanto aos 61% dos bebês de mães brancas com idade inferior a 24 anos? Os mais de 238 mil bebês delas são maios do que os bebês de outras classificações raciais.
De acordo com a Child Trends, a porcentagem de nascimentos fora do casamento aumentou mais rápido entre as mulheres brancas. E aqui há sinais cada vez maiores de que as mortes por opióides e outros fatores que afetam sobretudo os homens brancos da classe operária estão associados ao colapso da estabilidade familiar.
Se não existisse uma narrativa que insiste que o colapso da família é “um problema dos negros”, talvez fosse possível alcançar um consenso ao redor da ideia de que o declínio da estrutura familiar é um problema existencial de todas as comunidades e um problema que todos deveriam tentar resolver.
Por fim, Cross deixa claro seu argumento:
O que merece atenção das políticas públicas não é o fato de as famílias negras se desviarem do modelo familiar ideial, e sim em barreiras estruturais, como segregação geográfica e discriminação para se conseguir empregos, que geram e mantém desigualdades raciais na vida familiar.
Tem mesmo que ser uma coisa ou outra? Por que é tão difícil ter um diálogo com nuances que atestam que tanto as barreiras estruturais quanto a estrutura familiar são importantes para determinar o futuro da criança?
Mais importante, o que ensinamos à geração seguinte sobre a capacidade dela de agir para superar essas barreiras? Se você tem 12 anos de idade, você é capaz de resolver o problema das moradias segregadas?
Talvez a próxima geração de estudantes deva aprender que impressionantes 97% dos millennials com pelo menos o ensino médio, com trabalho em tempo integral e que se casaram antes de terem filhos não são pobres.
Em vez de falar aos jovens sobre barreiras das quais eles não têm nenhum controle, talvez fosse bom falar do poder de tomar decisões a fim de determinar seu próprio destino.
Em seu importante texto “Don’t deny the link between poverty and single parenthood” [Não negue a associação entre pobreza e lares desfeitos], publicado no Washington Post, Robert Samuelson diz: “Se por mágica um terço dos pobres dos Estados Unidos saíssem da pobreza, a política seria (com razão) considerada um triunfo das políticas sociais”.
Por extensão, em seu artigo no New York Times a análise de Cross sugere que, embora o reforço às estruturas familiares não seja a solução para tudo, há motivos para se ter esperança se a estrutura familiar entre negros e crianças de todas as raças fosse mais estável.
Isso não é um mito.
Ian Rowe é membro do Thomas B. Fordham Institute e CEO da Public Prep.