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Ciência

A foto mais emocionante da missão Apollo não é da Lua — é da Terra

"Earthrise", do astronauta William Anders, tirada a bordo do Apollo 8 na véspera de Natal de 1968. (Foto: )

A imagem mais importante associada ao pouso na Lua no dia 20 de julho de 1969 não é uma foto do momento em que pousaram. É a fotografia tirada na véspera de Natal do ano anterior, 1968, quando William Anders, astronauta a bordo da Apollo 8, respondeu ao espanto do comandante da missão, Frank Borman, pegou uma câmera Hasselblad e fotografou a Terra.

Nosso planeta, a 400 mil quilômetros de distância, acabara de aparecer sobre o horizonte lunar.

A imagem, que ficou conhecida como "Earthrise" (Nascer da Terra), passou a ser um símbolo do movimento ambientalista e provocou uma grande mudança nas prioridades humanas.

Uma foto semelhante havia sido tirada dois anos antes e foi amplamente divulgada, mas não chamou a atenção da mesma maneira. Era preto-e-branca, o que significava que o choque do azul da Terra contra o vasto preto do espaço não podia ser registrado. E foi tirada por uma câmera remotamente controlada a bordo da Lunar Orbiter 1 — uma das cinco sondas da NASA que sistematicamente fotografaram 99% da superfície da Lua entre 1966 e 1967.

"Earthrise", a imagem da Apollo 8, além de ser colorida, foi feita por um astronauta. Anders estava lá, ao lado de Borman e Jim Lovell, vendo o que a câmera viu. Isso fez toda a diferença.

"Foi a visão mais linda e emocionante da minha vida", lembrou Borman, "senti uma torrente de nostalgia, de pura saudade, surgindo através de mim. Era a única coisa no espaço que tinha alguma cor. Todo o resto era preto ou branco, mas não a Terra."

A súbita aparição da Terra por trás da Lua, ampliada pela proximidade, "foi nada menos do que uma revelação", escreveu Mia Fineman no catálogo de "A musa de Apolo: A Lua na era da fotografia", uma exposição no respeitadíssimo Museu Metropolitano de Arte de Nova York. Mas o que, exatamente, estava sendo revelado?

Desejo

A história da arte (que certamente inclui a fotografia) é uma história do desejo humano. É uma história das coisas que queremos ver, as coisas que queremos mostrar e como queremos vê-las e mostrá-las. A Lua, que sempre esteve conosco, merece um lugar de destaque nesta história. Tanto a "Musa de Apolo" quanto a "À luz da Lua prateada: um século de fotografias lunares", na Galeria Nacional de Arte, em Washington, traçam o crescimento de nosso desejo por imagens lunares desde o século XIX.

Mas é interessante pensar sobre o que acontece dentro da história da arte — como em qualquer casamento — quando o desejo diminui e as prioridades são rearranjadas. Quanto, poderíamos perguntar, amamos a Lua agora, em comparação com 50 ou 60 anos atrás?

Vê-la era algo que as pessoas desejavam ardentemente. Eles queriam tanto que seu desejo impulsionou a engenhosidade humana a níveis surpreendentes, produzindo uma cascata de imagens indeléveis no processo.

Em primeiro lugar, as pessoas queriam essas imagens porque a Lua é misteriosa. Sempre foi. Mais urgentemente, elas as desejavam porque, no contexto da Corrida Espacial e da Guerra Fria, descobrir os segredos da Lua era uma questão de orgulho nacional e de ganhar uma guerra de propaganda contra os soviéticos. E, finalmente, porque serviam de distração durante uma época de tumultos raciais e geracionais, e no desenrolar do desastre no Vietnã, onde, em 1969, o número de soldados americanos chegou a meio milhão, e mesmo assim a vitória parecia cada vez mais longínqua, cada vez mais difícil de vislumbrar.

Ao contrário da Lua.

Imagine um objeto de desejo vindo em sua direção, aproximando-se. (Mas não pessoalmente — apenas como uma série de imagens). Primeiro aparece como um disco distante, pálido e achatado, pronto para fantasia e projeção. De repente, é uma forma reconhecível, com marcas, como uma tabuleta cuneiforme ou talvez um rosto, ficando cada vez maior até que, ampliada agora, preenche a moldura, uma figura voluptuosa, surpreendentemente texturizada, com volumes, protuberâncias e cavidades.

Foi assim que as imagens capturadas pela missões espaciais levaram o público global na década de 1960 para cada vez mais perto da Lua. Havia algo quase erótico sobre isso: um striptease lunar.

Os soviéticos tinham liderado o caminho. Eles enviaram um cachorro ao espaço, depois um homem e depois uma mulher. Tudo em 1963. Mesmo antes disso, em setembro de 1959, uma de suas sondas, a Luna 2, havia se tornado o primeiro objeto feito pelo homem a tocar a Lua.

Até aquele ponto, ninguém tinha visto o lado escuro da Lua — o lado que, porque a Lua gira em seu eixo na mesma velocidade que orbita ao redor da Terra, sempre permaneceu irritantemente invisível, como a parte de trás de sua cabeça em um mundo sem espelhos. Mas cerca de um mês depois que a Luna 2 atingiu a superfície da Lua, os soviéticos lançaram a Luna 3. Equipada com uma câmera de lente dupla de 35mm e um sistema interno de processamento de imagens, a sonda produziu 20 fotografias que capturam quase três quartos do “lado escuro” não mapeado da Lua.

Uma dessas imagens, divulgadas pelos soviéticos, está no programa do Museu Metropolitano e foi reimpressa no catálogo. Desfocada e marcada com anotações, é "um momento inovador na história da cultura visual", de acordo com Mia Fineman.

Também na história do desejo. Foram quase dez anos (e 16 músicas dos Beatles no topo das paradas) antes de a Apollo 8 se tornar a primeira nave espacial tripulada a entrar na órbita lunar, permitindo que Anders fizesse "Earthrise".

Remorso

Nosso desejo pela Lua estava aumentando naquele ponto. Desde então, inevitavelmente, diminuiu. "Earthrise" — apesar de ter sido temporariamente eclipsada por aquelas imagens extraordinárias (a pegada, o plantio da bandeira) do pouso na Lua no ano seguinte — foi o ponto de virada.

Você pode sentir a mudança nas palavras de Anders e Borman, bravos astronautas que, tendo quase alcançado o desejo de seus corações, viram-se afligidos por "uma torrente de nostalgia", algo quase como remorso.

Disse Anders: "Nossa Terra era bastante colorida, bonita e delicada em comparação com a superfície lunar muito áspera, acidentada, surrada e até mesmo chata. Acho que impressionou a todos o fato de termos viajado 400 mil quilômetros para ver a Lua e foi a Terra que realmente valeu a pena olhar."

Hoje, a sabedoria latente nas palavras de Anders é óbvia. Os humanos criaram um problemão aqui na Terra e precisam, mais do que tudo, resolver como preservar a casa onde moramos. Por tudo o que podemos fazer no espaço, aprendemos o suficiente para entender que nenhum lugar ao alcance é remotamente habitável.

Certamente nenhum outro lugar é tão bonito, tão desejável. "As pessoas de um planeta sem flores pensariam que devemos ficar loucos de alegria o tempo todo por possuirmos essas coisas", escreveu Iris Murdoch. E ela está certa.

"Earthrise" é uma imagem do nosso planeta sem fronteiras nacionais, sem hierarquias, sem sequer um lado direito (o modo como a fotografia foi tirada mostra a Lua como uma linha vertical à direita; foi virada de lado antes de ser publicada para se parecer mais com o horizonte terrestre). Ela mostra a Terra muito distante, mas ao mesmo tempo próxima, frágil, fortuita, como uma criança para a qual você acena do outro lado do portão de embarque.

Quando "Earthrise" surgiu, inspirou um ensaio, publicado na primeira página do ‘New York Times’ no dia de Natal de 1968 pelo poeta Archibald MacLeish, um veterano da Primeira Guerra Mundial: "Ver a Terra como ela realmente é", ele escreveu: "pequena, azul e bonita naquele silêncio eterno onde ela flutua, é nos vermos como viajantes, irmãos na beleza brilhante no eterno frio — irmãos que agora sabem que são verdadeiramente irmãos".

Como, imagino, isso deve ter soado aos soldados que lutavam no Vietnã, no auge daquela guerra? MacLeish, como um veterano da guerra, podia muito bem estar pensando neles.

Vale a pena notar, também, que o livro "Matadouro-5", de Kurt Vonnegut, saiu entre "Earthrise" e o pouso na Lua, e pouco antes de uma batalha inútil e atroz no local apelidada de Colina 937, no Vietnã, que ficaria conhecida como Batalha de Hamburger Hill.

"Matadouro-5" conta uma história baseada na própria experiência de Vonnegut como prisioneiro de guerra em Dresden (Alemanha), em 1945, quando as forças Aliadas bombardearam a cidade, botando tudo abaixo. Quando, após a primeira noite de bombardeio, Vonnegut, um soldado do exército, emergiu com seus colegas prisioneiros de guerra do porão do matadouro em que estavam sendo mantidos em cativeiro, eles descobriram, ele escreveu, "uma paisagem lunar".

O impulso para mandar humanos à Lua tinha muitas origens, várias delas positivas. Mas a retrospectiva sugere que também fazia parte de uma tentativa de fuga da realidade, uma sublimação, um desvio magnífico e elaborado dos problemas terrestres agudos. As imagens literárias de Vonnegut nos lembram que, por todo o desejo que uma vez projetamos nela, e por todas as coisas que representa, a Lua pertence onde está, e nós pertencemos aqui, na Terra, que devemos nos esforçar muito para não transformar em uma paisagem lunar.

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