Não vamos nos enganar. O que está acontecendo no mundo é uma guerra, uma guerra entre o que quero e o que é, entre os delírios utópicos e a realidade, entre o poder e a sabedoria, entre a mentira e a verdade, entre a cegueira voluntária e a aceitação verdadeira de quem somos, com nossos limites e responsabilidades; uma guerra do ressentimento contra a gratidão, da raiva contra a humildade, do controle contra a alegria.
Não é uma guerra nova. Essa guerra começou a ser travada desde o enfático “não!” de Lúcifer. Nós, seres humanos, entramos nessa guerra no início da nossa existência. Nossos progenitores nos legaram essa guerra ao escolher o que eu quero (ser Deus) ao o que é (Deus, Sua criação e Sua providência), quando eles preferiram o poder (tentando determinar por si seu destino) à sabedoria (percebendo que não dá para se dominar o que não se pode controlar, aquilo que o homem não criou), quando eles optaram pelas mentiras (“você não vai morrer”) e não por acreditar na verdade (“você não deve comer do fruto senão morrerá), quando eles preferiram o controle à alegria.
A guerra está entranhada no tecido das relações humanas, das famílias, da sociedade, da história, desde que Caim optou pela cegueira voluntária – dizendo a si mesmo que não tinha culpa por Deus ter recusado suas oferendas — e não pela aceitação verdadeira de sua responsabilidade pela recusa de Deus – admitindo para si mesmo que ele deveria, talvez, ter oferecido a Deus os melhores frutos da sua colheita, assim como Abel fez com seus animais. Caim optou pelo ressentimento – alimentando o rancor contra o irmão, contra a retidão das oferendas dele, contra a submissão de Abel ao o que é — em vez de optar pela gratidão — pela beleza do exemplo de Abel, por ter uma nova chance, por sua colheita, por sua própria existência. Caim assassinou Abel em vez de ser morto por ele: destruiu a imagem da mansidão em vez de se submeter a ela. Ele preferiu a raiva à humildade. E, como a cereja do bolo, em vez de aceitar a responsabilidade por suas ações, ele preferiu a cegueira voluntária — fingindo que Deus não sabia (e não deveria se importar) do que ele tinha feito — e mentir sobre o que tinha feito. Quando Deus perguntou: “Onde está seu irmão Abel?”, Caim respondeu: “Não sei. Por acaso sou o guardião do meu irmão?”, sugerindo que ele se importava apenas com o que podia controlar e que o que quer que tivesse feito ao irmão não era da conta de Deus.
A guerra em sua forma mais pura sempre esteve à vista de todos, mesmo nos tempos mais prósperos, à mostra para os que humildemente examinam suas ações, intenções, prioridades, convicções; para os que buscam e amam a verdade. Todos temos de lutar contra o “não!” interno que já nasceu dentro de nós: nosso desejo secreto de controlar a realidade em vez de nos regozijarmos com ela; de forjar nossas relações de acordo com nossos termos em vez de agirmos de acordo com nossa natureza; nossa convicção oculta de que somos o padrão da realidade, de que somos Deus ou que almejamos sê-Lo, de que o que fazemos não é da conta de Deus. Nossa guerra interna sempre se expressa como violência externa, de uma forma ou de outra. Assim como Caim, nós nos lançamos contra os outros quando perdemos uma batalha em nosso conflito interno.
Em tempos ruins, a guerra irrompe numa violência específica, na qual podemos ver sua feiúra exposta: como uma tentativa de excluir Deus de nossas vidas e nosso mundo, de substituir Deus, de nos transformarmos em mestres do real. A guerra irrompeu neste tipo de violência em Israel quando Jezebel era rainha e fez tudo o que podia para impor o o que quero dela sobre Israel e Deus: destruindo altares, matando centenas de profetas, acusando falsamente Nabot de blasfêmia e ordenando que ele fosse apedrejado. A guerra irrompeu nesse tipo de violência quando a Convenção Nacional de Robespierre formou e enviou suas Colonnes Infernales (Colunas Infernais) para matar homens, mulheres e crianças em Vendée, por ousarem defender Dieu et le Roi — Deus e o rei. Ela irrompeu nesse tipo de violência quando os turcos otomanos decidiram eliminar os cristãos da Anatólia e Armênia, e quando Lênin, Hitler, Stalin e Mao assumiram o poder.
Em todos esses casos, o “não!” secreto contra o qual todos nós temos de lutar se transformou em políticas públicas, assumiu uma aparência pública, e os que o corporificavam tentaram eliminar o o que é real, transformando-o à sua própria imagem e semelhança. Em todos esses casos, as pessoas que viviam sob o poder do “não!” público podiam escolher entre ser banido para uma fantasia utópica sem Deus nem lei que esmagava os indivíduos (afinal, indivíduos são o o que é) ou se submeter ao real, correndo o risco de morrer, ser torturado e outras coisas adoráveis do tipo.
O mundo hoje testemunha uma guerra violenta em escala mundial. No Extremo Oriente, a China persegue agressivamente pessoas de fé que preferem viver o o que é a serem esmagadas pelo o que quero dos outros. Os campos de prisioneiros aparentemente estão cheios, e outros estão sendo construídos.
A África está cheia de ataques de extremistas contra cristãos. No Cáucaso, o aspirante a califa Erdogan ataca Artsakh (Nagorno Karabakh) por intermédio de Aliyev, e diz que ele concluirá o trabalho iniciado por seus antepassados: exterminar os “restos da espada” (os descendentes dos sobreviventes do genocídio de armênios cristão em 1915), moldando o país e a história à imagem e semelhança de seu o que quero.
Na Europa, o que resta do cristianismo é alvo de violência anticristã e antissemita, e por chefes de Estado que preferem buscar uma versão utópica qualquer da paz a reconhecer (e assumir a responsabilidade) a realidade de que a população está diminuindo e o mundo dela está sendo reduzido: as pessoas não têm filhos, planos, Constituição, nada de real para defender.
Em nossa própria Terra dos Livres e Lar dos Corajosos, a facção do o que eu quero derruba estátuas, reescreve a história, descoloniza currículos, desassocia as identidades da realidade ontológica, exige que lhe deem o poder de determinar quem pode ou não nascer, insiste que a verdade óbvia de que o aborto é assassinato seja negada, doutrina os jovens e faz o possível para impor seu totalitarismo utópico sobre todos nós: a fim de se transformar em mestre do real.
Não nos enganemos. O que vemos acontecendo no mundo e em nosso país é guerra. É a guerra: a guerra que começou quando uma mulher deu ouvidos a uma serpente que a convenceu de que o que ela queria era mais importante do que o que é.
Essa guerra não pode ser vencida de um dia para o outro. Temos, sim, que rezar pela África, China e Europa, e principalmente por seus corajosos grupos o que é, que estão sendo estrangulados aos poucos. Temos de rezar para que os armênios continuem resistindo e que os líderes políticos finalmente os ajudem e resolvam a injustiça que está sendo cometida contra eles há mais de um século. Temos que rezar para que aqueles que querem reescrever nossa história e destruir as bases do nosso país – copiando o que aconteceu aos armênios – sejam derrotados nas eleições. E todos temos de fazer nossa parte. Toda vitória das pessoas do o que é contra a legião do o que quero é um sinal de esperança a todos.
Mas não nos enganemos. Mesmo que, Deo favente, os armênios vençam e os assassinos do núcleo familiar, os doutrinadores, a facção do o que quero em nosso país sejam eliminados nas eleições, não teremos ganhado a guerra. Não teremos chegado nem perto de ganhar essa batalha específica da guerra.
A batalha de nosso país – assim como da Europa – é pode ser vencida pela eliminação do adversário, derrotando os Nietzsches-anões que defendem julgar pessoas acusadas de abuso sexual e cuja única prova está “no hipocampo” do acusador e ninguém pode ver. Não é uma batalha que será vencida destruindo os sartresinhos que toleram o fim das identidades humanas reais, da singularidade humana real, da união humana real em nome de uma ideia especial e diabólica de liberdade: o poder “de alguém determinar a vontade de outrem” ou, parafraseando alguém, “o direito de definir seu próprio conceito de existência, de sentido, de Universo e da tristeza da vida humana”.
A verdadeira batalha do nosso país está ocorrendo nas mentes dos indivíduos e na vontade de todos nós. Estamos todos travando a guerra. Trucidando publicamento os Protágoras, os Marxes, os Nieztsches, os Sartres, a legião de mentirosos que não ajuda as pessoas a verem o que elas têm de ver para vencer a guerra verdadeira travada dentro de si.
Quando a serpente invadiu o Jardim com a intenção de levar a guerra à Humanidade, ela não o fez com um rugido, com uma espada de fogo. Ela não amedrontou Adão e Eva a fim de que eles se submetessem. Ela não dispôs um exército num campo de batalha. A serpente seduziu Eva no silêncio da mente dela: “você será como Deus”, sussurrou. Ela insinuou que Deus era mentiroso, que Ele tinha medo da possibilidade de Eva se tornar tão poderosa quanto Ele:
“Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal”. (Gênesis 3:5)
E Eva se deixou seduzir pela autoimagem de alguém poderosa, assustadora, destinada a ser Deus: uma mulher importante. Foi então que ela começou a ver o fruto da árvore não pelo que ele era – quem quer conhecer o Mal? – e sim como a serpente queria que ela o visse: como o o que quero dissociado do o que é. Eve se tornou voluntariamente cega e cedeu:
“E viu a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento; tomou do seu fruto, e comeu”. (Gênesis 3:6)
O mesmo ocorreu com Adão, que foi seduzido por Eva para dentro da mesma batalha interior e, como ela, se perdeu. Assim como a serpente, Eva convenientemente omitiu as consequências reais (o o que é) de se “conhecer o Mal” — do “não!” — de Adão: o fato de isso ter lhe tirado a gratidão inocente e a alegria, fazendo que aqueles que ainda sentiam essas coisas representassem uma ameaça a ela.
Quando Deus falou com o furioso Caim, cujas oferendas Ele não aceitou, Ele o alertou para a batalha que ocorria dentro dele, a mesma batalha que sua mãe e pai haviam perdido. Olhe o que é, disse Ele, para a realidade de suas ações e convicções. Se você não é fiel ao o que é, você torna o o que quero antípoda do o que é, você sucumbirá ao sedutor, “que o deseja” e que “está escondido atrás da porta”. Olhe para dentro de si, disse Ele, para onde ocorre a batalha que você, e só você, pode vencer:
“E o Senhor disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? Se bem fizeres, não é certo que serás aceito? E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar”. (Gênesis 4:6,7)
Caim não deu ouvidos a Deus. Ele não dominou o pecado: a serpente da qual ele era presa. Ele destruiu a imagem do que é certo: seu irmão.
Se fizermos o que Caim deveria ter feito, veremos a guerra fervilhando dentro de nós. O “desejo” da serpente por cada um de nós. Ela “jazendo” à nossa porta. Somos a presa. Somos nós, no silêncio de nossas mentes e corações, que devemos “subjugá-la”.
É no campo de batalha que hoje estamos fracos. Não estaríamos cercados pelo lixo ininteligível que enche nossos livros, jornais, ondas de rádio se as diferenças entre o que quero e o que é não tivessem sido negadas nas mentes daqueles que escrevem e falam hoje. Se as mentes não tivessem se acostumado tanto ao o que é, os caprichos utópicos se revelariam como o vácuo que são para os que enxergam. O ressentimento, a raiva, a cegueira voluntária não contaminariam o ar que respiramos se o amor à verdade e a gratidão inocente nos fossem fáceis.
Nossa fraqueza no campo de batalha pode ser vista em quem está sendo violento e quem está sendo alvo. Os violentos são nossa juventude. Os alvos são as estátuas dos que entendiam a diferença entre o o que quero e o que é, discussões civilizadas e racionais, a aplicação coerente dos princípios, a verdade, a confiança, a alegria, as famílias, as crianças.
Nossa fraqueza no campo de batalha pode ser vista no fato de que aqueles que deveriam estar indicando, em alto e bom som, o lugar e a natureza da batalha não estão fazendo nada disso. Aqueles que deveriam estar indignados contra a destruição das estátuas, do debate, da família, das crianças parecem ter perdido a voz. Aqueles que deveriam estar informando os demais de que a violência que testemunhamos tem como alvo nossas defesas contra o “desejo” da serpente e que essa destruição dará início a uma temporada de caça estão calados. Os pastores também parecem confundir o o que quero com o o que é. Eles parecem ter confundido o Caminho, a Verdade e a Vida – o Filho do Homem que estalou o chicote no Templo – com alguém sem moral. Os pastores parecem ter se esquecido do alerta de Jeremias aos que deixam o rebanho se dispersar.
Nossa fraqueza no campo de batalha pode ser vista no fato de não estarmos protegendo os mais vulneráveis nessa guerra contra o sussurro da serpente: nossa juventude. O currículo de nossas universidades, faculdades e escolas do ensino médio estão cheios de lixo ininteligível que ecoam o assustador sussurro: “Você será como Deus”.
Esse sussurro fincou raízes na mente da juventude. A ignorância de nossas crianças foi cuidadosamente cultivada. Elas não aprenderam gramática. Elas não sabem lógica. Elas não conhecem a história. Elas não sabem diferenciar Jesus Cristo de Luke Skywalker. Elas aprendem que não precisam de nada disso: “a realidade”, diz o sussurro, “é o que você quiser que seja”.
A serpente está batendo à porta das almas de nossas crianças. Ela as deseja. E os meios pelos quais as crianças poderiam “dominá-la”, os meios que nós poderíamos lhes dar, que aprendemos, estão sendo propositadamente tirados delas nas salas de aula.
Não nos enganemos. O principal front em nossa batalha está em nossas mentes, e as mentes mais vulneráveis são as das crianças. Mas podemos nos posicionar. Nossas crianças podem. Elas se posicionarão, mas somente se tivermos a sabedoria calma daqueles cujas estátuas estão sendo derrubadas: a verdadeira alegria de lugar o bom combate.
Essa batalha não pode ser vencida de um dia para outro. Mas pode ser vencida se aprendermos a, como São Paulo diz, “caminhar circunspectos”, como os sábios fazem – “entendendo a vontade de Deus” — e “redimindo o tempo, porque os dias são maus”. Ela pode ser vencida se caminharmos alegremente: “conversando com nós mesmos usando salmos e hinos e cânticos, cantando e criando melodias em nossos corações para o Senhor: agradecendo sempre por todas as coisas”. Ela pode ser vencida se vencermos nossas batalhas interiores e nos tornarmos “súditos uns dos outros no temor a Cristo”.
Siobhan Nash-Marshall é filósofa e escritora.
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