As fake news (notícias falsas) não vão destruir os EUA. Mas deixar que o governo decida quais notícias são falsas vai.
Logo depois da vitória do Presidente Donald Trump nas eleições de 2016, vários veículos de mídia fizeram reportagens alegando que sites publicaram textos falsos que ajudaram a vitória de Trump contra Hillary Clinton.
Desde então, colunistas com tendências de esquerda têm proposto soluções para a chamada epidemia das fake news. O jornal The New York Times relatou em janeiro de 2017 que as gigantes do Vale do Silício Google e Facebook se juntariam aos grandes veículos de imprensa para conferir os dados e prevenir a proliferação dos textos com conteúdo enganoso.
Mas a verdade é que as notícias intencionalmente falsas existem desde a invenção da mídia escrita. Os Pais Fundadores dos EUA lidaram com essa mesma questão quando estavam fundado o sistema de governo do país. Eles perceberam que, por mais que fosse tentador censurar notícias falsas, a verdade tinha mais chance de sobressair pelo filtro do debate popular; um governo arbitrário e poderoso poderia usar essas ferramentas para outros fins. Tentativas de acabar com as notícias factualmente incorretas podem rapidamente se transformar em manipulação de diferenças de opinião.
Felizmente, houve poucos momentos em que os EUA censuraram oficialmente a mídia, principalmente em contraste com outras partes do mundo, incluindo a Europa. A liberdade de pensamento, a liberdade de imprensa e até mesmo a liberdade de estar errado fazem dos EUA um país excepcional.
Além de preservar a liberdade, a tradição de livre condução garante aos EUA uma capacidade de se adaptar ao cenário de descentralização da mídia, que é um produto natural da era da internet. E mais importante ainda, ela produz uma população com informação mais crítica a longo prazo.
Os Pais Fundadores e a liberdade de imprensa
Os Pais Fundadores dos EUA tinham consciência do poder, para o bem e para o mal, da mídia. Afinal de contas, muitos deles, como Samuel Adams, Benjamin Franklin e Thomas Paine, estavam inseridos no mundo dos jornais e panfletos. As ideias revolucionárias que eles disseminaram pelas colônias encontraram leitores ávidos, o que os colocou na lista de inimigos do Rei Jorge III.
Três anos depois da homologação da Constituição, os americanos fizeram uma emenda, adicionando ao texto a Declaração dos Direitos, que incluía a Primeira Emenda e a proteção da mídia. Porém, os Pais Fundadores entendiam que uma mídia livre não era uma benção absoluta: vários tinham ressalvas a isso.
Elbridge Gerry, que estava presente na Convenção Constitucional, lamentava que vigaristas de seu estado de origem estavam manipulando as pessoas. "As pessoas não são desvirtuadas, mas existem algumas que se fingem de patriotas", disse Gerry na convenção. "Em Massachusetts já foi comprovado que as pessoas são enganadas diariamente por medidas e opiniões banais, que relatos falsos circularam para manipular pessoas, e que ninguém conseguiu refutar isso".
Os Pais Fundadores afirmaram que, ainda que fosse muito tentador censurar reportagens falsas, a verdade tinha mais chance de sobressair pelo filtro do debate popular; um governo arbitrário e poderoso poderia usar essas ferramentas para outros fins.
Franklin também alertou sobre o poder da mídia, na qual o público tem que depositar tanta confiança. Em um ensaio, ele explicou como a imprensa agia como "tribunal" da opinião pública e acumulava um poder não oficial gigantesco.
Franklin também ressaltou que, para uma instituição com tanta influência, a linha de corte para entrar no jornalismo é extremamente baixa, sem nenhuma exigência de "habilidade, integridade e conhecimento". Ele disse ainda que a liberdade de imprensa pode facilmente se transformar em "liberdade de afronta, calúnia e difamação uns dos outros".
Nossas convicções:
- Liberdade de expressão
- O valor da comunicação
- O poder da razão e do diálogo
- O valor da democracia
- Cultura democrática
- Os limites da ação do Estado
Os fundadores criaram proteções constitucionais para a imprensa sabendo dos riscos que corriam, como é possível ver nos registros. Ainda assim, os males que vieram dos problemas ocasionais com a liberdade de imprensa são muito pequenos comparados com seus benefícios. As mentiras podem se proliferar, mas a verdade tem mais chances de chegar na frente.
Thomas Jefferson disse que o jeito mais eficiente para as pessoas serem governadas pela "razão e verdade" é dar liberdade de imprensa para a mídia. Não existe outra forma. Ele escreveu em uma carta para Gerry:
"Eu sou a favor da liberdade de imprensa e contra todas as violações da Constituição para silenciar por força e sem razão os elogios ou as críticas, justas e injustas, dos nossos cidadãos contra a condução de seus agentes".
Mentirosos e forjadores de escândalos podem ocasionalmente ter sucesso em um sistema sem censura, mas a verdade tem mais chances de ser encontrada quando é acessível para toda a população. Jefferson escreveu:
"É difícil traçar uma linha precisa que separa o abuso da integridade quando se fala do uso da mídia, por isso nós achamos melhor confiar no discernimento do público em vez de regular a distinção entre o que é verdade e falsidade. E até então o julgamento do público tem exercido esse ofício com uma maravilhosa exatidão".
Apesar de conhecer o poder frequentemente inescrupuloso da mídia sobre a opinião pública, os Pais Fundadores escolheram garantir proteções mais amplas para uma mídia descentralizada, optando por acreditar que veículos concorrentes checariam uns aos outros com mais eficiência e menos risco de parcialidade do que um controle pesado governamental.
Quando o Partido Federalista passou as infames Leis do Estrangeiro e de Sedição em 1798 para diminuir a "escrita falsa, escandalosa e maliciosa" contra o governo no meio da Quase Guerra com a França, durante o mandato do então presidente John Adams, houve uma grande reação da população. Alguns jornalistas chegaram a ser presos, mas o partido foi massacrado nas eleições seguintes e deixou de existir logo depois. A liberdade de imprensa se tornaria um elemento inquestionável da cultura e política dos EUA.
Porém, as coisas aconteceram de outras maneiras do outro lado do Atlântico. Na França, uma revolta popular, atiçada por uma imprensa fanática, levou a violência, tirania e censura opressivas. Os escritores revolucionários inicialmente acabaram com o Velho Regime e as restrições impostas ao discurso, mas a liberdade de imprensa não durou muito tempo. Depois da monarquia ter sido destruída, os revolucionários censuraram a imprensa ainda mais do que os reis. Os radicais argumentavam que a liberdade de imprensa enganava as pessoas e impedia a revolução.
Maximilien de Robespierre, líder do Partido Jacobino, dizia que os jornalistas eram "os maiores inimigos da liberdade".
Robespierre e seus aliados no governo francês criaram um jornal financiado pelo governo para lutar contra o que chamavam de mentiras da mídia. Então, vendo que nem isso era suficiente para impedir o surgimento de opiniões diferentes, começaram a prender e matar aqueles que se opunham às políticas do governo.
O "Reino do Terror" de Robespierre aterrorizou a França por mais de um ano, durante o qual 16.594 sentenças de morte foram oficialmente proferidas.
No período, quem pedia liberdade era censurado ou até levado para a guilhotina. Claramente havia uma diferença entre os regimes e as culturas dos EUA e da França. Ambos se diziam a favor da liberdade, mas chegaram em fins muito diferentes.
Um homem francês que era um ótimo observador dos dois sistemas explicou por que a liberdade de imprensa funcionou de maneira tão diferente entre as duas repúblicas.
Tocqueville, os EUA e a França
O pensador francês Alexis de Tocqueville percebeu por que a liberdade de imprensa funcionava melhor nos EUA do que seu país de origem. Um dos sistemas era quase livre da censura do governo e o outro estava sempre no perigo de se tornar uma presa dos "instintos dos déspotas mesquinhos".
Os americanos entendiam, escreveu Tocqueville em seu livro "Democracia na América", que criar um governo com o poder de determinar o que é verdade na mídia seria muito mais perigoso do que qualquer sistema de liberdade de imprensa. Eles sabiam instintivamente que:
"qualquer pessoa que pudesse criar e manter um tribunal desse tipo perderia seu tempo buscando a liberdade da imprensa, porque essa pessoa seria o mestre absoluto da comunidade e seria livre para esconder a si mesmo dos autores e dos escritos".
Em outras palavras, a criação de uma "corte" oficial desse tipo para fiscalizar a verdade na mídia levaria logicamente a uma tirania. Tocqueville concluiu que "para aproveitar os benefícios que a liberdade de imprensa traz, é necessário estar pronto para lidar com os problemas inevitáveis que ela causa".
Felizmente, os EUA têm uma mídia diversificada e descentralizada desde o começo. Isso não é assim na França, que tinha uma imprensa centralizada tanto geograficamente quanto numericamente. Por isso, Tocqueville escreveu, em um ambiente de mídia centralizada como a França, "a influência de uma imprensa sobre uma nação cética deve ser quase ilimitada. É um inimigo com o qual um governo pode assinar uma trégua ocasional, mas contra o qual é difícil resistir por longos períodos de tempo".
A França nunca mudou muito. Ela continuou em um ciclo de repressão da mídia livre quando novos regimes chegavam ao poder. No lugar de descentralizar a mídia proveniente do regime monárquico, cada revolução usou essa centralização em seu favor.
Em 1852, quando o Segundo Império de Napoleão III chegou ao poder, o governo disse que a censura seria implementada para promover a segurança pública. Uma petição do legislativo concluiu:
"Enquanto existir na França partidos hostis ao Império, a liberdade de imprensa está fora de questão, e o próprio país não quer que isso aconteça".
Ainda que Trump tenha causado alguma preocupação ao chamar membros da imprensa de "inimigos do povo", suas ameaças contra a imprensa são mais zoações e repreensões do que sanções oficiais. Presidentes odeiam a mídia desde a época de George Washington, mas existiram poucas propostas reais de acabar com o jornalismo.
Por outro lado, a imprensa é tratada de maneira muito diferente na França, onde a população tem uma espécie de apagão midiático por 44 horas antes da realização das eleições. Como o jornal USA Today relatou, nos dias que antecederam a eleição presidencial francesa, a mídia foi alertada a não falar sobre o vazamento de informações da campanha do candidato Emmanuel Macron. A comissão de eleição francesa disse que os vazamentos poderiam conter informações fraudulentas – fake news – e que qualquer relato sobre isso ou até mesmo repassar a informação pelas redes sociais poderia levar a acusações criminosas.
Jim Swift, da revista The Weekly Standard, ressaltou o óbvio:
"Isso é censura, pura e simplesmente. Na era da internet, jornalistas e cidadãos ao redor do mundo podem compartilhar informações – sobre Macron ou não – no Twitter, Facebook ou em seus sites. A imprensa e os cidadãos franceses? São reprimidos".
Mas o jornal The New York Times elogiou a ação e enfatizou os benefícios do sistema centralizado francês, ao contrário do caos dos sistemas do Reino Unido e dos EUA. Em um artigo recente, o Times explica a situação:
"o contraste pode ter aumentando com a ausência de um equivalente francês aos tablóides do Reino Unido ou da robusta mídia televisiva de extrema direita dos EUA, onde o ataque de hackers a Clinton gerou uma cobertura bastante negativa".
"Nós não temos a Fox News na França", disse Johan Hufnagel, editor do jornal Libération, de acordo com o New York Times. "Não existe nenhuma emissora com uma audiência ampla e personalidades que construíram uma fama para usar de acordo com seus interesses".
Um escândalo semelhante aconteceu nos EUA quando o WikiLeaks publicou milhares de emails do Comitê Democrático Nacional que colocava a campanha de Clinton em maus lençóis. Ainda assim, a informação não foi censurada; os americanos não teriam aceitado isso.
Quem tem o melhor sistema? Desde que os EUA adotaram sua Constituição, a França teve cinco repúblicas, dois impérios e quatro monarquias. Apesar da natureza presunçosa da política e da mídia dos EUA, seria tolo apostar que a quinta república francesa vai durar mais do que a primeira americana.
Americanos tiveram sorte de ter uma mídia descentralizada na maior parte da sua história e uma cultura que apoia fortemente a ideia de uma imprensa livre. Essas características tiveram um impacto a longo prazo nas instituições americanas e deixaram o país mais resistente a impulsos autoritários. Porém, no meio do séc. 20, a imprensa americana se tornou mais centralizada e o país abriu um setor de mídia para lidar com os mesmos problemas que existiam na mídia europeia.
Alguns glamourizam a época em que algumas emissoras de televisão e alguns jornais se tornaram guardiões da mídia, de forma similar ao que existe atualmente na França. Essa nostalgia por um jornalismo "mais responsável" ignora o fato que algumas das fake news mais vulgares foram perpetuadas por uma mídia centralizada sem vigilância. E talvez o pior dos casos tenha vindo do New York Times.
O New York Times e a Fraude do Século
Hoje, um muro de quase 10 metros de extensão com a imagem de um campo de trigo pode ser visto no noroeste de Washington, D.C. É um monumento para as vítimas de Holodomor (conhecido também como Holocausto Ucraniano), um genocídio monstruoso cometido por um dos regimes mais autoritários da história da humanidade.
Em 1932, o ditador soviético Josef Stalin, frustrado por não conseguir combater o nacionalismo ucraniano, mandou que as cotas de grãos que o país deveria fornecer para a URSS fossem elevadas de tal maneira que os próprios camponeses que trabalhavam nos campos não tivessem comida suficiente para si mesmos. As tropas coletavam os grãos e vigiavam a população para impedir que conseguissem comida em outros lugares.
O resultado dessa política foi a morte por fome de sete milhões de ucranianos em 1932 e 1933.
Mas enquanto Stalin estava conduzindo uma das maiores atrocidade da história humana, o The New York Times relatava os triunfos da modernização promovida pelo regime.
Walter Duranty, editor da sucursal do jornal em Moscou, ganhou o Prêmio Pulitzer de Correspondente de 1932 pela sua série de artigos sobre a União Soviética publicada em 1931. Com o prêmio nas mãos, ele continuou a promover uma das maiores ocorrências de fake news na história da mídia americana, justamente em um momento em que americanos confiavam apenas no Times e alguns outros grandes veículos de imprensa para trazê-los informações do mundo inteiro.
Nunca soubemos ao certo as motivações de Duranty para esconder os crimes que aconteciam da Ucrânia. Porém, isso rendeu para o simpatizante do bolchevismo mais acesso ao regime, o que, por sua vez, lhe rendeu mais fama.
Ainda que admitisse privadamente que muitos ucranianos morreram de fome, Duranty mandou várias reportagens para os EUA elogiando o bom trabalho no governo soviético. Ele relatou que houve algumas mortes causadas por "doenças e má nutrição", mas sugeriu que um boato de escassez de alimentos estava sendo disseminado por "propaganda da oposição".
Esses relatos tiveram muita influência nos EUA e um impacto muito grande nas relações entre os dois países. O historiador Robert Conquest escreveu em seu livro "A Colheita da Tristeza: a Coletivização Soviética e a Fome do Terror" (“The Harvest of Sorrow: Soviet Collectivization and the Terror-Famine”, não publicado no Brasil) que, devido a uma suposta credibilidade do veículo, os americanos tomaram as notícias fraudulentas como verdade.
Sally J. Taylor escreveu em seu livro "O Apologista de Stalin" ("Stalin's Apologist", não publicado no Brasil) que as reportagens de Duranty ajudaram a convencer o Presidente Franklin D. Roosevelt a oferecer reconhecimento diplomático ao governo soviético em novembro de 1933. Segundo ela: "Duranty ajudou e apoiou um dos maiores assassinos em massa do mundo, sabendo o tempo todo o que estava acontecendo, mas se recusando a dizer o que ele sabia que era verdade".
Ainda que o trabalho de Duranty fosse uma mentira, o New York Times nunca questionou sua autenticidade e recusou as acusações de que o repórter estava inventando relatos falsos. O famoso jornalista britânico Malcolm Muggeridge escreveu em sua autobiografia:
"Se o New York Times passou todos aqueles anos dando atenção para as mensagens de Duranty, ressaltando seu trabalho mesmo quando ele era tão claramente falso… podemos ter certeza que o Times não estava sendo enganado. Ou o jornal queria ser enganado e Duranty apenas forneceu o material necessário para isso".
No cenário midiático mais centralizado que os EUA teve, no meio do séc. 20, uma história fraudulenta como essa podia ser publicada no Times e tinha mais chance de ser aceita do que de ser questionada.
A verdade não pode ser planejada centralmente
Mas o cenário midiático americano continuou se alterando e voltou a se descentralizar. E, felizmente, a Primeira Emenda é uma arma forte contra a supressão sufocante do discurso que frequentemente acontece em outras nações.
Os Pais Fundadores dos EUA acreditavam ter criado um sistema que servisse de caminho para a civilização encontrar a verdade. Sabemos que sempre haverá algo que até mesmo os mais inteligentes e sábios não entendem. Nenhum árbitro tem a capacidade, nem deveria ter a capacidade, de determinar fatos absolutos – especialmente no campo da política, filosofia e relações humanas.
Apesar das incertezas e do caos oferecidos pela nossa mídia, os americanos têm estado mais perto da verdade do que qualquer outra população. A Primeira Emenda é um dos maiores presentes da geração fundadora e foi uma característica definidora dos americanos, com poucas comparações ao redor do mundo.
Apesar da raiva que sentimentos com as fake news, os jornalistas fraudulentos e a hipérbole da mídia, a república americana vai sobreviver. No fim, os produtores dessas notícias falsas só vão danificar suas próprias reputações e levantar dúvidas sobre seu jornalismo. Felizmente, nossa liberdade não depende dos funcionários de imprensa da Casa Branca. Ela depende da Constituição e da liberdade que ela criou para proteger.
©2018 Daily Signal. Publicado com permissão. Original em inglês
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