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Para os turistas brasileiros que se deleitam nas ruas de Manhattan (ou o faziam até a pandemia parar o planeta e o dólar deixar a marca dos cinco reais para trás), é difícil imaginar que a Nova York próspera e cheia de vida já foi, num passado não muito distante, um lugar violento, com taxas de criminalidade maiores do que a de algumas grandes cidades brasileiras.
A Times Square, por exemplo, era um lugar de prostituição e tráfico de drogas. Os moradores da cidade recomendavem não andar pelo famoso Bryant Park depois do entardecer. A violência era um problema tão sério que, entre 1970 e 1980, Nova York perdeu 10% de sua população (quase 800 mil pessoas). Uma das causas da criminalidade elevada foi a atuação da máfia e de seus muito tentáculos. E essa história é contada pelo documentário "Nova York contra a máfia", lançado recentemente na Netflix.
"Nova York contra a máfia" não tem narrador: a sequência é toda conduzida pelos próprios protagonistas daqueles episódios - ex-investigadores e ex-mafiosos -, ilustrada por encenações convincentes e acompanhada por uma trilha sonora apropriada. Dividida em três capítulos, a série documental mostra como investigadores do FBI conseguiram destronar, entre os anos 1970 e 1980, a cúpula das cinco famílias que comandavam a máfia italiana na cidade: Bonanno, Colombo, Gambino, Genovese e Lucchese.
Reunidas em uma espécie de conselho supremo, os chefões de cada família dividiam atribuições e articulavam formas de se infiltrar em atividades formalmente lícitas, como os sindicatos e a indústria da construção civil. Para os investigadores, o grande desafio era provar que os chefes de cada família de fato eram responsáveis pelas atividades ilegais.
A maré só começou a mudar quando o FBI decidiu formar uma força tarefa única e grampear os líderes da máfia. Naquela época, isso exigia que os agentes entrassem nas casas dos capos mais violentos sem serem descobertos. Um dos pontos altos da série é a descrição detalhada de como essas operações foram pensadas - acompanhada pelo depoimento dos próprios agentes.
O documentário apresenta boa parte do acervo obtido com os grampos, o que ajuda a compor a atmosfera e mostrar a brutalidade dos mafiosos. Um dos grandes méritos do documentário, aliás, é fugir da tentação de mostrar a máfia como um grupo de homens elegantes, com gosto refinado, que só por acaso cometem crimes. O seriado apresenta os mafiosos como eles realmente eram: homens baixos, ávidos por dinheiro, vingativos e capazes de cometer atrocidades.
Além disso - e este é outro ponto a favor do diretor Sam Hobkinson, que evita fazer uso de estereótipos - a figura que emerge como herói nos trechos finais é a de outro ítalo-americano: Rudolph Giuliani, então um jovem promotor, que cresceu odiando a máfia por ter visto, desde pequeno, comerciantes de origem italiana extorquidos pelos criminosos. Giuliani é o mesmo que, em 1993, seria eleito prefeito da cidade e comandaria a guinada rumo à metrópole segura que Nova York se tornou nos últimos anos (além disso, ele foi o primeiro republicano eleito para comandar a cidade em três décadas).
O legado de Giuliani, mantido em grande parte pelo sucessor Michael Bloomberg, tem sido ameaçado pela postura do atual prefeito, o radical de esquerda Bill de Blasio - um apoiador do movimento Black Lives Matter e um adversário dos métodos tradicionais de policiamento. A criminalidade na maior cidade americana voltou a crescer significativamente. Neste sentido, ao relembrar os dias sangrentos da metrópole do passado, Nova York contra a máfia serve também como um alerta.