Tudo começou com uma fotografia misteriosa.
Em 2011, Mary Gainer trabalhava na parte de conservação histórica da NASA e esbarrou numa foto de 1943 na qual havia umas mil pessoas em pé diante de um prédio imenso. Gainer imaginou que os homens negros que posavam na parte da frente da foto provavelmente fossem os operários das máquinas, enquanto o restante do grupo era composto, em sua maior parte, de homens brancos de terno.
Mas, espalhadas aqui e ali, havia presenças inesperadas: Mulheres, algumas brancas e outras negras, de saias chamativas, na altura dos joelhos, e penteados no estilo Pompadour.
Gainer, que trabalhou no Langley Research Center em Hampton, Virginia, deixou sua nova estagiária, Sarah McLennan, encarregada de chegar ao fundo da questão. Eram muitas mulheres, tantas que não seria plausível imaginar que fossem as poucas secretárias empregadas à época. Ela quis saber, portanto: quem eram essas mulheres?
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Sem que Gainer soubesse, havia uma outra pessoa numa caçada parecida – só que Margot Lee Shetterly estava um passo à frente dela. O pai de Shetterly trabalhou como cientista no Langley na época, e, por isso, tendo crescido durante os anos 1970 e 1980, ela tinha consciência da história das mulheres negras da NASA.
“Tinha essas mulheres, e eu cheguei a conhecê-las, e meu pai trabalhou com elas e elas frequentavam a nossa igreja e seus filhos iam à minha escola”, ela disse por telefone, do conforto do seu lar em Charlottesville. “Foi meu marido que disse, ‘Que história é essa? Como que eu nunca ouvi falar dela?’”
De repente, ela se deu conta de que essa era uma história muito especial: mulheres negras, vivendo no estado da Virginia da época da lei Jim Crow (lei que tornava a segregação racial algo legalizado no Sul dos Estados Unidos), foram contratadas pela NASA para lidar com a matemática e fazer as pesquisas que colocariam homens no espaço.
Shetterly começou a investigar e entrou em contato com Gainer, cuja estagiária estava compilando histórias orais de ex-funcionários sobre suas famílias. O livro de Shetterly sobre esses gênios da matemática, “Hidden Figures” [Números Ocultos, em tradução livre], saiu em 2016. Em janeiro do mesmo ano, uma versão para o cinema chegou às telonas, com um elenco que inclui Taraji P. Henson, Octavia Spencer e Janelle Monáe.
E foi assim que uma parte da história que quase acabou se perdendo pôde se tornar parte do conhecimento comum.
Shetterly e todos os seus vizinhos conheciam as histórias dessas mulheres.
“Ao crescer no Hampton, a cara da ciência era negra como a minha”, diz Shetterly em seu livro.
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Mas, naquele mesmo lugar onde esses prodígios trabalharam, a história estava desaparecendo.
“Computadoras”
Todo mundo sabe que cara tem um computador: temos a CPU, o monitor, o teclado, o mouse. Mas, em meados do século passado em Langley (que foi parte do que foi o antecessor da NASA, o NACA (National Advisory Committee for Aeronautics), o nome trazia à tona uma imagem diferente. As mulheres que usavam lápis e papel para calcular os dados de testes de túnel de vento, entre outros tipos de pesquisa, é que eram chamadas de computadoras. As primeiras foram contratadas em 1935, e o ramo cresceu muito por conta da falta de mão de obra causada pela Segunda Guerra Mundial. Em outras áreas, conforme os homens foram voltando do além-mar, as mulheres voltaram também aos seus papéis mais tradicionais no lar, mas não em Langley. As computadoras se tornaram inestimáveis, conforme as necessidades dos desenvolvimentos de aeronaves foram dando lugar a um tipo diferente de batalha: a corrida para chegarmos à lua antes dos russos.
As mulheres que faziam esses trabalhos podem não ter tido a sensação de que estavam fazendo um trabalho relevante. Contentavam-se apenas por terem um emprego que pagava melhor do que as alternativas – professora e enfermeira. Esses trabalhos eram classificados como “subprofissionais”, mesmo que exigissem conhecimentos especializados de matemática.
Agora, parece que é a hora certa para que esta história ressurja. “Vem havendo um movimento nas últimas décadas para diversificar a história da computação”, disse McLennan, a ex-estagiária, que agora é professora assistente convidada na Virginia State University. “As histórias mais antigas desse tipo de coisa giram em torno das inovações tecnológicas ou das grandes empresas, mas não necessariamente prestam atenção ao seu aspecto social”.
Os créditos pela velocidade com a qual o filme acabou sendo feito, Donna Gigliotti, a produtora do filme, concede ao interesse que se tem atualmente em encorajar as mulheres para estudarem ciência e matemática. É raro que uma produtora possa escolher fazer um roteiro com base apenas numa proposta de 55 páginas, mas foi o que Gigliotti fez.
“De fato, dá para sentir isso no Zeitgeist”, disse Gigliotti.
Qualquer que seja o motivo, Shetterly está feliz, diz ela, porque as pessoas podem conhecer não só os John Glenns do mundo, mas toda a equipe que o ajudou a ir aonde ele foi.
“Queremos histórias grandiosas, é claro, desses grandes homens, mas existe drama também e interesses e lições a serem aprendidas nas ações que pessoas como nós tomam diariamente”, ela disse.
“A história acontece assim que eu pego meu café – aconteceu faz trinta segundos. Já é história”.
Uma dessas pioneiras foi Katherine G. Johnson. Ainda mora em Hampton, agora com 99 anos, e, de todas as computadoras, ela acabou se tornando a de maior destaque. Em 2015, ela ganhou a Medalha Presidencial da Liberdade, teve um prédio batizado com seu nome e um banco de praça dedicado em sua honra. No fim de agosto de 2016, no seu aniversário, a hashtag em sua homenagem #HappyBirthdayKatherineJohnson começou a fazer sucesso no Twitter.
Como muitas outras computadoras, Johnson cursou matemática na faculdade. Foi uma das três alunas da pós-graduação a causar a dessegregação da West Virginia University em 1940, mas o casamento e a família descarrilaram seus planos de buscar uma formação mais avançada. Na NASA, ela trabalhou na tarefa de vida ou morte que era determinar os tempos do lançamento dos foguetes. Seus cálculos ajudaram a mandar Alan Shepard para o espaço e o orientaram com sucesso em seu retorno à Terra; eles fizeram Neil Armstrong pousar na lua e o trouxeram de volta para casa.
Segundo sua filha Joylette Hylick, porém, ela nunca foi de falar muito do trabalho.
“Voltar para casa e começar a falar de equações complexas não daria muito certo com adolescentes”, explicou Hylick. Além disso, “tínhamos as nossas atividades – igreja, esportes, aulas de música e tudo o mais, era uma vida bem cheia. Ela não era de ficar em casa, mas também não era uma workaholic no sentido de tudo na sua vida girar em torno disso”.
Quando lhe perguntaram sobre suas conquistas, Johnson, que é um prodígio que se formou do ensino médio aos 14 anos, costuma se desviar do tema em todas as entrevistas. Shetterly conta que Johnson lhe disse, de novo e de novo, que “eu estava só fazendo o meu serviço” (Johnson não estava disponível para comentar esta história).
Foi só bem depois, na idade adulta, que Hylick se deu conta da importância do trabalho de sua mãe.
Afinal, ela foi uma pioneira em meio à discriminação da época. O primeiro grupo de mulheres negras da NACA era segregado do grupo das computadoras brancas, e elas tinham de usar banheiros diferentes. Na hora do almoço, na cantina, elas eram relegadas a uma mesa com um cartaz de papelão que dizia “computadoras de cor”. Uma das mulheres, Miriam Mann, tirou o cartaz da mesa, escondeu-o em sua bolsa e o guardou em casa. A princípio, eles foram colocando outros cartazes substitutos, mas porque Mann não parava de jogá-los fora, eles pararam. Foi a primeira de muitas vitórias.
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