A inteligência artificial vai tornar os computadores máquinas conscientes e criativas? As pessoas vão perder seus empregos para as máquinas? Qual é o limite entre privacidade na rede e acesso a serviços personalizados? As redes sociais são realmente neutras? Estes foram alguns dos assuntos debatidos entre o professor, teólogo e PhD Jay Richards, autor de livros como “The Price of Panic” e “The Human Advantage”, e o economista e investidor George Gilder, escritor de “Life After Television” e “Life After Google” no Acton University 2020.
A palestra “Tecnologia, Liberdade e o Futuro” começou com uma discussão a respeito do que é inteligência artificial. O termo foi classificado por Richards como “um dos maiores sucessos de marketing de todos os tempos” e traz à mente a inevitável imagem de robôs autônomos fazendo tarefas antes restritas aos humanos e computadores criando a própria consciência. Mas, por trás desse verniz distópico a realidade é bem menos empolgante.
“Essa ideia interessante de que essas máquinas não necessariamente serão como nós, mas que podem nos substituir ou até nos superar é parte desse problema, mas também nos deixa empolgados. De forma bem simples, a inteligência artificial é uma forma de tecnologia que de certa forma imita uma parte do comportamento humano. Quando você faz uma busca no Google está usando essa inteligência artificial. A inteligência artificial é uma combinação de centenas de milhões de agentes realmente inteligentes que constantemente estão dando entrada de dados no sistema e um algoritmo que fica esperando que estes agentes tomem decisões diferentes. Por isso que esse sistema é tão bom. O Google não está adivinhando o que você quer buscar, mas sim replicando o comportamento de outros milhões de pessoas que fizeram buscas semelhantes.”
As chances de a humanidade ter que lidar com um sistema inteligente de autômatos e máquinas como a Skynet (antagonista principal da série de filmes Exterminador do Futuro) parecem poucas, na avaliação de Richards. Para isso, segundo ele, seria preciso de alguma forma deixar para trás o corpo mortal e “fazer o upload de nós mesmos em um novo hardware”. Isso, porém, não quer dizer que não haverá um aumento considerável na automação de tarefas e mudanças nas relações de trabalho.
“Se você olhar para o que está acontecendo de verdade, o que estamos fazendo com a tecnologia, não há por que esperar que as máquinas se tornem conscientes. Seria como esperar que um trator se tornasse um boi. Isso não faz sentido. Daí surge essa preocupação de um levante dos robôs automatizados. Eu digo: tudo o que puder ser automatizado será automatizado. Muitas das nossas rotinas no século 20, rotinas de trabalho em escritórios, ou mesmo o trabalho nas fábricas, onde as pessoas estão realmente fazendo tarefas simples e repetitivas. Os socialistas reclamam do trabalho das máquinas, mas as pessoas já vêm fazendo isso. Esse tipo de arranjo de trabalho do século passado tende a desaparecer”.
Isso é ruim? Não para Richards. “A automação não vai substituir nosso trabalho mental, e nem mesmo vai substituir todo o nosso trabalho físico. E isso não vai acontecer porque as máquinas não são agentes inteligentes. Eles podem armazenar, processar e transmitir informação. Mas essa informação é apenas uma sequência de bits. Não é algo que tenha valor criativo. O único lugar onde as coisas realmente criativas podem ser criadas é na mente humana, na mente de seres realmente inteligentes, e eu incluo Deus nessa lista. Nós somos os únicos seres capazes de criar informações novas e com valor. E a economia da informação tem como foco essa área de que vai permitir às máquinas fazer tudo o que elas puderem. Nós temos uma visão distorcida sobre o que isso quer dizer, e estamos ficando com medo de coisas que não deveríamos temer”.
George Gilder foi além, e relembrou dos primórdios da computação e da importância de agentes externos à máquina. Tais fatores, apontou o escritor, foram esquecidos pelo Vale do Silício. A criatividade é inerente aos humanos, disse, e não pode ser replicada pelos computadores.
“A criatividade sempre diz respeito a algo que vai nos surpreender. Essa é a definição, na verdade. Mas o modelo do Google é baseado na premissa de um universo determinista. Não há nada lá fora além de física e química. Isso não funciona, vai dar errado, essa ideia toda de que não há uma inteligência no universo e sim uma flutuação aleatória de física e química. As pessoas do Vale do Silício se esqueceram dos conceitos básicos da ciência da computação. E veio Alan Turing e inventou o modelo universal de computação. E Turing mostrou que qualquer computador precisa depender de um oráculo – era assim que ele chamava. A única coisa crucial sobre esse oráculo é que não podia ser uma máquina. Todos esses modelos físicos, químicos, são deterministas, proíbem a criatividade e proíbem a informação. Máquinas deterministas, em um critério mais técnico, não conseguem nos surpreender se nós conhecermos sua lógica determinista. Dá para prever todo um futuro baseado no passado. Os homens do Vale do Silício parecem ter perdido essa noção tão presente nos pais da computação”, pontuou
O cliente é o produto
Ao aceitar todos os termos e condições de uso de softwares, plataformas e redes sociais, muitas vezes o usuário acaba cedendo mais informações do que gostaria às empresas, e nem sempre se dá conta disso. Um dos casos mais recentes envolve o aplicativo FaceApp, popular por permitir ao usuário alterar as fotos para parecer mais velho ou mesmo como ficaria se fosse do sexo oposto. Em 2019 o Procon de São Paulo aplicou multas milionárias às lojas de aplicativos da Apple e do Google por falta de clareza nas políticas de privacidade do aplicativo.
Para Gilder, qualquer aplicativo gratuito do Google que ele possa usar é muito mais valioso do que os dados que ele possa ter cedido à empresa. “Existe uma hipersensibilidade sobre qualquer tema que trate de privacidade, e acho isso estúpido, não aceito”, afirmou. Já Richards fala em uma certa condescendência dos usuários com essa cessão de dados e preferências em troca de benefícios.
“Acredito que as pessoas não têm uma exata noção disso quando pensam ‘OK, eu concordo que meus dados possam ser usados para moldar a publicidade que chega até mim’. As pessoas não ligam, eu mesmo prefiro receber publicidade direcionada e deixar de ver algumas coisas que não me interessam. Não acho que seja grande coisa, que seja algum tipo de manipulação, desde que as pessoas saibam que isso está sendo feito. Tem uma coisa a que as pessoas poderiam estar mais atentas que é essa troca de informações por publicidade, ou por um mecanismo de busca mais eficiente, ou melhores recomendações de filmes on demand. Isso é o que fazemos, e isso tem um preço, que é dar a essas empresas informações sobre as nossas preferências”, avaliou.
Neutralidade nas redes sociais
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acusou o Twitter de interferir nas eleições presidenciais de 2020, após a rede marcar uma de suas publicações com um alerta de checagem de fatos. O alvo na notificação da plataforma foram postagens do presidente em que ele apontava possibilidade de fraudes na votação pelos correios – procedimento permitido pelas leis eleitorais americanas.
A resposta veio na forma de uma espécie de decreto, em que Trump modificou o trecho que uma lei que estipulava que as plataformas não seriam responsabilizadas pelo conteúdo postado pelos usuários.
Gilder se mostrou bastante irritado com tal medida. “Nós estamos é sendo enganados pelos políticos que querem tornar as empresas responsáveis por bilhões de postagens de usuários em suas plataformas, tornando Google, Facebook e Amazon responsáveis pelo que os seus clientes fazem. Esta é uma das políticas mais estúpidas, mais idiotas que eu já vi. Isso é impossível. Se você tornar as empresas responsáveis por todo o discurso de ódio, fake news elas vão poder controlar tudo e todos. Nós vamos viver em uma paranoia. Esse será o pior erro do governo ainda mais em períodos como esse que vivemos”.
A avaliação de Richards segue um caminho contrário. Segundo o teólogo as redes nunca foram neutras. “[Google e Facebook] Estão direcionando buscas, direcionando publicidade, banindo um certo tipo de usuário que segue um certo tipo de orientação política. Então não é justo que estas plataformas sejam tratadas como neutras. Se começar a haver um controle governamental sobre essas plataformas vai ser um desastre total, eu concordo. Mas eles são editores de conteúdo, e precisam ser tratados como tal, sem os benefícios de uma legislação que os trata como plataformas neutras. Eu gostaria de ver isso no Google e no Twitter, que eles parassem de dar informações enviesadas sobre determinados assuntos e tentar banir e calar as pessoas que discordam desse viés”, comentou.
Segurança na rede
Ao responder uma pergunta sobre a segurança na rede, Gilbert trouxe um dado impressionante. Por dia, segundo o investidor, mais de US$ 6,7 trilhões são transacionados pela internet. O valor representa 25 vezes todo o PIB mundial, e circula em um meio onde só em 2019 foram registrados mais de 8 bilhões de ataques cibernéticos. A saída? Aumentar a segurança das transações por meio do sistema de blockchain. E uma das maiores revoluções da economia, quem diria, está sendo capitaneada pela China.
“[Esse total de transações] Cresceu 30% nos últimos três anos. A internet está sujeita a ataques, e a solução para esse problema de segurança é o blockchain. Está se criando novas bases para a internet onde os usuários têm acesso a identidades únicas mais seguras que lhes permitem ter um maior controle sobre essas transações financeiras feitas na rede. Ironicamente, a China comunista foi uma das primeiras a lançar uma plataforma nacional de blockchain e uma nova moeda digital associada à essa plataforma de blockchain. E isso é vergonhoso, porque eles estão se movendo muito mais rápido que nós americanos nessa direção. Não acredito que o comunismo vai se basear nesse sistema seguro de identidades únicas e impenetráveis dos indivíduos, mas é isso o que eles estão fazendo por lá”, comentou.
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