Londres, Inglaterra, quatro de outubro de 1936. A União Britânica de Fascistas (UBF), fundada pelo político Oswald Mosley, inicia uma passeata. O grupo, de pouco mais de 300 pessoas, se vê diante de centenas de comunistas, anarquistas e socialistas, que interrompem a marcha utilizando bombas caseiras e pedras. A polícia reage, apenas para recuar, junto com os membros da UBF. O incidente deixou aproximadamente 170 feridos e ficou conhecido como Batalha de Cable Street.
Charlottesville, Estados Unidos, 11 de agosto de 2017. Manifestantes neonazistas se reúnem para uma conferência batizada Unite the Right. Seguem na direção do parque Emancipation e são barrados por manifestantes utilizando sprays com produtos químicos e bexigas cheias de tinta. Na confusão que se estabelece, cerca de 30 pessoas são feridas. No dia seguinte, a tensão permanece, e o supremacista branco James Alex Fields Jr. arremessa seu carro na direção dos manifestantes adversários, provocando uma morte.
Separados pelo Oceano Atlântico e por 80 anos de diferença, os dois incidentes deixam claro que a estratégia dos antifas não mudou: reagir com violência a manifestações de direita. Surgido na década de 1920, na Europa, num contexto de pós-Primeira Guerra e com o comunismo recém-instalado na Rússia, o movimento ficou conhecido por esse apelido, que significa “antifascistas”. Um dos mais antigos desses, grupos, o Antifaschistische Aktion, surgiu na década de 1920, por iniciativa do Partido Comunista Alemão.
Lista de ataques
Tecnicamente, é difícil definir os antifas como um grupo organizado, porque suas ações não parecem ser conduzidas por uma liderança formalmente estabelecida. “Antifas são pessoas que militam contra o fascismo”, explica o pesquisador Mark Brey, autor de Antifa: The Anti-Fascist Handbook. “É uma atividade socialmente revolucionária de oposição a grupos de extrema direita, orientada para a ação sem recorrer à polícia ou ao Estado”, prossegue ele. “Geralmente tem foco na esquerda radical”.
O modo de agir, de fato, mudou pouco. “Os antifas do século 21 agem de forma semelhante aos do pós-guerra, ainda que a esquerda tenha mudado muito depois da Segunda Guerra Mundial”, afirma Mark Brey. “O antifascismo do entre guerras tinha uma orientação cultural e política diferente”.
A Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, mantém o START, o Consórcio Nacional para o Estudo do Terrorismo e de Respostas ao Terrorismo. Um de seus pesquisadores, Gary LaFree, professor do departamento de Criminologia e Justiça Criminal da universidade, argumenta: “Antifas não são um grupo, são mais um movimento social”. Ainda assim, diz ele, “ao redor do mundo aconteceram atentados terroristas que nós atribuímos a organizações antifascistas. A mais conhecida delas é a GRAPO, o Grupo de Resistência Antifascista Primeiro de Outubro, que era muito ativo na Espanha”. Nos Estados Unidos, diz ele, as manifestações antifas surgiram em reação ao presidente Donald Trump.
O START não considera os antifas terroristas, porque considera que o movimento não concretiza todos os pré-requisitos necessários para ser considerado assim – as vítimas das agressões não são intencionais, por exemplo. Ainda assim, o grupo mantém listas atualizadas de episódios de violência envolvendo grupos antifascistas.
Casos nos EUA
São listados ali centenas de episódios, a maioria sem vítimas fatais, acontecidos especialmente na Espanha, desde a década de 1970 – oficialmente, o GRAPO se dissolveu em 2007, com a prisão de seis integrantes, mas há indícios de que seus membros ainda estejam ativos. Os alvos preferidos dos antifas são prédios do governo, delegacias de polícia e, eventualmente, lojas de proprietários acusados de apoiar políticas supostamente fascistas. Mas a lista não inclui os casos de violência cercando o encontro do G20 em Hamburgo, em 2017, nem os vários incidentes registrados nos Estados Unidos nos últimos três anos. “Ainda não temos números de incidentes violentos ocorridos em território americano”, afirma Gary LaFree.
Peter Beinart, professor de ciência política da City University de New York, escreveu em reação aos incidentes envolvendo antifas no país, que o embate violento apenas gera um estado de confronto público e constante: “Como o movimento é amplamente composto por anarquistas, seus ativistas têm pouca fé no Estado, que eles consideram cúmplice do fascismo e do racismo. Eles preferem ação direta”.
O analista lembra de um incidente recente: em Portland, o Festival das Rosas, realizado desde 1907, passou a incluir, em 2007, um desfile de membros do Partido Republicano do condado. Em 2017, esse desfile teve que ser cancelado. O prefeito alegou que, diante das ameaças de antifas, não podia garantir a segurança da comunidade.
A consequência, diz ele, é que “apoiadores de Trump e nacionalistas brancos veem os ataques dos antifas como uma agressão a seu direito de se reunir livremente. O resultado é um nível de conflito aberto de motivação política que não víamos nos Estados Unidos desde os anos 1960”, ele prosseguiu – o artigo é de 2017, mas parece ecoar as manifestações violentas registradas nos últimos dias nos Estados Unidos.
Situação no Brasil
A legislação brasileira permite considerar os antifas terroristas? Não, responde o juiz federal Marcos Josegrei da Silva, da 9ª Vara de Curitiba, o primeiro magistrado do país a julgar suspeitos segundo a lei antiterrorismo.
“O Brasil, ao contrário de algumas outras nações, adotou um conceito legal restrito de terrorismo, em que as razões para a prática da ação terrorista integram a previsão do crime e, para a caracterização da ação como terrorista, exige-se a comprovação de sua presença”, explica. “Assim, a Lei Antiterrorismo brasileira (Lei 13.260/16) apenas permite caracterizar como terroristas o ato ou a organização que busquem causar terror social ou generalizado expondo a perigo pessoa, patrimônio ou a paz social desde que tenham como motivação a xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia ou religião”.
A legislação, continua o juiz Josegrei, “expressamente vedou a aplicação da lei ‘à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios’”.
Logo, prossegue o juiz, as ações dos antifas, “ainda que eventualmente possam causar danos ao patrimônio, tumultos e riscos à saúde ou à integridade física de terceiros, não podem ser equiparados, de acordo com a lei brasileira, a organizações terroristas”. Podem ser, sim, responsabilizados pelas consequências de seus protestos, e acusados de crimes como lesão corporal, dano, ameaça, desacato. Mas não de terrorismo.
O magistrado lembra que existem projetos de lei tramitando no Congresso Nacional que poderiam mudar essa situação – especificamente o PL 3019/2020, protocolado pelo deputado Daniel Silveira, que nominalmente considera grupos antifascistas como organizações terroristas. A mudança depende da tramitação nas duas casas e da sanção presidencial.
E se Jair Bolsonaro decidisse declarar por conta própria os antifas terroristas, como ameaçou o presidente americano Donald Trump? No Brasil, sozinho, explica o juiz, “o presidente da República não possui competência constitucional para estender os efeitos da lei para grupos que, a seu juízo, são considerados terroristas ou nocivos à coletividade”.
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