Na noite calma do sábado de 20 de abril de 1889, em um apartamento em cima de uma cervejaria numa pequena cidade austríaca próxima da fronteira com a Alemanha, a filha de um fazendeiro, casada com seu primo de segundo grau, deu a luz para seu quarto filho. Ele seria o primeiro a sobreviver a infância. Eles o chamaram de Adolf.
Klara Hitler (Pozl em nome de solteira) tinha 29 anos. Ela era uma obediente dona de casa para seu marido Alois, que era bem mais velho que ela. Ela chegou até a trabalhar para ele antes de se tornar sua terceira esposa. Alta, com um rosto comprido e um sorriso gentil, Klara era quieta e tímida. Alois, funcionário público, era inflexível, mal humorado e autoritário.
Enquanto Adolf crescia, Klara passava as noites de pé do lado de fora do quarto do menino, ouvindo Alois bater nele. Paula, irmã mais nova de Adolf, lembrou dessas noites anos depois em um relato para oficiais americanos que investigavam os atos monstruosos que ele cometeria depois.
Ele era um traste raquítico
“Ele era um traste raquítico”, disse Paula sobre seu irmão, “e todas as tentativas do pai de acabar com suas grosserias foram em vão”. Mas a mãe deles sempre estava lá depois, para cuidar dele e oferecer carinho. “Minha mãe”, conta Paula, “era uma pessoa muito gentil e carinhosa, era um elemento de compensação com um pai tão exigente”.
Alois morreu em 1903, vítima de uma parada cardíaca enquanto bebia a primeira dose da manhã. Klara se tornou uma mãe solteira, tolerando, aparentemente sem questionar, o filho desobediente e teimoso.
“Paraíso ocioso”
Adolf não ia bem na escola e em quase nada que fazia. Em 1905, quanto tinha 16 anos, ele fingiu estar doente para “convencer a mãe que ele não deveria permanecer na escola e largou seus estudos sem ter um plano de carreira feito”, escreveu o historiador Ian Kershaw na biografia “Hitler”. “Adolf vivia num paraíso ocioso - recebia fundos e cuidados de sua amorosa mãe”.
Klara, sua irmã Johanna e Paula foram responsáveis por permitir a existência preguiçosa de Adolf, se preocupando com suas “necessidades, roupas limpas e comida pronta”, diz Kershaw.
Adolf fantasiava em se tornar um músico e artista. Klara comprou para ele um grande piano. Ele desenhava, pintava e escrevia poesia. De noite, ia com frequência ao teatro, muitas vezes com a companhia da mãe. Ele inclusive comprava uma entrada para ela de presente de aniversário todos os anos.
Adolf vivia num paraíso ocioso - recebia fundos e cuidados de sua amorosa mãe
“É uma espécie de milagre”, afirma Kershaw, “que Hitler se referisse a esse período como os ‘dias mais felizes, que pareciam um sonho dos mais bonito’”.
Até que Klara ficou doente.
Com dor no peito, ela foi se consultar com o médico da família, o judeu Eduard Bloch. Em 1907, ele diagnosticou o câncer de mama de Klara, dizendo para ela e Adolf que era necessário fazer uma mastectomia. O futuro Führer soluçou. Klara lutou durante a dolorosa cirurgia e o tratamento ainda mais doloroso em casa, em que passava iodofórmio nas feridas (na época, acreditava-se que o desinfetante era cicatrizante).
Aparentemente, seu amor pela sua mãe era uma das suas características principais. Nunca presenciei uma conexão tão profunda
“Meu irmão Adolf mimou muito minha mãe nesse período da vida dela”, relatou Paula para o exército. “Ele era incansável para cuidar dela, atendia todos os seus desejos e fez de tudo para demonstrar seu amor”.
O médico Bloch também falou desse amor anos depois em sua memória. “Aparentemente, seu amor pela sua mãe era uma das suas características principais”, escreveu. “Nunca presenciei uma conexão tão profunda”.
A Klara dormia na cozinha, a parte mais quente do apartamento, então seu filho dormia lá também. A doença de Klara pareceu dar um foco para o filho, que deixou para trás sua desobediência. “Ele iria brigar com Paula por ter ido mal na escola e a fez jurar na frente da mãe que se tornaria uma aluna melhor”, escreveu o historiador John Toland no livro “Adolf Hitler: The Definitive Biography”.
Nunca vi alguém tão prostrado pelo luto como Adolf Hitler
Mas Adolf não poderia ter sucesso no que mais queria - salvar sua mãe. No fim de dezembro de 1907, quando a manhã ainda era escura exceto pelas luzes de Natal que piscavam, Klara faleceu. Ela nunca saberia o que seu filho se tornou.
Bloch chegou com o nascer do sol para assinar o certificado de óbito. Toland escreve que o médico encontrou Adolf com o rosto muito pálido ao lado da mãe. “Em um caderno estava um retrato de Klara, uma última memória”. Bloch tentou consolar Adolf.
“Em toda minha carreira”, escreveu o médico, “nunca vi alguém tão prostrado pelo luto como Adolf Hitler”.
Adolf estava agradecido pelo cuidado demonstrado pelo médico. “Eu serei eternamente grato ao senhor”, afirmou se curvando para Bloch. A família do médico recebeu cartões postais de Adolf por muitos anos depois disso. Um periódico médico de Israel documentou essa relação em um artigo de 2014. “A família Hitler deseja os melhores votos de um Feliz Ano Novo, em gratidão eterna”, escreveu Adolf.
A família Hitler deseja os melhores votos de um Feliz Ano Novo, em gratidão eterna
Em 1937, o Führer fez perguntas para o partido nazista da Áustria sobre o “Dr. Bloch - se está vivo e, se sim, se ainda está praticando a medicina”. O Führer o chamou de um “judeu nobre”, dando para ele e a família um salvo conduto, que permitiu que chegassem no Bronx ao invés de uma câmara de gás. Alguns historiadores questionaram a história de Bloch, principalmente por não acreditarem em tal milagre.
Existem mistérios constantes sobre os motivos de Adolf Hitler ter se tornado um monstro que matou milhões. A pergunta foi repetida muitas vezes. Era por causa do pai? Foi por que um médico judeu não conseguiu salvar sua mãe? Houve um aspecto freudiano que encadeou tudo isso? Ou ele era insano?
Sua mãe pode ter sido, na realidade, a única pessoa que ele realmente amou em toda a sua vida
No fim, são apenas teorias.
Exceto por Klara.
“Ele tinha uma imagem nos seus últimos dias no Bunker”, escreveu Kershaw. “Havia um retrato dela nos seus quartos de Munique, Berlin” e qualquer lugar. “Sua mãe pode ter sido, na realidade, a única pessoa que ele realmente amou em toda a sua vida”.