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A mulher que desafiou feministas e conservadores e defendeu o egoísmo

A filósofa russa Ayn Rand, autora do romance A Revolta de Atlas | Divulgação
A filósofa russa Ayn Rand, autora do romance A Revolta de Atlas (Foto: Divulgação)

“Quem é John Galt?” Com seu alcance potencializado pelas redes sociais, essa penetrante pergunta, uma referência ao personagem do romance A Revolta de Atlas, tem sido constantemente disseminada, mesmo 35 anos após a morte da mulher que a inspirou. Os recentes embates políticos só fizeram incrementar a presença, no imaginário de certos segmentos liberais e libertários americanos, dos conceitos elaborados pela russa Ayn Rand. 

Nascida sob o tzarismo em 1905 e vivendo a juventude sob o totalitarismo soviético, tendo presenciado a centenária Revolução Russa aos doze anos e partido para os Estados Unidos em 1926, essa mulher se tornou romancista, dramaturga, roteirista e filósofa naquele que Paul Johnson chamou de “século do coletivismo”. 

Experimentando ambientes tão distintos quanto o americano – de uma pujança que, conforme sua biógrafa Anne Heller, a deixou em lágrimas – e o de sua terra natal, ela desenvolveu um sistema de pensamento próprio, disposto a desafiar as mais diversas posições políticas e sociais – dos conservadores às feministas. 

Se polêmica é uma palavra inevitável quando o assunto é Ayn Rand, ainda pairam muitas desinformações sobre suas teses. Afinal, por que alguém declararia que o “altruísmo” é não apenas “imoral”, como também o principal inimigo a ser derrubado? 

O Objetivismo e o egoísmo racional 

Em suas principais obras, como o próprio A Revolta de AtlasCapitalismo: Um Ideal desconhecido, Ayn Rand organizou aquilo que, para muitos acadêmicos, como o professor de Filosofia David Sidorsky, permaneceu como um sistema majoritariamente desprestigiado nos círculos universitários, mais valorizado pelos estudantes do que pelos professores: o Objetivismo. 

Divulgado por comunicadores como Rush LinbaughRick Santelli e por professores e ativistas ligados ao Ayn Rand Institute e à Atlas Society, o Objetivismo tem conseguido avanços na alteração desse quadro. 

Objetivo desde o nome, o Objetivismo é uma filosofia de vida que se propõe a orientar a postura dos seus seguidores diante dos diversos problemas do mundo e da existência. O instrumento para isso seria a lógica, porque os fatos apresentados pela realidade são objetivamente reais – em outras palavras: o mundo é exatamente o que vemos. 

Com isso, Rand rechaçava qualquer forma de crença no transcendente ou em Deus – para ela, uma ideia “completamente falsa”. A morte? Apesar de reconhecer o sofrimento com a perda de um ente querido, Rand era enfática sobre o próprio desaparecimento: “não me preocupo em nada sobre isso, pois não estarei aqui”. 

Todas as religiões, para Rand, são potencialmente perigosas, estimulando seus seguidores a dispensar o que ela julgava o único mecanismo aceitável para fundamentar uma afirmativa: a pura e simples razão. Não só as religiões: a maioria dos filósofos, com algumas exceções, como Aristóteles, é responsável pelos problemas do mundo contemporâneo, tendo desenvolvido variadas formas de defesa da mais terrível das imoralidades: o “altruísmo”. 

O egoísmo racional, definido por Rand como “o interesse genuíno e de longo prazo do indivíduo que requer que o homem pense em produzir e prosperar ao comercializar com os outros”, sempre “de forma voluntária” e, consequentemente, para o “benefício mútuo”, é o principal postulado moral objetivista. 

Aqueles que defendem a caridade, o auto sacrifício e a abnegação como padrões da virtude são culpados pelo agigantamento das burocracias estatais e os verdadeiros criadores dos regimes totalitários. “O comunismo é baseado no altruísmo”, ela resume. Até mesmo o ato de ensinar não deveria jamais ser um ato altruísta. Rand dizia que ensinava para ter a “vantagem pessoal” de viver em meio a pessoas cultas e bem informadas. 

Por isso, para os objetivistas, o capitalismo com ampla liberdade econômica é o melhor sistema político. Ludwig Von Mises, ícone dos economistas liberais e libertários da Escola Austríaca, comentou em uma correspondência para Rand que sua obra havia expressado o que nenhum político jamais ousou dizer às massas: 

“vocês não seriam nada sem os capitalistas, e todas as melhorias nas suas condições de vida, tudo aquilo que vocês simplesmente assumem como coisa corriqueira, como fato consumado, vocês devem unicamente aos esforços de homens que são melhores do que vocês”. 

Ao mesmo tempo, Rand rejeitava o anarquismo – “uma abstração ingênua, sem base na realidade”, que reduziria a sociedade “ao caos de uma guerra de gangues” -, o conservadorismo – cujos argumentos em defesa do capitalismo são, para ela, “argumentos de fé” e não racionais - e o feminismo – “um movimento falso, de origem na esquerda-marxista” e um bando de “parasitas” dispostos à extorsão através do poder político, assim como o movimento negro. A pensadora também se pronunciou a favor da legalização do aborto e contra ações afirmativas

Personalidade e impacto na cultura popular 

Alguns poderiam supor, a partir das suas posições iconoclastas, que Rand era uma personalidade intragável ou “sem graça”. De fato, o economista Milton Friedman a definiu como uma pessoa de temperamento “intolerante”, ainda que uma grande divulgadora das ideias liberais e individualistas. Porém, a mulher que o próprio Mises alcunhou de “o homem mais corajoso da América” também sabia provocar risadas no público

As gargalhadas apareciam principalmente quando o assunto era o feminismo. Rand chegou a pontuar em entrevistas que, quando questionada a respeito, se dizia uma declarada “machista” e que mulheres deveriam procurar outras coisas para fazer em vez de serem “estivadoras ou jogadoras de futebol”. Comentou ainda que foram os “hippies” que começaram a decadência dos bons modos e que teria satisfação em encontrar um adversário honrado à sua altura, mas “perdeu as esperanças”. 

A felicidade, para Ayn Rand, estava na sua realização profissional e no “amor romântico” com seu marido. Essa relação de romantismo, associada à dedicação constante a atividades criativas, são características que não costumam ser associadas a uma personalidade desinteressante. 

Influenciando figuras de todos os tipos, como a atriz Angelina Jolie, o ator Vince Vaughn, o desenhista de histórias em quadrinhos Steve Ditko, a ministra da Justiça de Israel Ayelet Shaked, o criador da série Star Trek, Gene Rodenberry, e o fundador da Igreja do Diabo, Anton La Vey, Ayn Rand segue conquistando atenções porque conseguiu emplacar sua mensagem através do universo lúdico dos romances. 

Uma pesquisa em 1991, que tinha entre os organizadores a própria Biblioteca do Congresso americano, revelou que A Revolta de Atlas ficava apenas atrás da Bíblia como livro mais influente sobre o público. A vida de Ayn Rand já foi tema de documentário e até filme televisivo – respectivamente, em 1997 e 1999. 

Na série de games de tiro BioShock, o personagem Andrew Ryan é uma referência a Ayn Rand, expressando opiniões objetivistas. Também na clássica HQ da editora Marvel, Guerra Civil, uma personagem aparece lendo a obra mais famosa da russa. Nem a fronteira da música permaneceu intocada: Neil Peart, baterista da banda canadense Rush, compôs canções em homenagem aos seus livros e sua filosofia

No Brasil, foi criado em julho o portal Objetivismo Brasil, com a proposta de ser o principal divulgador do sistema filosófico para o público nacional. O site já conta com traduções de entrevistas para televisão e artigos escritos por adeptos, de estrangeiros a brasileiros, entre eles o empresário Roberto Rachewsky, colunista do Instituto Liberal e fundador do Instituto de Estudos Empresariais. 

Também há novidade para os admiradores da obra dramatúrgica de Rand: sua peça “A Noite de 16 de Janeiro”, encenada no país em 1948, com Paulo Autran no papel principal, será reapresentada no ano que vem sob a direção de ninguém menos que Jô Soares.

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