Após a Guerra Fria, a direita abandonou a luta pelas ideias. O terreno cultural foi completamente cedido à esquerda. Universidades, escolas, teatro, cinema, música, livros, humanidades, ciências... A esquerda não conseguiu se apoderar das estruturas econômicas do Ocidente (por meio das quais, segundo Marx, é possível uma revolução), mas o fez com tudo o mais, entre outras coisas, porque a direita cedeu sem hesitar.
Com o mundo das ideias e da cultura nas mãos, a esquerda nunca deixou de se afirmar de esquerda. Nunca teve vergonha do que foi, do que é e do que pode ser. A direita, por outro lado, quis desconsiderar sua própria identidade e trocá-la por um tecnocratismo economicista que, embora afirmasse “não ser de direita”, mostrava seus gráficos de barras, suas planilhas de Excel, suas estatísticas e números com os quais toda identidade política, toda épica, toda comunicação efetiva com o povo foi sepultada.
Assim, carecendo de um significante que servisse de ponto de referência comum, a direita (que deixou de ser “direita” e por isso mesmo se tornou carente) ficou fragmentada em uma pluralidade de subculturas políticas sem nenhum contato com a realidade. “Liberais”, “libertários”, “paleolibertários”, “minarquistas”, “randianos”, “objetivistas”, “conservadores”, “neoconservadores”, “paleoconservadores”, “anarcocapitalistas” etc. Submundos dos submundos. Fragmentação do fragmento. Antipolítica.
A direita tornou-se uma inimiga de si mesma. Por ao menos três razões que já mencionei: primeiro, por abnegação; segundo, por um economicismo vulgar que levou grande parte da direita (alguns setores “liberais” sobretudo) a abraçar causas culturais totalmente hegemonizadas pela esquerda e a ser funcional a ela; terceiro, por uma sucessiva fragmentação de suas partes que, privadas de uma referência comum como partes de uma “direita”, enfrentaram-se ferozmente. E, bem sabemos, o confronto entre “irmãos” (ou “primos” se preferir), quando acontece, costuma ser muito sangrento.
A situação nos traz aos dias de hoje, quando, em alguns lugares, começam a se registrar reações interessantes a partir das quais uma política de direita, apesar de tudo o que foi dito, ainda parece possível. Estados Unidos, Brasil, Espanha, Hungria, Polônia.
A incorreção política é a marca da direita de nosso tempo, pois quem tem o poder de definir o que é correto é a esquerda. E, aparentemente, quando a direita se rebela contra esses dispositivos de poder político e moral que determinam o que pode ser dito e pensado na sociedade, ela entra em sintonia com as massas populares. Quando chega às novas gerações, ela volta a se sentir plenamente de direita.
A direita que não tem vergonha é, por definição, uma direita politicamente incorreta. E, neste caso, o incorreto é o certo. Porque o que é incorreto em termos políticos, como eu disse, é o efeito de poder de um discurso que se tornou hegemônico ad nauseam.
E essa náusea, esse enjoo, essa ânsia de vômito ao ver esquerdista dar lições de moral por atacado é liberada quando a direita resolve entrar em campo, vestindo a camisa. A incorreção traz alívio, após uma férrea disciplina dos novos donos do “amor” e da “empatia”.
O que poderíamos chamar de “direita desavergonhada” tem amplos setores de reivindicações populares para representar, mas geralmente carece de qualquer articulação política.
Setores religiosos assediados por ideologias que os atacam há décadas com a mais odiosa crueldade; famílias cansadas de ver como a inocência de seus filhos é pervertida nas escolas e como são doutrinados com a ideologia de gênero; setores da cidadania fartos da insegurança, que exigem mão firme contra o crime; setores ligados às Forças Armadas e às diversas forças de segurança, alvos prediletos do progressismo; setores cansados de serem explorados por um Estado que espolia o cidadão, que o reduz à servidão, que o esmaga com impostos que acabam engordando as contas bancárias dos políticos ou financiando a vida de quem evita trabalhar de todas as formas possíveis; setores de trabalhadores e operários, cujos salários são afetados por ondas de imigração ilegal; setores que apreciam o bom senso, e que se sentem “anormalizados” pelas anormalidades, que, com efeito, fizeram da normalidade um traço desprezível em uma sociedade que celebra as mais horrendas extravagâncias e ri das pessoas comuns.
Uma nova direita está vendo a luz. É o produto, por hora, simplesmente de uma espécie de movimento dialético; é a antítese que foi levada a extremos insuportáveis. Mas se essa nova direita se esgotar ao reagir apenas por “ação reflexa”, não poderá se tornar uma alternativa de poder consistente e com futuro.
O que ela precisa o quanto antes é de um grupo de intelectuais que se dedique a pensar seus fundamentos, discutir suas diferentes formas de expressão, analisar as correlações de forças e as formas de construção de uma nova identidade política. Da mesma forma, uma articulação internacional é urgente: nisso a esquerda sempre foi mais sábia, pois sempre trabalhou a partir de redes internacionais muito bem desenhadas (como o Foro de São Paulo e, agora, o chamado “Grupo de Puebla”).
A experiência do Vox na Espanha, de Bolsonaro no Brasil, de Trump nos Estados Unidos não se esgota em experiências nacionais. Vivemos no que Marshall McLuhan notoriamente caracterizou como uma “aldeia global”. E, se é assim, então a política não pode deixar de ter uma dimensão global em sentido análogo. Temos, concretamente, uma boa oportunidade para começar a discutir, seriamente, nada menos que o futuro de uma direita que quer mais uma vez assumir as suas origens, se aceitar e entender o que é e o que pode ser. Em todo o mundo.
Agustín Laje (Argentina, 1989) é licenciado em Ciências Políticas e cursa o mestrado em Filosofia da Universidade de Navarra (Espanha). Escreveu ‘O Livro Negro da Nova Esquerda’, ‘Los Mitos Setentistas’ e ‘Cuando el Relato es una Farsa’, entre outros títulos. O artigo acima integra o livro ‘Nova Direita: Uma Alternativa em Curso’, lançado neste mês pela Vide Editorial. Organizada por Andrés Barrientos, a obra traz textos de sete autores que discutem maneiras de enfrentar os desafios culturais oferecidos por uma esquerda cada vez mais radicalizada e oferecer uma opção diante do despertar político das novas gerações.
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