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Opinião

A polarização pode se tornar uma crise nacional

Há certa “retórica desumanizante” na vida pública norte-americana (Imagem: Pixabay)
Há certa “retórica desumanizante” na vida pública norte-americana (Imagem: Pixabay) (Foto: )

Eu quero começar este texto elogiando Nancy Pelosi. Em uma entrevista ao Washington Post, ela rejeitou (pelo menos por enquanto) os pedidos de impeachment contra Donald Trump. Mas não é só o que ela decidiu que é importante; é também como ela explicou isso. Aqui estão aquelas que foram suas palavras-chave: “O impeachment é tão divisor para o país que, a menos que haja algo extremamente convincente, esmagador e bipartidário, não acho que devamos seguir por esse caminho, porque isso divide o país”.

Levando suas palavras ao pé da letra, Pelosi está fazendo algo que mais políticos deveriam fazer quando tomam uma decisão importante – considerando as consequências não apenas para a sua própria tribo partidária, mas também para a saúde do corpo político do país. Atingir esse equilíbrio é cada vez mais não apenas uma questão de posicionamento político; é uma necessidade nacional.

Dias atrás, Thomas Edsall, do The New York Times, publicou um texto importante destacando um novo estudo que analisou a extensão do “partidarismo massivo letal”. Como Edsall observou, o artigo contém algumas estatísticas preocupantes. Entre elas, a de que “42% das pessoas de cada partido dos Estados Unidos veem a oposição como ‘completamente má’”. Impressionantes 20% dos democratas e 16% dos republicanos acreditam que “estaríamos melhor como país se grande número de opositores do público hoje morresse”. E se o partido adversário vencer a eleição de 2020, 18% dos democratas e 13% dos republicanos “sentem que a violência seria justificável”.

Já ouvimos bastante sobre uma certa “retórica desumanizante” na vida pública norte-americana. Bem, parece que dezenas de milhões de americanos agora têm crenças desumanizantes. “Um em cada cinco republicanos e democratas concorda com a afirmação de que seus adversários políticos ‘não possuem as características para serem considerados totalmente humanos – eles se comportam como animais’”.

Eu me pergunto onde esses números estariam se nossa nação não tivesse tido uma sorte extraordinária nos últimos dois anos. Sim, sorte. Imagine a nossa cultura nacional se o atirador do atentado contra o jogo de beisebol do Congresso não tivesse sido imediatamente confrontado por dois bravos oficiais da polícia do Capitólio. Imagine uma nação em que o terrorista de Charlottesville continuasse atropelando as fileiras dos manifestantes, ou onde aquele superfã de Trump tivesse sucesso com os explosivos que criou.

Em tempos de crise, os cidadãos norte-americanos frequentemente buscam orientação naquele subconjunto de cidadãos norte-americanos que são mais engajados e informados. Porém, cada vez mais estudos mostram que esta corte de norte-americanos está dirigindo o país para a divisão. Como disse o professor da Universidade da Pensilvânia Yphtach Lelkes, “ironicamente, cidadãos reflexivos, que às vezes são vistos como cidadãos ideais, podem acabar se tornando fortes aderentes partidários que tenderão a se alinhar completamente com o partido”. Consequentemente, “o dilema democrático pode não ser se os cidadãos de baixa informação podem aprender o que precisam saber, mas se os cidadãos de alta informação podem deixar de lado suas predisposições partidárias”.

Essas estatísticas e estudos confirmam nossas experiências pessoais. Eu falo e escrevo bastante sobre a polarização nacional, e quando percorro o país, muitas vezes faço esta pergunta: “As pessoas que você conhece que são as mais obcecadas com política em geral são mais ou menos irritadas – mais ou menos gentis – do que o resto dos seus amigos?” Poucas pessoas respondem que seus amigos políticos são os membros mais esperançosos e tolerantes de sua comunidade.

Dada a extraordinária complexidade e dificuldade da maioria dos desafios políticos e culturais, o ativismo e o engajamento político deveriam ser marcados pela humildade e pela abertura a visões opostas. Afinal, quem tem a fórmula fácil e óbvia para a reconciliação racial? Pela paz no Oriente Médio? Para o fortalecimento da família? Para um crescimento econômico duradouro, em todas as classes sociais, no meio de uma revolução tecnológica em andamento?

Mas suponho que se você acredita que seu oponente é mais bestial do que humano, então não há necessidade real de se envolver – exceto para destruir. Todas as conversas interessantes estarão apenas do seu lado do corredor.

Existe uma ligação entre as fantasias letais que Edsall delineia em seu artigo e o impulso mais difundido de “apenas” arruinar as carreiras e a subsistência das pessoas que desprezamos. Só partidários extremistas se sentem bem em ver seus oponentes políticos sofrerem fisicamente – é muito mais decente esperar vê-los financeira e socialmente arruinados.

É por causa desse clima que estou cada vez mais convencido de que a classe bipartidária desaparecida de libertários civis representa um ingrediente importante na cola que mantém o país unido. A ideia fundamental de que devemos defender os direitos dos outros que nós mesmos gostaríamos de ver defendidos muitas vezes requer que adquiramos uma maior compreensão dos pontos de vista de nossos oponentes. Afinal, a defesa da liberdade na praça pública nunca pode ser meramente legalista. Para ser eficaz, também tem que humanizar.

E, crucialmente, também tem que educar. Simplesmente não há como aproveitar ou cultivar uma verdadeira cultura de liberdade sem tolerar até as coisas mais terríveis. Nós, seres humanos, somos misturas desordenadas de virtude e vício, e embora existam vícios tão profundos que tornem uma pessoa imprópria para a presença na praça pública, devemos ser muito cuidadosos antes de tentar punir uma pessoa por seus pensamentos. Quantos dos maiores artistas da história – e de seus pensadores mais interessantes – passariam por nossos modernos testes de pureza partidária?

Não podemos continuar contando com a nossa boa sorte para evitar uma verdadeira crise de divisão (e de potencial violência). Eu sou cético: não acho que a atual análise do impeachment de Pelosi – que coloca a unidade nacional acima das demandas de sua raivosa base ativista – represente um verdadeiro distanciamento do partidarismo tóxico. Afinal de contas, seu grupo acabou de aprovar um projeto de lei incrivelmente inconstitucional e autoritário que não apenas limita a liberdade de expressão, mas expõe mais cidadãos a potenciais debilidades sociais e represálias econômicas. Mas sua análise do impeachment ainda representa a abordagem correta. Já passou da hora de políticos e ativistas reconhecerem a urgência do momento. O ódio partidário está fora de controle.

Tradução de Janaína Imthurm.

©2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.

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