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O dogma fundamental de todas as vertentes de socialismo e comunismo é que a economia de mercado, ou capitalismo, é um sistema que prejudica os interesses vitais da imensa maioria das pessoas em benefício único de uma minoria muito pequena de individualistas ferrenhos. Ele condena as massas ao empobrecimento progressivo. Provoca a miséria, escravização, opressão, degradação e exploração do trabalhador, enquanto enriquece uma classe de parasitas ociosos e inúteis.

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Mas as conclusões políticas práticas que as pessoas tiraram desse dogma não foram uniformes, é claro.

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Essa doutrina não foi obra de Karl Marx. Ela havia sido desenvolvida muito antes de Marx entrar em cena. Seus propagadores mais bem-sucedidos não foram os autores marxistas, mas homens como Carlyle e Ruskin, os membros da Sociedade Fabiana britânica, os professores alemães e os institucionalistas americanos.

E é um fato muito significativo que a correção desse dogma foi contestada apenas por alguns poucos economistas que em pouco tempo foram silenciados e tiveram seu acesso barrado a universidades, à imprensa, à liderança de partidos políticos e, em primeiro lugar, a cargos públicos. A opinião pública, de modo geral, aceitou irrestritamente a condenação do capitalismo.

1. Socialismo

Mas as conclusões políticas práticas que as pessoas tiraram desse dogma não foram uniformes, é claro. Um grupo declarou que existe apenas uma maneira de erradicar esses males — abolir o capitalismo por completo.

Essas pessoas advogam que o controle privado dos meios de produção seja substituído pelo controle público. Elas visam a criação do chamado socialismo, comunismo, planejamento ou capitalismo de estado. Todos esses termos significam a mesma coisa.

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Não são mais os consumidores, pelo fato de comprarem ou se absterem de comprar, que devem determinar o que será produzido, em que quantidade e de qual qualidade. De agora em diante, todas as atividades ligadas à produção devem ser dirigidas por uma autoridade central.

2. Intervencionismo, supostamente uma política centrista

Um segundo grupo parece ser menos radical. Ele rejeita o socialismo tanto quanto o capitalismo. Ele recomenda um terceiro sistema que, segundo alega, está tão distante do capitalismo quanto do socialismo. Como um terceiro sistema de organização econômica da sociedade, essa opção estaria a meio caminho entre os dois outros sistemas; conservando as vantagens de ambos, evitaria as desvantagens inerentes a cada uma.

Esse terceiro sistema é conhecido como o sistema do intervencionismo.

Na terminologia política americana, ele é descrito como frequência como a política centrista (o “caminho do meio”).

Mas esse modo de julgar a questão é falacioso. 

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O que leva muitas pessoas a aprovar esse terceiro sistema é o modo particular como elas escolhem interpretar os problemas envolvidos. Na visão delas, duas classes — os capitalistas e empreendedores, de um lado, e os assalariados, do outro — têm posições opostas quanto à distribuição do lucro do capital e das atividades empreendedoras. Cada parte reivindica o bolo inteiro para si.

Agora, sugerem esses mediadores, façamos a paz, dividindo o valor disputado igualmente entre as duas classes. O Estado, como árbitro imparcial, deve intervir, limitando a cobiça dos capitalistas e alocando uma parte dos lucros às classes trabalhadoras. Desse modo será possível destronar o Moloque do capitalismo sem entronar o Moloque do socialismo totalitário.

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Mas esse modo de julgar a questão é inteiramente falacioso. O antagonismo entre capitalismo e socialismo não é uma disputa pela distribuição de butim. É uma divergência em relação a qual de dois esquemas de organização econômica da sociedade — capitalismo ou socialismo — conduz melhor aos fins que todas as pessoas consideram como sendo a finalidade última das atividades comumente chamadas econômicas, ou seja, a melhor oferta possível de bens e serviços úteis.

O capitalismo quer alcançar esses fins através da iniciativa e do empreendimento privados, sujeitos à supremacia do público, que decide o que comprar ou deixar de comprar no mercado.

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Os socialistas querem substituir os planos dos muitos indivíduos pelo plano único de uma autoridade central. Em lugar do que Marx descreveu como a “anarquia da produção”, eles querem instalar o monopólio exclusivo do governo. O antagonismo não diz respeito ao modo de distribuição de uma quantidade fixa de bens e serviços. Diz respeito ao modo de produção desses bens que as pessoas querem desfrutar.

O intervencionismo não é um meio-termo ótimo entre capitalismo e socialismo. 

O conflito entre os dois princípios é inconciliável e não permite qualquer meio-termo. O controle é indivisível. Ou a demanda dos consumidores, conforme manifestada no mercado, decide para quais finalidades e como serão empregados os fatores de produção, ou o governo cuida disso. Não há nada que possa mitigar a oposição entre esses dois princípios contraditórios. Cada um deles exclui o outro.

O intervencionismo não é um meio-termo ótimo entre capitalismo e socialismo. É a ferramenta de um terceiro sistema de organização econômica da sociedade, e deve ser entendido como tal.

3. Como funciona o intervencionismo

Não faz parte do escopo da discussão de hoje levantar questões sobre os méritos do capitalismo ou do socialismo. Estou tratando hoje apenas do intervencionismo. E não pretendo mergulhar numa avaliação arbitrária do intervencionismo a partir de qualquer ponto de vista preconizado. Pretendo apenas mostrar como funciona o intervencionismo e discutir se ele pode ou não ser visto como um padrão de um sistema permanente de organização econômica da sociedade.

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Com base nessa filosofia, os intervencionistas propõem toda uma série de medidas.

Os intervencionistas destacam que pretendem conservar a propriedade privada dos meios de produção, o empreendedorismo e a compra e venda no mercado. Mas, dizem a seguir, é urgente impedir que essas instituições capitalistas semeiam o caos e explorem injustamente a maioria da população.

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É dever do governo restringir a cobiça das classes endinheiradas, por meio de ordens e proibições, para impedir que sua ganância prejudique as classes mais pobres. O capitalismo sem freios, ou laissez-faire, é um mal.

Mas não é preciso abolir o capitalismo por completo para eliminar seus males. É possível aprimorar o sistema capitalista por meio de intervenção governamental na ação dos capitalistas e empreendedores. Essa regulamentação governamental das empresas seria o único método para afastar o socialismo totalitarista e salvar os aspectos do capitalismo que merecem ser conservados.

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Com base nessa filosofia, os intervencionistas propõem toda uma série de medidas. Vamos falar de uma delas, o esquema muito popular de controle de preços.

4. Como o controle de preços conduz ao socialismo

O governo considera que o preço de uma commodity em particular, por exemplo o leite, está alto demais. Quer que os pobres possam dar mais leite a seus filhos. Então ele recorre a um teto de preço e tabela o preço do leite a um nível inferior que o preço praticado no mercado livre. O resultado é que os produtores de leite marginais, aqueles que produzem ao custo mais alto, passam a sofrer prejuízo.

Como nenhum agricultor ou empresário pode continuar produzindo com prejuízo, esses produtores marginais param de produzir e vender leite no mercado. Eles usarão suas vacas e suas habilidades para finalidades mais rentáveis. Produzirão manteiga, queijo e carne, por exemplo. Haverá menos leite à disposição dos consumidores, não mais.

É claro que isso contraria as intenções do governo. O que ele pretendia era fazer com que algumas pessoas pudessem comprar mais leite. Mas o resultado de sua intervenção é que a oferta de leite diminui. A medida adotada pelo governo frustra sua intenção e desfavorece os grupos que o governo queria favorecer. Ela gera uma situação que, do ponto de vista do governo, é ainda menos desejável que a situação anterior, que se pretendia que ela melhorasse.

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Nenhum setor produtivo pode ser omitido desse controle generalizado de preços e salários e dessa obrigação de produzir as quantidades que o governo quer.

Agora o governo está diante de uma alternativa. Ele pode anular seu decreto e desistir de esforços futuros para controlar o preço do leite. Mas, se insistir em sua intenção de conservar o preço abaixo do preço que o mercado livre teria determinado e quiser mesmo assim evitar que a oferta de leite diminua, precisa tentar eliminar as causas que tornavam pouco lucrativos os negócios dos produtores marginais.

Precisa acrescentar ao primeiro decreto, referente apenas ao preço do leite, um segundo decreto que fixará os preços dos fatores de produção necessários à produção de leite em um nível tão baixo que os produtores marginais de leite deixarão de sofrer prejuízo e, assim, deixarão de limitar sua produção.

Mas então a mesma história se repete em um plano mais remoto. A oferta dos fatores de produção necessários para a produção de leite diminui, e o governo se vê novamente no mesmo lugar de onde começou. Ele não quer admitir que foi derrotado e, para não intervir mais com os preços, precisa ir mais longe e fixar os preços dos fatores de produção necessários para a produção dos fatores necessários para a produção de leite.

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Desse modo o governo é forçado a ir cada vez mais longe, tabelando passo a passo os preços de todos os bens de consumo e todos os fatores de produção – tanto humanos, ou seja, a mão-de-obra, quanto materiais – e ordenar que todos os empreendedores e trabalhadores continuem a trabalhar com esses preços e salários.

Nenhum setor produtivo poderá ser omitido desse controle generalizado de preços e salários e dessa obrigação de produzir as quantidades que o governo quer. Se alguns setores ficassem de fora do controle de preços, em consideração do fato de produzirem apenas bens classificados como não vitais ou mesmo como artigos de luxo, o capital e a mão-de-obra fluiriam para esses setores, e o resultado seria uma queda na oferta dos bens cujo preço o governo tabelou precisamente porque os considera indispensáveis para satisfazer as necessidades das massas.

5. O socialismo do tipo Zwangswirtschaft*

Zwangswirtschaft era uso de trabalho forçado ou escravo na era nazista

É verdade que esse tipo de socialismo preserva alguns dos rótulos do capitalismo e a aparência externa deste. Ele conserva, aparentemente e nominalmente, a propriedade privada dos meios de produção, os preços, salários, juros e lucros. Na prática, porém, nada vale exceto a autocracia irrestrita do governo.

O governo diz aos empreendedores e capitalistas o que produzir, em que quantidade e de qual qualidade, a quais preços comprar e de quem, a quais preços vender e a quem. Ele define os salários e onde os trabalhadores devem trabalhar. A compra e venda livre no mercado não passa de uma farsa.

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Todos os preços, salários e juros são determinados pela autoridades. São preços, salários e juros apenas na aparência; na realidade, não passam de relações de quantidade nas ordens do governo. É o governo quem dirige a produção, não os consumidores. O governo determina a renda de cada cidadão e a posição em que cada pessoa tem que trabalhar. Esse é o socialismo sob a aparência externa de capitalismo. É o Zwangswirtschaft do Reich Alemão de Hitler e a economia planejada da Grã-Bretanha.

6. A experiência alemã e a britânica

Os alemães na Primeira Guerra Mundial começaram fixando tetos de preços de um número pequeno de bens de consumo vistos como necessidades vitais.

O esquema de transformação social que descrevi não é uma mera construção teórica. É o retrato realista da sucessão de acontecimentos que conduziram ao socialismo na Alemanha, na Grã-Bretanha e alguns outros países.

Os alemães, na Primeira Guerra Mundial, começaram fixando tetos de preços de um número pequeno de bens de consumo vistos como necessidades vitais. Foi o fracasso inevitável dessas medidas que os impeliu a ir mais e mais adiante até que, no segundo período da guerra, traçaram o chamado plano de Hindenburg.

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O plano de Hindenburg não deixava espaço nenhum para a livre escolha dos consumidores, nem para iniciativas que partissem das empresas. Todas as atividades econômicas eram subordinadas incondicionalmente à jurisdição exclusiva das autoridades. A derrota total do Kaiser levou à eliminação de todo o aparato administrativo imperial, levando o plano grandioso junto. Mas quando, em 1931, o chanceler Brüning voltou a embarcar numa política de controle de preços e seus sucessores, inicialmente Hitler, se aferraram a ela, a mesma história se repetiu.

A Grã-Bretanha e todos os outros países que adotaram medidas de controle dos preços na Primeira Guerra Mundial inevitavelmente viveram o mesmo fracasso. Também eles foram impelidos cada vez mais longe em seus esforços para fazer os decretos iniciais funcionarem. Mas ainda se encontravam em uma etapa rudimentar desse desenvolvimento quando a vitória na guerra e a oposição do público levaram todos os esquemas de controle de preços a serem abandonados.

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Foi diferente na Segunda Guerra Mundial. A Grã-Bretanha voltou a impor tetos de preços para algumas commodities vitais e depois teve que percorrer toda a rota de ir mais e mais além, até substituir a liberdade econômica pelo planejamento amplo de toda a economia do país. Quando a guerra chegou ao fim, a Grã-Bretanha era uma nação socialista.

As pessoas são reduzidas ao status de dependentes, obrigadas incondicionalmente a obedecer ordens.

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Vale lembrar que o socialismo britânico não foi uma conquista do governo trabalhista de Clement Attlee, mas do gabinete de guerra de Winston Churchill. O que o Partido Trabalhista fez não foi instaurar o socialismo em um país livre, mas conservar no pós-guerra o socialismo que ele desenvolvera durante a guerra.

Esse fato foi obscurecido pela grande sensação criada em torno da nacionalização do Bank of England, das minas de carvão e outros setores da economia. Mas a Grã-Bretanha deve ser descrita como país socialista não porque determinadas empresas tenham sido formalmente desapropriadas e nacionalizadas, e sim porque todas as atividades econômicas de todos os cidadãos são sujeitas ao controle pleno do governo e suas agências.

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As autoridades direcionam a alocação de capital e mão-de-obra aos vários setores da economia. Elas determinam o que deve ser produzido. A supremacia em todas as atividades econômicas é atribuída exclusivamente ao governo.

As pessoas são reduzidas ao status de dependentes, obrigadas incondicionalmente a obedecer ordens. Aos empresários, os antigos empreendedores, são atribuídas funções meramente auxiliares. A única coisa que eles têm liberdade de fazer é levar a cabo, dentro de um campo estreito e fortemente circunscrito, as decisões tomadas pelos departamentos governamentais.

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O que precisamos entender é que os controles de preços que afetam apenas alguns poucos produtos básicos não alcançam as finalidades buscadas. Pelo contrário: geram efeitos que, do ponto de vista do governo, são ainda piores que a situação anterior que o governo queria modificar. Se o governo seguir cada vez mais longe nessa direção, num esforço para eliminar essas consequências inevitáveis mas indesejadas, ele acabará por transformar o sistema do capitalismo e da livre empresa no socialismo do padrão de Hindenburg.

7. Crises e desemprego

As pessoas pagam caro pela orgia de dinheiro fácil proporcionada por alguns anos de expansão do crédito e inflação.

A mesma coisa se aplica a todos os outros tipos de intervenção no fenômeno de mercado. A adoção de salário mínimo, quer seja decretado e implementado pelo governo ou por pressão e violência dos sindicatos, resulta em desemprego em massa que se prolonga ano após ano assim que eles procuram elevar o salário mínimo para acima dos salários praticados pelo mercado livre. É verdade que as tentativas de reduzir as taxas de juro através da expansão do crédito geram um período de crescimento da economia. Mas a prosperidade assim criada é um produto artificial que inexoravelmente conduz à desaceleração e depressão econômica. As pessoas são obrigadas a pagar caro pela orgia de dinheiro fácil proporcionada por alguns anos de expansão do crédito e inflação.

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Para as pessoas pouco sensatas, a recorrência de períodos de depressão econômica e desemprego em massa deixa o capitalismo desacreditado. Mas esses fatos não são resultantes da operação do livre mercado.

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Pelo contrário – são frutos da intervenção governamental no mercado, uma intervenção movida por boas intenções, mas que é imprudente. Não existem meios pelos quais possam ser elevados os salários e o padrão geral de vida, exceto pelo crescimento do capital comparado à população.

A única maneira de elevar permanentemente os salários de todos os que buscam trabalho e estão ansiosos por receber salários é elevar a produtividade do esforço industrial, aumentando a cota per capita de capital investido. O que leva os salários nos EUA a superar de longe os salários pagos na Europa e Ásia é o fato de que a labuta do trabalhador americano é auxiliada por mais e melhores ferramentas.

Tudo o que o bom governo pode fazer para elevar o bem-estar material da população é estabelecer e preservar uma ordem institucional em que não haja obstáculos ao acúmulo progressivo de capital novo, necessário para a melhoria dos meios tecnológicos de produção. Foi isso que o capitalismo realizou no passado e vai realizar no futuro, se não for sabotado por políticas públicas contraindicadas.

8. Dois caminhos que conduzem ao socialismo

O intervencionismo não pode ser considerado um sistema econômico destinado à permanência. É um método para a transformação do capitalismo em socialismo, por meio de uma série de passos sucessivos. Como tal, é diferente dos esforços dos comunistas de instaurar o socialismo de uma só vez. A diferença não diz respeito à finalidade última do movimento político – diz respeito principalmente às táticas a serem empregadas para alcançar a finalidade visada pelos dois grupos.

Isso, eles declaram, “não pode ser efetuado senão por meio de investidas despóticas contra os direitos de propriedade e as condições de produção dos burgueses”.

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Karl Marx e Frederick Engels recomendaram sucessivamente cada um desses dois caminhos para a realização do socialismo. Em 1848, no Manifesto Comunista, eles traçaram um plano para a transformação passo a passo do capitalismo em socialismo.

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O proletariado seria elevado à posição de classe dominante e utilizaria sua supremacia política “para arrancar gradativamente todo o capital da burguesia”. Isso, eles declaram, “não pode ser efetuado exceto por meio de investidas despóticas contra os direitos de propriedade e as condições de produção dos burgueses; logo, através de medidas que parecem economicamente insuficientes e insustentáveis, mas que, ao longo do movimento, se excedem, exigindo mais investidas contra a velha ordem social, e que são inevitáveis como meios de revolucionar inteiramente o modo de produção”. Seguindo nesse veio, eles enumeram dez medidas a título de exemplo.

Anos depois, Marx e Engels mudaram de opinião. Em seu tratado principal, O Capital, lançado em 1867, Marx encarou as coisas sob outra ótica. O socialismo chegará inevitavelmente, “com a inexorabilidade de uma lei da natureza”. Mas ele não poderá surgir antes de o capitalismo ter atingido sua maturidade plena. Existe apenas um caminho que conduz ao colapso do capitalismo, ou seja, a evolução progressiva do próprio capitalismo. Apenas então é que a grande revolta final da classe trabalhadora lhe aplicará o golpe final e inaugurará a era duradoura de abundância.

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Partindo do ponto de vista dessa doutrina posterior, Marx e a escola marxista ortodoxa rejeitam todas as políticas que se proponham a restringir, regulamentar e aprimorar o capitalismo. Dizem que essas políticas não são apenas inúteis, mas decididamente danosas. Isso porque elas adiam a maioridade do capitalismo, sua maturidade e, portanto, também sua queda. Logo, essas políticas não são progressistas, mas reacionárias. Foi essa ideia que levou o Partido Social-Democrata da Alemanha a votar contra a legislação de previdência social de Otto von Bismarck e a frustrar seu plano de nacionalizar a indústria alemã do tabaco. Partindo dessa mesma doutrina, os comunistas qualificaram o New Deal americano como um complô reacionário extremamente prejudicial aos verdadeiros interesses dos trabalhadores.

Existem dois métodos possíveis de transformação do capitalismo em socialismo.

Precisamos entender que o antagonismo entre intervencionistas e comunistas é uma manifestação do conflito entre as duas doutrinas do marxismo inicial e do marxismo posterior. É o conflito entre o Marx de 1848, autor do Manifesto Comunista, e o Marx de 1867, autor de O Capital. E é altamente paradoxal que o documento em que Marx endossou as políticas dos autodescritos anticomunistas de hoje seja intitulado o Manifesto Comunista.

Existem dois métodos disponíveis para a transformação capitalismo em socialismo. Um deles consiste em desapropriar todas as fazendas, fábricas e estabelecimentos comerciais e operá-los como departamentos do governo, por meio de um aparato burocrático. A sociedade por inteiro, diz Lênin, torna-se “um escritório e uma fábrica, com trabalho igual e salários iguais” [2], a economia inteira será organizada “como o sistema dos correios” [3]. O segundo método é o do plano de Hindenburg, o esquema originalmente alemão do estado de bem-estar social e do planejamento. Ele obriga cada empresa e cada indivíduo a seguir rigidamente as ordens emitidas pelo conselho governamental central de gestão da produção. Foi essa a intenção da Lei Nacional de Recuperação Industrial de 1933, que a resistência do empresariado frustrou e a Suprema Corte declarou anticonstitucional. É essa a ideia implícita nos esforços para substituir a empresa privada pelo planejamento governamental.

9. Controle cambial

Nos países industriais como a Alemanha e a Grã-Bretanha, o principal veículo para a realização desse segundo tipo de socialismo é o controle cambial. Esses países não têm condições de alimentar e vestir sua população com seus próprios recursos domésticos. Precisam importar grandes quantidades de alimentos e matérias-primas. Para pagar por essas importações tão necessárias, precisam exportar bens manufaturados, a maioria dos quais produzida com matérias-primas importadas.

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Em países como esses, quase todas as transações comerciais são condicionadas direta ou indiretamente pela exportação, pela importação ou pela exportação e a importação. Logo, o monopólio do governo sobre a compra e venda de divisas faz com que todos os tipos de atividade comercial dependam da discrição da agência encarregada do controle cambial.

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Neste país as coisas são diferentes. O volume do comércio externo é pequeno, comparado ao volume total de comércio nacional. O controle cambial afetaria apenas ligeiramente a parcela maior das empresas americanas. É por essa razão que os esquemas de nossos planejadores quase não incluem a questão do controle cambial. As atividades dos planejadores são direcionadas ao controle de preços, salários e taxas de juros, ao controle de investimentos e a limitação de lucros e rendas.

10. Tributação progressiva

Olhando retrospectivamente para a evolução das alíquotas do imposto de renda desde o início do imposto de renda federal, em 1913, até hoje, dificilmente não se pode prever que um dia o imposto venha a absorver 100% de todo o excedente acima da renda do eleitor mediano. É o que Marx e Engels tinham em mente quando recomendaram no Manifesto Comunista “um imposto de renda pesado e progressivo ou graduado”.

A filosofia subjacente ao sistema de tributação progressiva reza que a renda e riqueza das classes ricas podem ser tiradas livremente dessas pessoas.

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Nossas convicçõesCultura democrática

Outra sugestão do Manifesto Comunista foi “a abolição de todo direito de herança”. As leis não chegaram a esse ponto, nem na Grã-Bretanha nem neste país. Mas novamente, olhando retrospectivamente para a história passada das leis sobre o patrimônio herdado, precisamos entender que elas vêm se aproximando cada vez mais da meta definida por Marx. Impostos sobre o patrimônio herdado tão altos quanto os que já alcançaram para os espólios de valor mais alto não podem mais ser qualificados como impostos. São medidas de desapropriação.

A filosofia que subjaz o sistema de tributação progressiva reza que a renda e riqueza das classes ricas podem ser tiradas livremente dessas pessoas. O que os defensores dessas alíquotas de imposto não entendem é que a maior parte dos rendimentos tributados até quase desaparecer não teria sido consumida, mas poupada e investida. De fato, essa política fiscal não apenas impede o acúmulo adicional de capital novo, como provoca a redução do capital disponível. Este é certamente o estado das coisas hoje na Grã-Bretanha.

11. A tendência ao socialismo

O curso dos acontecimentos nos últimos 30 anos mostra um progresso contínuo, embora às vezes interrompido, em direção ao estabelecimento neste país do socialismo do padrão britânico e alemão. Os EUA iniciaram esse declínio mais tarde que esses dois outros países e se encontram mais distantes de seu final. Mas se a tendência dessa política não mudar, o resultado final vai diferir apenas em aspectos acidentais e pouco importantes do que se deu na Inglaterra de Attlee e na Alemanha de Hitler. A política centrista não é um sistema econômico que possa perdurar. É um método para se alcançar o socialismo por etapas.

12. O capitalismo de lacunas

Muitas pessoas discordam. Elas destacam o fato de que a maioria das leis que visam o planejamento central ou a desapropriação por meio da tributação progressiva deixou algumas lacunas que oferecem à empresa privada uma margem de espaço na qual ela pode continuar a funcionar. É certamente verdade que essas lacunas existem e que graças a elas este país ainda é um país livre. Mas esse capitalismo de lacunas não é um sistema duradouro, é uma trégua momentânea. Forças poderosas estão em ação para fechar essas lacunas. A cada dia que passa o campo na qual a empresa privada tem liberdade de operar está sendo estreitado.

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13. A chegada do socialismo não é inevitável

O dogma marxista segundo o qual o socialismo está destinado a chegar “com a inexorabilidade de uma lei da natureza” não passa de uma suposição arbitrária e infundada.

É claro que esse resultado não é inevitável. A tendência pode ser revertida, como foi o caso de muitas outras tendências ao longo da história. O dogma marxista segundo o qual o socialismo está destinado a chegar “com a inexorabilidade de uma lei da natureza” não passa de uma suposição arbitrária e infundada. Mas o prestígio de que goza esse prognóstico infundado não apenas junto aos marxistas, mas também a muitos que se dizem não marxistas, é o instrumento principal do avanço do socialismo. Ele espalha o derrotismo entre aqueles que, de outro modo, combateriam bravamente a ameaça socialista. A aliada mais poderosa da Rússia soviética é a doutrina de que a “onda do futuro” nos carrega em direção ao socialismo e que, portanto, é “progressista” apoiar todas as medidas que restringem mais e mais o funcionamento da economia de mercado.

Nossas convicçõesAs empresas, sua finalidade e o bem comum

Mesmo neste país, que deve a um século de “individualismo robusto” o padrão de vida mais elevado já alcançado por qualquer nação, a opinião pública condena o laissez-faire. Nos últimos 50 anos foram publicados milhares de livros para acusar o capitalismo e advogar o intervencionismo radical, o estado de bem-estar social e o socialismo. Os poucos livros que procuraram explicar adequadamente o funcionamento da economia de livre mercado mal ganharam a atenção do público. Seus autores continuam pouco conhecidos, enquanto autores como Veblen, Commons, John Dewey e Laski são fartamente elogiados.

É fato conhecido que o teatro legítimo e a indústria de Hollywood são não menos radicalmente críticos da livre empresa, assim como o são muitos romances. Existem neste país muitos periódicos que atacam a liberdade econômica furiosamente em cada uma de suas edições. Praticamente não há nenhuma revista de opinião que defenderia o sistema que deu à imensa maioria da população alimentação boa e habitação, além de carros, geladeiras, aparelhos de rádio e outras coisas que os súditos de outros países qualificariam como luxos.

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O que pode impedir a chegada do socialismo totalitário é apenas uma mudança profunda nas ideologias.

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A consequência desse estado de coisas é que praticamente muito pouco é feito para preservar o sistema de empresa privada. Há apenas centristas que se consideram bem-sucedidos quando adiaram por algum tempo alguma medida especialmente ruinosa. Eles estão sempre recuando. Eles toleram medidas que apenas dez ou 20 anos atrás teriam considerado indiscutíveis. Dentro de alguns anos, vão concordar com outras medidas que hoje veem como sendo simplesmente fora de questão.

O que pode impedir a chegada do socialismo totalitário é apenas uma mudança profunda nas ideologias. Precisamos não de antissocialismo nem de anticomunismo, mas de um endosso positivo e aberto do sistema ao qual devemos toda a riqueza que distingue nossa era das condições comparativamente pobres de tempos passados.

[1] Discurso proferido no University Club, em Nova York, em 18 de abril de 1950. Impresso inicialmente pelo Commercial and Financial Chronicle, 4 de maio de 1950. Existe uma tradução francesa da Editions SEDIF, Paris. Disponibilizado em inglês como livreto separado em janeiro de 1951. 

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[2] Cf. Lênin, State and Revolution (Little Lenin Library No. 14, New York, 1932) pág. 84. 

[3] Ibidem p. 44. 

Este artigo foi tirado do capítulo 2 do livro eletrônico Planning for Freedom

Ludwig von Mises (1881-1973) lecionou em Viena e Nova York e foi assessor próximo da Foundation for Economic Education. Ele é visto como o maior teórico da Escola Austríaca do século 20.

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