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“Gratidão é ter consciência de que somos recebedores de bondade. Na gratidão, nós nos lembramos de como os outros contribuem para nosso bem-estar” | Pixabay
“Gratidão é ter consciência de que somos recebedores de bondade. Na gratidão, nós nos lembramos de como os outros contribuem para nosso bem-estar”| Foto: Pixabay

A sociedade civil parece estar em decadência. As pessoas estão perdendo o respeito pelas condições que permitem que os seres humanos prosperem, como alerta Jonah Goldberg em seu livro Suicide of the West: How the Rebirth of Tribalism, Populism, Nationalism, and Identity Politics is Destroying American Democracy [O suicídio do Ocidente: como o renascimento do tribalismo, do populismo, do nacionalismo e da política identitária está destruindo a democracia norte-americana, em tradução livre]. 

Goldberg, um colunista da National Review, define a sociedade civil como “um enorme ecossistema social – família, escolas, igrejas, associações, clubes, empresas, comunidades locais, etc. – que faz a mediação entre o Estado e o indivíduo”. Goldberg acrescenta: “É uma sociedade civil saudável, não o Estado, o que civiliza as pessoas”. 

À medida que mais norte-americanos se identificam por meio da política, a sociedade civil desmorona. Será o autoritarismo o resultado inevitável de uma busca pelo sentido por meio da política? 

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O partidarismo político está na linha de frente da consciência dos norte-americanos, de acordo com uma pesquisa dos professores de ciência política Shanto Iyengar e Sean Westwood. Westwood, professor em Dartmouth, disse ao New York Times que “o partidarismo, durante muito tempo, não foi visto como parte essencial do que somos. Ele não estava no âmago da nossa identidade. Era só uma característica secundária. Mas, na era moderna, vemos a identidade partidária como algo semelhante ao gênero, etnia ou raça – características essenciais que usamos para nos descrever aos outros”. 

Amanda Taub resumiu assim as descobertas de Iyengar e Westwood: “Hoje, os partidos políticos não são apenas formados por pessoas que deveriam governar como cada um quer. Eles são uma equipe de apoio, uma tribo da qual se faz parte”. 

Quando um partido político se torna tribo, observa Goldberg, “cidadãos da Califórnia e Nova York se envolvem em disputas na Carolina do Norte ou Indiana como se eles estivessem travando uma enorme guerra”. 

As redes sociais ampliaram o tribalismo. Como diz Goldberg: “Essa visão de mundo tribal do nós-contra-eles ganha intensidade com as redes sociais, nas quais é mais fácil encontrar ‘amigos’ virtuais com a mesma opinião que moram longe do que ter uma conversa com seu vizinho de verdade”. 

Sim, como Goldberg nos lembra, “família, amizade, religião, sociedade civil – estes são os únicos instrumentos de sentido compatíveis com uma sociedade livre. Qualquer deus que nasça do Estado será inevitavelmente um deus falso”. 

Da ingratidão à gratidão 

Uma solução para nossa sociedade civil decadente está na ponta de nossos dedos. Tomar este remédio é menos difícil do que preparar o jantar. O remédio é uma mudança de mentalidade. 

Em seu livro Thanks: How Practicing Gratitude Can Make You Happier [Obrigado: como a prática da gratidão pode fazê-lo mais feliz, em tradução livre], o professor de psicologia Robert Emmons afirma que a gratidão “une as pessoas numa relação de reciprocidade” e que, portanto, ela é “um dos componentes essenciais de uma sociedade civilizada e humana”. 

A prática da gratidão tem outros benefícios. A pesquisa de Emmons mostra que “pessoas gratas têm níveis maiores de [...] alegria, entusiasmo, amor, felicidade e otimismo, e a prática disciplinada da gratidão protege a pessoa do impulso destrutivo da inveja, do ressentimento, da ganância e da amargura”. 

O dicionário Webster define “ingratidão” como “a negligência, a ausência de reciprocidade da bondade recebida”. “Ingratidão”, observa Emmons, “inevitavelmente leva a uma autoconsciência confinada, restrita e ‘murcha’. Emoções como raiva, ressentimento, inveja e amargura tendem a prejudicar as relações sociais”. 

Com que frequência desprezamos e, assim, nos esquecemos dos benefícios da vida contemporânea? 

Em 2017, uma tempestade cortou o fornecimento de energia elétrica em muitas comunidades de New Hampshire por quase uma semana. O gás para geradores e fornalhas estava em falta e o Departamento de Transporte abdicou das regras de segurança para melhorar o fluxo dos entregadores de combustível. Conversando com um motorista que entregou gás em nossa casa, fiquei sabendo que ele estava trabalhando durante longas jornadas para levar combustível aos consumidores. 

Leia mais: O fim da era “progressista”?

O motorista inocentemente acrescentou: “Você não precisa ficar ouvindo meus problemas”. Mas eu o encorajei a continuar. Ao contar de suas dificuldades, ele falou que um amigo, chefe dos eletricistas, estava dormindo duas horas entre os turnos de trabalho. Enquanto ele me falava da realidade humana numa situação de emergência, me arrependi de minha ingratidão. Estava preocupado apenas com a falta de eletricidade e com o fato de estarmos sem Internet. 

Aqueles motoristas e operários eram democratas e republicanos. Ninguém perguntava a que tribo política eles pertenciam. 

Emmons escreve: “Gratidão é ter consciência de que somos recebedores de bondade. Na gratidão, nós nos lembramos de como os outros contribuem para nosso bem-estar”. 

Durante esse período sem energia, eu não estava sendo ingrato, sem perceber toda a bondade ao meu redor? 

O milagre do mercado 

Num episódio de Os Simpsons, Bart Simpson faz uma oração de agradecimento no jantar. “Deus, pagamos por tudo isso sozinhos, então obrigado por nada”. 

De uma forma bastante superficial, Bart tem razão. Se os Simpsons gastam $100 da renda familiar em comida no supermercado, tanto os Simpsons quanto o mercado se beneficiaram da transação. As transações sem perdedores são a base de um livre mercado. 

Pense melhor. Por que, nos Estados Unidos de hoje, os alimentos são tão baratos e abundantes em comparação com a Coreia do Norte ou Venezuela? Por que temos uma profusão de opções diante de nós hoje, algo inimaginável em todo o planeta há apenas alguns séculos? 

Não temos nada a ver com as gerações de indivíduos empreendedores que viveram antes de nós, acumularam capital e o usaram em algo útil. Não temos nada a ver com os sacrifícios dos fundadores do país que nos legaram uma Constituição baseada na ideia revolucionária de que nossos direitos são inalienáveis e não uma dádiva do governo. 

Bart Simpson é um ingrato. Não somos todos? 

Num discurso de formatura na Ithaca College há alguns anos, o conhecido economista e ator Ben Stein falou de uma caraterística única da nossa época. 

“Liberdade, prosperidade, abundância e oportunidade são coisas pelas quais a humanidade tem lutado por toda a eternidade, e hoje em dia nem sempre pensamos nelas. A vida deveria ser, em grande parte, um ato de gratidão”, disse Stein. “Somos todos herdeiros de uma sociedade livre que a maioria absoluta de nós não fez nada para merecer”. 

Por sorte, “recebemos a ajuda de outras pessoas, tanto no passado quanto no presente”, lembra-nos Emmons. “Se você acredita na Graça, acredita que há um padrão de bondade no mundo que existe independentemente de nossas dificuldades e até mesmo de nossa existência”. 

Não merecemos a Graça. E não somos agraciados todos os dias? 

Opte pela gratidão 

Quando somos gratos, sentimos um aumento no nível do bem-estar. Em seu estudo “Which Character Strengths Are Most Predictive of Well-Being?” [Que traços de caráter são os melhores indicativos do bem-estar?], publicado na revista Scientific American, o psicólogo Scott Barry Kaufman concluiu que “o melhor indicador de bem-estar é a gratidão”. Dos 24 traços de caráter analisados, “os únicos indicadores positivos independentes de bem-estar são a gratidão e a curiosidade”. 

Se gratidão e curiosidade estão em falta em nossas vidas, devemos nos surpreender quando nosso bem-estar diminui? 

Goldberg chama o incrível progresso dos últimos séculos de O Milagre. Para muitos, já não há gratidão em relação ao Milagre. Tampouco há curiosidade quanto às condições que propiciaram o Milagre. Goldberg argumenta: “Nossos problemas atuais remontam ao fato de que não expressamos gratidão pelo Milagre e pelas instituições e costumes que o tornaram possível”. 

Quando não há gratidão, surge o descontentamento. Goldberg escreve: “quando não há gratidão – e o esforço que a gratidão exige – todas as formas de ressentimento e hostilidade afloram”. 

Note com que frequência a linguagem política se atém à escassez e ao descontentamento. Quando se fala no lado bom, o discurso é acompanhado por reclamações quanto a privilégios injustos. Emmons fala sobre isso: “Pessoas menos gratas estão preocupadas com dificuldades, maldições, privações e reclamações. A linguagem da gratidão chama nossa atenção para as contribuições positivas que os outros dão a nossas vidas”. 

Deveríamos mesmo nos surpreender quando o descontentamento substitui a gratidão, quando o tribalismo substitui o respeito aos direitos individuais? Goldberg escreve: 

“O Milagre dá origem a uma filosofia que diz que toda pessoa deve ser julgada e respeitada de acordo com seus próprios méritos, não de acordo com os méritos da classe ou casta de seus ancestrais. A política identitária diz que todo o grupo é uma categoria imutável, uma tribo permanente”. 

A gratidão pode ser cultivada por meio da educação e da conscientização. O empresário Yoshimoto Ishin criou a Naikan, uma prática japonesa de autorreflexão. Naikan significa “observação interior”. A reflexão Naikan é praticada por meio de três perguntas: “1. O que recebi dos outros? 2. O que dei aos outros? 3. Que problemas e dificuldades causei aos outros?” 

Vamos parar por um instante e refletir: o Milagre da vida moderna significa que todos recebemos muito mais do que seremos capazes de retribuir. A abundância que temos não vem dos políticos. Estamos em dívida com legiões de homens e mulheres vivos ou mortos, do mundo todo, que permitiram o Milagre do mercado. Tendo essa consciência, nossa mentalidade muda, a gratidão vem à tona e as sementes da sociedade civil são plantadas. 

Barry Brownstein é Professor Emérito de Economia e Liderança na Universidade de Baltimore. Ele é autor de The Inner-Work of Leadership [O trabalho interior da liderança, em tradução livre]. 

Tradução: Paulo Polzonoff Jr.

©2018 Foundation for Economic Education. Publicado com permissão. Original em inglês
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