O Colégio Adventista de Correios (nota-se que é uma escola confessional), em Belém - PA, foi criticado duramente pela revista Carta Capital e nas redes sociais por uma questão de prova considerada por estes homofóbica.
As seguintes subquestões desta prova, aplicadas para alunos do 9.º ano, foram publicadas no Instagram por um maquiador, irmão de uma das estudantes, devidamente circuladas em vermelho: “d) a pessoa nasce ou se torna homossexual?”; e) a bíblia condena a relação homossexual?; f) homossexualismo tem perdão?”. Seguidas de um comentário em letras garrafais “OLHEM ESSAS PERGUNTAS...” Transcrevo aqui as que o maquiador aparentemente deixou de fora: “a) o que é homossexualismo?; b) isso é coisa moderna?; c) homossexualismo é doença ou opção sexual?”.
A dita questão, de número 35, era um exercício de interpretação de texto, baseado no livro De bem com você, obra destinada a ajudar os adolescentes a compreender e a lidar com os dramas dessa idade – a sexualidade inclusive – de um ponto de vista cristão, ou mais precisamente evangélico.
Não vou entrar na discussão se as questões em si mesmas são homofóbicas ou não, nem vou salientar o fato de muitas delas serem questões abertas que poderiam servir de debate franco sobre um tema cuja instrução é necessária para a idade, tampouco vou defender a resposta para as questões, que devem ser mais ou menos claras para quem tem familiaridade com a Bíblia ou com o catecismo – e que provavelmente surpreenderiam até o nosso maquiador indignado. Mas não me custa imaginar o que poderia ter acontecido com a escola, ou os responsáveis por ela, caso o acórdão do STF sobre o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26 e do Mandado de Injunção (MI) 4733, aquele que equiparou a homofobia ao crime de racismo, estivesse em vigor.
Por supuesto, ninguém defenderia crimes contra a população LGBT – assim como para qualquer outro grupo social. O problema está na definição jurídica do que seria homofobia e como as situações concretas do dia a dia seriam impactadas por interpretações laxas do novo entendimento proposto pelo STF. Como o acórdão ainda não foi publicado não é possível responder a estas indagações. Mas a julgar pelo barulho gerado em relação às perguntas enumeradas acima, que ocorreram dentro de um ambiente confessional e não são nada capciosas, as escolas terão de redobrar o cuidado para tratar do tema do homossexualismo.
Como combater a homofobia sem restringir a liberdade de expressão e a liberdade de culto seria um tema para um amplo debate no Congresso, mas o STF resolveu se adiantar e colocou um abacaxi na mesa dos juízes.
Num futuro próximo, em situação análoga, provavelmente o Ministério Público terá sido acionado, e sabe-se lá o que se passaria na cabeça do juiz que receberia o processo. Bastam algumas punições mais ou menos injustas para que, por medo, as pessoas deixem de debater o assunto, mas o fato concreto da homossexualidade, com todo seu drama humano, continuará a existir.
Os dramas pessoais são costumeiramente tratados em nossa sociedade nas igrejas, nos consultórios de psicologia e, como nesse caso, nas escolas. Se o Estado postular de antemão o que se pode e o que não se pode falar em casos como esses, acabou a possibilidade de atuação efetiva dessas instituições – vai ser o deus-dará.
Pergunto-me se é possível aliviar o sofrimento das pessoas, seja lá qual for, sem poder falar abertamente sobre ele. Tudo isso porque o STF resolveu criar um tabu.
PS. Quando digo dramas humanos, ou pessoais, quero me referir aos conjuntos de escolhas que vão formando nossa história e estreitando nossas possibilidades de vida. Por mais que as postulações da filosofia moderna preguem uma liberdade absoluta, ela não se pode realizar (afinal, não se pode fazer tudo, e no mesmo tempo). Isso inclui certamente as escolhas sexuais e afetivas das pessoas que, quaisquer que sejam, podem com o tempo adquirir um caráter dramático.
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