Passei um tempão no Zimbábue, em meados dos anos 2000, como diretora de uma organização de direitos humanos que operava na porção meridional do continente africano. Mesmo no auge da comoção política, em 2008, quando membros da oposição foram atacados após uma eleição que foi roubada, sempre me surpreendia pelo profundo respeito que os zimbabuenses tinham pelo presidente.
Muita gente estava obviamente insatisfeita com a liderança de Robert Mugabe e, no entanto, não era raro ouvir comentários sobre seu papel no movimento de independência, seu grande talento intelectual e seus esforços para melhorar a educação.
Essa deferência, entretanto, nunca se estendeu à sua mulher. Grace Mugabe não tinha histórico no movimento de libertação; não tinha feito nada pelo país sob o colonialismo, pois era muito jovem. Na verdade, ela inspirava desprezo. A narrativa, aceita universalmente no território nacional, era a de que a datilógrafa tímida e novinha tinha roubado o coração de Mugabe para corrompê-lo. Era um homem bom que acabou se transformando; Grace foi a tentação que acabou ocasionando a queda dele.
De certa forma, foi realmente o que fez. Depois da ocupação militar do governo do Zimbábue, na semana passada, o anúncio de que Robert Mugabe não está mais no controle do país, sua recusa subsequente em renunciar e, finalmente, o pedido de demissão, há muita incerteza. A única coisa que está bem clara é que Grace Mugabe foi o motivo da insatisfação que gerou o golpe-surpresa. O objetivo, ao remover o presidente de 93 anos do poder, era garantir que ela não lhe ocupasse o lugar depois de morto.
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Os ataques contra Grace desde o golpe têm sido inacreditáveis. Não se sabe seu paradeiro, o que comprova o fato de que é a segurança física dela, e não a dele, que está em jogo neste momento de tensão. Teve até quem sugerisse que a punição dela deve ser mais rigorosa que a do marido, ignorando que, na verdade, Mugabe é o único responsável pelo estado deplorável do país. Teve gente pedindo que ela fosse expulsa do Zimbábue, inclusive aqueles que se mostraram satisfeitos em ver Mugabe simplesmente "aposentado".
Há muito pouco de admirável ou democrático em Grace. Ela não é heroína feminista; de fato, sempre foi extremamente controversa, e sua cleptocracia foi, sem dúvida, péssima para o país. A verdade, porém, é que a posição em que se encontra hoje tem a ver com o papel cada vez mais complicado das primeiras-damas africanas pós-independência.
‘Pavio curto’
Ao longo de duas décadas, ou desde que entrou para a vida pública, Grace ganhou fama, mais que merecida, por causa de sua combatividade: chegou a humilhar publicamente líderes importantes e se envolveu em uma série de escândalos pessoais por causa do pavio curto.
Com o tempo, a primeira-dama do Zimbábue acabou se tornando uma figura parte mãe da nação, parte Kris Jenner: uma "mãe-agente" famosa que só usava roupas de grife, mas que alimentava as massas interioranas e não pensava duas vezes em sair no braço, se necessário, com quem perturbasse a ela ou seus filhos.
Em contraste com o marido, porém, o que há tempos é um verdadeiro anacronismo, Grace é uma figura explicitamente moderna. Tinha apenas 31 anos quando se casou com Mugabe, em 1996; aos 52 anos, continua relativamente jovem. Embora Robert tenha conquistado o poder e credibilidade graças a seu papel na luta pela independência, ela conquistou fãs e seguidores entre os políticos do partido da situação, o ZANU-PF, que basicamente compreende as elites executivas do país, muitos dos quais eram jovens demais para ter participado da luta pela independência. (As pessoas mais visceralmente contra ela são os veteranos do movimento.)
Conforme o marido foi ficando cada vez mais frágil, Grace dava a impressão de conquistar uma robustez política maior. Ela era a mulher no centro da política do país, e não conquistou tal posição batalhando e subindo por merecimento próprio. (Mugabe a declarou formalmente chefe da ala feminina do ZANU-PF, em 2014; antes disso, ela nunca tinha assumido nenhum tipo de cargo político.)
De uns anos para cá, começou a alienar figuras poderosas. Se o marido tivesse morrido sem lhe assegurar uma posição, teria que ter enfrentado um futuro incerto, talvez na cadeia ou no exílio, uma vez que tivesse início a "limpa" pós-Mugabe.
Mesmo sem a pior parte de seu comportamento – o abuso do poder, a extravagância –, é difícil imaginar que uma figura como Grace Mugabe pudesse se ajustar confortavelmente no papel de primeira-dama de um país como o Zimbábue, onde o legado do movimento de independência ainda tem um peso extraordinário.
Sua disposição para criticar abertamente políticos experimentados, sua ostentação, sua falta de respeito pelos membros masculinos do partido de situação, tudo isso a coloca fora dos limites do comportamento que se espera de uma primeira-dama africana.
O discurso nacionalista de diversos movimentos de independência que ainda molda a política africana atual tem pouco espaço para as mulheres. Vê aquelas que pegaram em armas durante a luta como exceções radicais à norma, aceitas somente sob as circunstâncias especiais da guerrilha armada. Depois de conquistada a liberdade, espera-se que voltem a seus papéis de esposas e mães. Com a primeira-dama, não há exceção; espera-se, aliás, que incorporem e representem a unidade nacional. Winnie Mandela, que ficou famosa ao recusar o papel de coadjuvante para Nelson, foi tratada como pária durante o processo de divórcio, em 1996, após o qual foi demonizada. Só agora a África do Sul está começando a avaliar publicamente se, enquanto país, agiu erroneamente com ela.
‘Padrão primeira-dama’
Se o título de primeira-dama nunca caiu muito bem para a falastrona Winnie, para a terceira mulher de Nelson, Graça Machel, viúva do presidente moçambicano, Samora Machel, caiu feito uma luva. Mesmo assim, e apesar de suas inúmeras conquistas – o papel na liberação de Moçambique, o fato de ter sido ministra da Educação, o trabalho revolucionário de defesa das crianças-soldado –, quando anunciou o casamento ao lado de Mandela, foi encarada com desconfiança: "Que tipo de mulher se casa não com um, mas dois chefes de Estado?", perguntavam-se as pessoas.
Grace Mugabe sempre foi muito mal avaliada em comparação a Sally Mugabe, primeira mulher de Robert, que era a representação máxima do que deveria ser uma primeira-dama africana: recebera uma educação primorosa; tinha credenciais válidas na luta pela independência, tendo sido presa por denunciar o regime colonial do que, na época, era a Rodésia do Sul. Quando seu marido se tornou primeiro-ministro, em 1980, ela rapidamente se adequou ao papel maternal, e ficou conhecida no país todo como Amai, ou "mãe".
Grace Mugabe não é nenhuma Winnie Mandela e não chega nem aos pés da integridade de Graça Machel. Mesmo assim, vale notar os perigos enfrentados pelas mulheres casadas como homens poderosos, não só na África como em outros lugares: quando elas não se encaixam em um determinado molde, geralmente são demonizadas, mesmo as que não chegam nem perto do ar que tem Grace.
Na semana passada, Mugabe decidiu renunciar, depois que o Parlamento começou os procedimentos para impedi-lo – na verdade, uma medida inacreditavelmente suave para tirar do poder um homem tão brutal. Grace, do paradeiro incerto onde se encontra, aguarda notícias daquela que os oficiais do partido prometeram ser sua acusação.
(*) Sisonke Msimang é autora, mais recentemente, de "Always Another Country: A Memoir of Exile and Home".
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