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Cada vez mais as pessoas se fecham em bolhas que brigam entre si. A incapacidade de ver o outro como indivíduo é uma oportunidade para o totalitarismo.
Cada vez mais as pessoas se fecham em bolhas que brigam entre si. A incapacidade de ver o outro como indivíduo é uma oportunidade para o totalitarismo.| Foto: Pixabay

A revista The Atlantic recentemente pediu à PredictWise, uma empresa de análises, que classificasse as regiões (os condados) norte-americanas de acordo com o preconceito partidário (“polarização afetiva”). Os resultados foram divulgados e são fascinantes.

O condado mais intolerante não foi o de Rabun, no nordeste da Geórgia, onde o filme Amargo Pesadelo foi filmado. Nem tampouco foi o Condado de Albany, em Wyoming, onde o estudante gay Matthew Shepard foi morto. E não foi o Condado de Tallahatchie, no Mississippi, onde Emmett Till foi linchado há mais de meio século.

O condado politicamente mais intolerante dos Estados Unidos, de acordo com a Atlantic, parece ser o Condado de Suffolk, em Massachusetts.

O Condado de Suffolk e os mais intolerantes dos Estados Unidos

O Condado de Suffolk, parte da comunidade de Massachusetts, representa o coração da região Boston-Cambridge-Newton da Nova Inglaterra.

Em 2016, o condado (predominantemente branco) tinha uma população de 784.230 pessoas, todas vivendo em 150km². A renda média familiar é de US$58 mil. A região tem níveis altíssimos de educação, com 44% dos moradores graduados ou pós-graduados, e fica praticamente no meio do caminho entre duas das mais prestigiadas universidades norte-americanas —Harvard e MIT.

Politicamente, o condado é o mais progressista do país. Os três distritos eleitorais do condado – o 5th, 7th e 8th — são representados por democratas progressistas: Katherine Clark, Ayanna Soyini Pressley e Stephen Lynch. Apenas 5% dos moradores se identificam como republicanos. Nenhum candidato republicano à Presidência ganha eleições no Condado de Suffolk desde Calvin Coolidge — em 1924.

A cidade menos preconceituosa na política: Watertown, Nova York

Talvez mais surpreendente seja o lugar menos politicamente preconceituoso dos Estados Unidos: Watertown, no estado de Nova York.

Watertown tem uma população de aproximadamente 27 mil pessoas. A renda familiar média é de US$36.115. Assim como em Suffolk, Watertown é predominantemente branca. A cidade também é jovem, suburbana/rural e não tem índices extraordinários de educação. E quanto à política?

“Essa cidade tolerante está num condado onde Trump ganhou com uma margem de 20 pontos percentuais”, observou Andrew Sullivan na revista New York. “Vamos refletir sobre isso um pouco, sim?”

Intolerância consciente?

A maioria das pessoas, diz a Atlantic, demonstra uma discriminação implícita ou explícita contra os oponentes políticos. Fazemos isso com as pessoas que contratamos, namoramos e os casamos. Julgamos rapidamente o patriotismo, a compaixão e a inteligência das pessoas.

Todos os seres humanos fazem isso, mas as descobertas da PredictWise mostrar que alguns norte-americanos têm mais inclinação a isso do que outros.

A composição demográfica do Condado de Suffolk se encaixa perfeitamente como que os pesquisadores identificaram como o grupo politicamente mais intolerante: “progressistas brancos conscientes” (para usar a expressão de Sullivan).

“Em geral, os norte-americanos politicamente mais intolerantes, de acordo com a análise, tendem a ser brancos, educados, urbanos e filiados a um partido”, disse a Atlantic.

Membros deste grupo específico “não costumam conversar com pessoas que discordam delas; esse isolamento permite que eles transformem seus oponentes ideológicos em caricaturas”.

As descobertas, dizem os autores, acompanham a pesquisa de Diana Mutz, professor de ciência política da Universidade da Pensilvânia, que descobriu “que brancos educados vivem relativamente isolados da diversidade política”.

Os progressistas mais velhos não são o único grupo que tende ao tribalismo ou isolamento político, claro. Na verdade, a PredictWise descobriu que, no geral, os republicanos parecem desgostar dos democratas mais do que os democratas desgostam dos republicanos. E outra pesquisa descobriu que jovens adultos são ainda mais isolados politicamente do que os adultos mais velhos.

Uma pesquisa de 2017 feita pelo Instituto de Política da Kennedy School, em Harvard, por exemplo, descobriu que os millenials vivem em “bolhas” maiores do que outros grupos etários, o que significa que eles têm menos chance de interagirem com pessoas que não compartilham seus valores.

Polarização de grupos

Se toda essa conversa sobre bolas e isolamento político parece algo de que você já ouviu falar, talvez seja porque Charles Murray fez observações semelhantes em seu livro Coming Apart [Desunindo-se].

Um dos muitos temas do livro é a bifurcação de classe, sobretudo a ideia de que uma nova “elite” está se formando sem ter contato com o que Murray chama de “Estados Unidos branco”. (Você pode responder à enquete de Murray para descobrir o tamanho da sua bolha).

Mas viver numa “bolha” é mesmo um problema? Os conservadores podem dizer que estão felizes em não se relacionar com os progressistas de Suffolk que pregam a justiça social, assim como muitos progressistas de Suffolk talvez digam que estão felizes em não se relacionarem com ninguém que use um boné MAGA, atire em animais e ouça o radialista Rush Limbaugh.

As pessoas têm direito de se relacionar com quem quer que elas queiram, claro; mas há um preço nisso. Como Alexander Hamilton certa vez disse, o conflito de opiniões diferentes é fundamental para a saúde democrática e em última análise serve para um controle do majoritarianismo.

“As diferenças de opinião e as disputas partidárias no poder legislativo (...) geralmente promovem a deliberação e a circunspecção”, disse Hamilton, “e servem para controlar os excessos da maioria”.

O professor da Faculdade de Direito de Harvard Cass Sunstein também alerta para a ascensão do que ele chama de “polarização de grupo”. A ideia básica é a de que, quando os seres humanos se relacionam apenas com pessoas que pensam igual, eles se tornam mais certos de si e mais radicalizados.

Eis o que Sunstein escreveu num trabalho de 1999 intitulado “The Law of Group Polarization” [A lei da popularização de grupo]:

Com uma regularidade empírica impressionante, a deliberação tende a mover grupos e os indivíduos que os compõem rumo a um ponto mais extremo na direção indicada por suas próprias ideias preconcebidas. Por exemplo, as pessoas que se opõem ao salário mínimo provavelmente, depois de conversarem umas com as outras, serão ainda mais contrárias à ideia; pessoas que tendem a apoiar o controle de armas, depois de uma discussão, provavelmente apoiarão o controle de armas com ainda mais entusiasmo; pessoas que acreditam que o aquecimento global é um problema sério, depois de discutirem, provavelmente insistirão em medidas duras para evitar o aquecimento global.

Esse fenômeno – a polarização de grupo – tem muitas implicações para as instituições jurídicas, políticas e econômicas. Ele ajuda a explicar o extremismo, a radicalização, as mudanças culturais e o comportamento de partidos políticos e organizações religiosas; é algo intimamente associado à preocupação atual quanto às consequências da Internet; e também ajuda a explicar brigas, antagonismo étnico e tribalismo.

A ascensão da polarização de grupo, suspeito, é o que está levando ao declínio da civilidade básica.

Quando mais nos relacionamos apenas com pessoas do nosso grupo, mais vemos as pessoas de fora como “outros”; quanto mais vemos as pessoas como outros, mais caímos na armadilha do pensamento coletivista.

O desafio, agora e sempre, é rejeitar a identidade de grupo e reconhecer as pessoas como indivíduos.

“Somente indivíduos são capazes de aprender. Somente indivíduos são capazes de pensar criativamente”, escreveu Leonard Read em 1954. “Somente indivíduos são capazes de cooperar entre si. Somente indivíduos podem combater o estatismo”.

A sabedoria de Read não se aplica somente às pessoas de Suffolk. É uma lição que todos devemos lembrar.

Cada vez mais as pessoas se fecham em bolhas que brigam entre si. A incapacidade de ver o outro como indivíduo é uma oportunidade para o totalitarismo.
Cada vez mais as pessoas se fecham em bolhas que brigam entre si. A incapacidade de ver o outro como indivíduo é uma oportunidade para o totalitarismo.| PredictWise

Jonathan Miltimore é editor do site FEE.org. Seus textos e reportagens foram publicados da revista TIME, The Wall Street Journal, CNN, Forbes, Fox News e Washington Times.

© 2019 FEE. Publicado com permissão. Original em inglês

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