Selo soviético homenageia Yuri Gagarin, primeiro homem no espaço| Foto: BigStock
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Em 4 de outubro de 1957, a União Soviética lançou com sucesso o primeiro objeto feito pelo homem na órbita da Terra, dando início à era espacial. O Sputnik 1, primeiro satélite artificial, “chocou o mundo”, nas palavras da própria NASA, e deu início a uma corrida entre as duas potências que dominavam ideologicamente o mundo na época. Apesar do marco histórico, essa bola de vôlei de alumínio teve pouca serventia prática, além do mérito inegável de abrir as fronteiras do espaço para o ser humano.

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Mas o lançamento do Sputnik teve consequências gigantescas para a história do século XX. Logo depois de saírem vitoriosos de uma guerra mundial, os Estados Unidos se viram diante de um novo rival, e que aparentemente estava à frente não só científica e tecnologicamente, como também militarmente. A mídia e a opinião pública americana rapidamente entraram em pânico, a tal ponto que até o escritor Arthur C. Clarke declarou que “no dia em que o Sputnik orbitou em volta da Terra, os EUA se tornaram uma potência de segunda categoria”.

O que se chama de “corrida espacial” nada mais foi que uma escalada armamentista, com cada uma das duas superpotências que saíram vitoriosas da Grande Guerra com medo da ameaça, imaginária ou não, representada pela outra, e fez com que ambos os países começassem a desenvolver cada vez mais métodos de aniquilar o inimigo — de preferência lançando mísseis capazes de percorrer as maiores distâncias possíveis.

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Os Estados Unidos já vinham há pelo menos uma década tentando desenvolver seu programa, contando com a ajuda de Wernher von Braun e outros cientistas alemães que se renderam após o fim da Segunda Guerra Mundial e passaram a trabalhar para o país. A primeira imagem da Terra vista do espaço, aliás, vem diretamente desse legado: uma modificação do V-2 nazista que foi enviada a 105 quilômetros de altura e nos trouxe esta foto.

A cachorra Laika, pioneira e vítima

No mês seguinte, os soviéticos lançaram para o espaço outra geringonça, o Sputnik 2, dessa vez contendo em seu interior o primeiro ser vivo da Terra a sair do planeta: a pobre Laika, uma vira-lata capturada vagando pelas ruas de Moscou. A primeira vida a ser lançada no espaço também foi a primeira a morrer lá — um mero detalhe para as autoridades soviéticas, acostumadas a torturar, fuzilar e deportar para campos de concentração na Sibéria quaisquer seres humanos que ousassem ter uma opinião diferente do governo.

Mas ainda assim o discurso oficial, por décadas, foi de que a Laika teve uma morte indolor, até que em 2002 a realidade veio à tona: para aclimatar ela ao espaço reduzido do satélite, ela foi sendo mantida em jaulas gradualmente menores, e alimentada com uma espécie de gel que seria sua comida durante a viagem, até que ela foi finalmente acorrentada dentro do bólido e lançada em órbita. Mas ninguém envolvido no experimento tinha qualquer esperança de que ela voltasse viva.

A intenção era somente monitorar os sinais vitais de um ser vivo no espaço e tirar conclusões a partir disso. O relato de um dos engenheiros envolvidos no projeto, Yevgeniy Shabarov, é de cortar o coração de qualquer um que tenha algum resquício de alma: “depois de colocarmos a Laika dentro da cabine e fecharmos a escotilha, beijamos seu focinho e desejamos boa viagem, sabendo que ela não sobreviveria ao voo”.

A versão oficial do governo soviético era de que Laika permaneceu viva por uma semana em órbita. Décadas depois, a versão oficial passou a ser de que ela tinha suportado quatro dias. Quando finalmente os resultados dos seus sinais vitais foram revelados, foi possível determinar que ela morreu em questão de cinco ou seis horas, provavelmente por um superaquecimento da cabine; depois de um aumento repentino e intenso da pressão arterial e dos batimentos cardíacos, provavelmente causados pelo medo dela diante do barulho dos motores e das sacudidas durante o trajeto até o espaço, seus sinais vitais desapareceram dos sensores da equipe que monitorava a missão.

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Seis dias depois de seu lançamento, o satélite ficou sem bateria e perdeu todo contato com a central. Após quase um ano orbitando a Terra por inércia, acabou sendo atraído pela gravidade e entrou na atmosfera, num trajeto que foi visível de Nova York até a região da Amazônia, antes de ser completamente desintegrado.

O lado escuro da Lua

No ano seguinte, os Estados Unidos lançaram seu primeiro satélite, o Explorer 1. Curiosamente, enquanto o programa espacial americano passou a concentrar seus esforços numa única agência governamental, a NASA, o programa soviético era dividido entre diversos grupos que praticamente competiam entre si. E, também curiosamente, embora o programa espacial americano tenha acumulado uma série de problemas, alguns quase catastróficos, em sua fase inicial, o seu equivalente soviético nunca admitiu qualquer tipo de fracasso em qualquer uma de suas missões, tripuladas ou não.

Ainda assim, o programa soviético conseguiu uma série de feitos considerados pioneiros na exploração espacial. Em 1959, uma série de sondas foram lançadas em direção à Lua, uma delas tornando-se o primeiro artefato humano a atingir outro corpo celeste, e outra conseguindo registrar imagens do chamado “lado oculto” do satélite.

Em 1960, duas cadelas, Belka e Strelka, foram enviadas ao espaço, acompanhados por um coelho, 42 ratos, além de insetos, plantas e fungos, tornando-se os primeiros seres vivos a retornarem com vida de uma órbita espacial. Uma das duas inclusive teve um de seus filhotes doado como presente pelo presidente do Partido Comunista da União Soviética, Nikita Khruschev, para a primeira-dama dos EUA, Jacqueline Kennedy (apesar dos supostos temores de membros da segurança presidencial de que os bichinhos poderiam estar sendo usados como forma de espionar as reuniões do presidente Kennedy).

Gagarin, o primeiro homem

O voo se revelou extremamente importante para o programa soviético, já que as reações dos animais durante as quatro órbitas ao redor da Terra foram observadas e utilizadas para planejar o próximo grande passo, que viria no ano seguinte: em 12 de abril de 1961, Yuri Gagarin embarcou na Vostok-1 se tornou o primeiro ser humano a ir para o espaço, onde ficou por cerca de uma hora e quarenta minutos orbitando a Terra antes de retornar dentro da sua cápsula claustrofóbica da qual se ejetou a cerca de sete quilômetros do solo.

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Durante o exame que antecedeu seu voo histórico, os médicos soviéticos registraram que Gagarin estava extremamente pálido e quieto, agindo de maneira extremamente diferente do habitual, e se viram compelidos a dizer para ele que “tudo ficaria bem”. Pouco antes do lançamento, a sigla CCCP (URSS, em russo) foi pintada à mão no capacete de Gagarin, para que ele não corresse o risco de ser tomado por um espião durante seu pouso — cerca de um ano antes, um piloto americano tinha sido abatido voando sobre território soviético.

Como os engenheiros não sabiam até que ponto Gagarin manteria o controle de suas funções motoras e intelectuais, a missão foi totalmente automatizada, controlada pelo centro de comando na base de Baikonur. Gagarin tinha somente consigo um envelope lacrado contendo um código que deveria ser utilizado somente em caso de uma emergência, habilitando assim o controle manual da nave (obviamente, o código já tinha sido soprado em seu ouvido por um colega).

Segundo seu próprio depoimento, assim que tocou o solo, em algum lugar próximo a uma pequena cidade chamada Smelovka, Gagarin se deparou com uma mulher e sua neta: “Quando me viram com a roupa espacial e os paraquedas que eu arrastava atrás de mim, começaram a se afastar, com medo. Disse a elas, não tenham medo, sou um soviético como vocês, que acabou de chegar do espaço, e preciso encontrar um telefone para falar com Moscou!”

Gagarin, o primeiro homem (a sair vivo)

O que pouco se fala, no entanto, é que antes do feito histórico de Gagarin, os soviéticos perderam diversos astronautas durante tentativas de mandá-los para o espaço (literalmente), o que talvez explique a palidez de Gagarin diante do médico.

Um deles foi Valentin Bondarenko, um piloto de caças ucraniano que, depois de passar um dia dentro de uma câmara com quase 100% de oxigênio, fazendo experimentos para um possível voo orbital, usou um pedaço de algodão embebido em álcool para se limpar e acabou provocando um incêndio fatal. A diferença de pressão dentro da cabine e o ambiente externo fez com que o resgate fosse praticamente impossível.

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Conta-se que Gagarin teria ficado em vigília por horas ao seu lado, na cama do hospital, semanas antes de seu voo. O governo soviético só admitiu publicamente este caso em 1986, quando uma matéria sobre o assunto foi publicada no jornal Izvestia.

Os líderes do Partido Comunista não só esconderam a morte do cosmonauta, como ainda, seguindo a tradição stalinista, removeram a imagem de Bondarenko e outros cinco de uma foto de uma série de outros que morreram durante esses primeiros “experimentos”.

Algo semelhante aconteceu com a primeira missão do programa espacial Apollo, dos Estados Unidos. Os três pilotos escolhidos para fazer o primeiro voo orbital do programa, Gus Grissom, Ed White e Roger Chaffee morreram nas mesmas circunstâncias, quando a cabine em que estavam durante um dos testes pegou fogo e a diferença de pressão entre o interior e o exterior da cápsula não permitiu que fossem resgatados a tempo.

Teoria da conspiração

Uma famosa teoria conspiratória menciona que desde pelo menos 1959 diversos cosmonautas soviéticos foram enviados em missões espaciais que terminaram com suas mortes. Já naquele ano um oficial tcheco alegou ter sido enviado ao espaço dentro de um míssil balístico convertido para uma nave espacial, e publicou fotos que teria tirado durante a missão.

Ainda em 1959, uma revista italiana denunciou a morte de pelo menos três revelada por outro oficial tcheco, e, apesar das alegações do governo soviético de que estes “paraquedistas” teriam morrido durante treinamentos militares de rotina, uma revista russa acabou publicando uma foto que provava que pelo menos um deles estava vestindo um traje que indicava algum tipo de salto estratosférico.

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Em 1961, dois irmãos italianos, Achille e Giovanni Judica-Cordiglia, publicaram uma série de áudios que supostamente registravam os últimos momentos de cosmonautas soviéticos em suas viagens fatídicas. Uma delas teria ocorrido dias antes do voo de Gagarin, enquanto outra registrou os últimos momentos da primeira mulher a ir para o espaço. Até hoje, no entanto, não se tem qualquer confirmação da veracidade das gravações e dos relatos, e tanto o governo soviético, na época, quanto o russo, negam veementemente que sejam gravações reais.

Planeta dos Macacos

Naquele mesmo ano, os americanos enviaram o chimpanzé Ham num voo-teste bem-sucedido, que não chegou a sair da órbita terrestre. Meses depois, outro chimpanzé, Enos, foi enviado para uma missão mais ambiciosa, que foi abortada depois de duas órbitas na Terra quando se constatou um aquecimento na cabine. Os americanos, ainda atrás dos soviéticos, tiveram que ver outro cosmonauta, Gherman Titov, não só chegar ao espaço como também pilotar manualmente sua espaçonave, a Vostok-2. Os EUA finalmente atingiram sua meta de também chegar ao espaço, primeiro com Alan Shepard e a Mercury-Redstone 3.

Entre algumas histórias folclóricas sobre Shepard, dizem que ao ouvir a notícia de que Gagarin tinha chegado lá antes deles, teria batido com seu punho na mesa com tamanha força que muitos pensaram que teria fraturado algum osso, e outra é a de que, depois de um café da manhã reforçado no dia da decolagem, com suco de laranja, bacon e ovos mexidos, não teria conseguido se segurar antes do retorno da nave.

O que serviu para que a próxima nave americana, a Mercury-Redstone 4, pilotada pelo já mencionado Gus Grissom, tivesse implantado entre seus equipamentos uma espécie de coletor de dejetos. Com John Glenn, que conseguiu dar três órbitas ao redor do planeta, em fevereiro de 1962, os EUA começaram a se aproximar dos arquirrivais. Mas ainda continuavam comendo poeira estelar.

Perdido em Marte

Dois anos (e diversas Vostoks) depois, a União Soviética levou a primeira mulher ao espaço: Valentina Tereshkova. Sem qualquer qualificação como piloto ou militar, Tereshkova foi escolhida às pressas pelos líderes soviéticos depois de Nikolai Kamanin ler uma matéria sobre as intenções dos americanos de escalar uma mulher em seu Mercury 13. “Não podemos permitir que a primeira mulher no espaço seja uma americana. Isto seria um insulto aos sentimentos patrióticos das mulheres soviéticas”, escreveu em seu diário, e escolheu uma paraquedista amadora para o feito.

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Nesse meio tempo, os soviéticos já tinham lançado pela primeira vez dois seres humanos simultaneamente ao espaço, nas Vostok 3 e 4, além da primeira sonda a se aproximar de outro planeta, a Mars-1 (que acabou saindo da rota e indo parar na órbita do Sol). Mas em 1965 eles compensaram conseguindo levar a Venera-3 até Vênus, a primeira vez que algum objeto feito por seres humanos fez contato com algum outro planeta do Sistema Solar.

No ano seguinte, conseguiram pousar com sucesso e receber imagens da Lua através do Luna-9, primeira vez que imagens de outro corpo celeste foram enviadas para a Terra, e em seguida colocaram um satélite artificial em volta do nosso próprio satélite.

A caminho da Lua

A importância de todos esses feitos fica bastante afetada quando se pensa nas condições terríveis em que a maioria do povo soviético vivia na época, e no quanto deve ter sido escondido, tanto em termos de experimentos que deram errado, quanto em termos de dinheiro que provavelmente foi desviado para burocratas e membros do partido dominante — algo que nós brasileiros conhecemos bem.

Mas os Estados Unidos, além do orgulho ferido, estavam com o medo de ter satélites soviéticos sobrevoando seu território, e deram sequência ao seu programa. A meta: colocar o primeiro homem na Lua. E, tal como Kennedy tinha dito em 1962 — “escolhemos ir para a Lua nessa década, e fazer outras coisas, não porque sejam fáceis, mas por serem difíceis, porque esta meta servirá para organizar e medir o valor de nossas energias e habilidades, porque este é o desafio que estamos dispostos a aceitar, que não estamos dispostos a adiar, e que queremos conquistar, assim como os outros”.

Publicamente, os russos diziam que a empreitada de colocar o homem na Lua era um risco desnecessário, e que traria pouco proveito. A ambição do programa soviético, diziam os figurões do Partidão, era uma estação espacial. Secretamente, no entanto, eles estavam trabalhando freneticamente nessa meta. Em 1969, engenheiros soviéticos já acreditavam estarem prontos para enviar um cosmonauta até nosso satélite, quando uma série de falhas no foguete auxiliar adiou o projeto, e no mesmo ano Neil Armstrong deu o seu “small step” ao descer da ”Águia”, o pequeno módulo que saiu da Apollo 11 para nunca mais sair da história, e os russos cancelaram de vez o programa.

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Ao longo da década de 70, os soviéticos continuaram a colher alguns méritos, como o Venera-9, que transmitiu as primeiras imagens de Vênus, a primeira estação espacial, a primeira sonda a pousar em Marte, e assim por diante. Mas a corrida espacial já tinha sido perdida.

No começo da década de 80, ao verem os Estados Unidos abandonarem os programas anteriores para investir nos ônibus espaciais, a União Soviética se viu obrigada a copiar, o chamado programa “Buran”. A grande diferença estava, mais até do que na capacidade dos engenheiros e projetistas envolvidos, no dinheiro disponível para esse tipo de extravagância, num país em que boa parte da população mal tinha dinheiro para comer e passava o dia em filas. Assim como o país ruiu, o Buran terminou seus dias abandonado em um hangar que desabou por falta da manutenção.

O fim da União Soviética na década de 1990 trouxe uma nova era de colaboração entre as duas superpotências, que resultou não só na Estação Espacial Internacional, mas como diversas missões envolvendo astronautas e cosmonautas, chegando até mesmo ao ponto de termos o primeiro brasileiro no espaço. Com a entrada de outros países no cenário espacial, inclusive da nova potência mundial, a China, e o surgimento de empresas privadas financiando empreitadas, o futuro é incerto, mas oferece não só mais esperança, como mais transparência.