A discussão quanto à ciência por trás do casamento e a felicidade trata, na verdade, se discutir se o casamento é visto como um meio de crescimento individual ou como uma união de amor. Cada um dos lados reclama para si a autoridade do discurso científico. Muitos criticam uma ciência que se apoia na visão individualista da família. Os argumentos ganham o debate público quando a ciência propõe esclarecer a verdade ética por trás do caráter do casamento. Pessoas casadas são mais felizes porque o casamento atende a uma necessidade profundamente humana de amor e senso de comunidade.
Essa dinâmica explica por que tomos e mais tomos de literatura científica sobre quão prejudicial os lares divididos são para crianças – estudos produzidos consistentemente ao longo dos últimos quarenta anos – não levam intelectuais ou legisladores progressistas a defenderem a família como a unidade básica essencial da sociedade. Isso também explica por que alguns estudiosos recorrem a dados manipulados.
Na verdade, essa primavera relevou outro episódio para os anais da pseudociência progressista. O casamento beneficia os homens, mas torna as mulheres “extremamente infelizes”, disse Paul Dolan, professor de ciência comportamental da London School of Economics. Essa afirmação afronta a ciência por razões ideológicas.
Palestrando no London’s Hay Festival e promovendo seu novo livro, Happy Ever After [Felizes para sempre], Dolan disse o seguinte: “Obtivemos alguns bons dados longitudinais acompanhando as mesmas pessoas ao longo do tempo. (...) Se você é homem, é melhor se casar; se é mulher, nem se dê ao trabalho”.
Os homens “se acalmam” e aprendem os hábitos que levam ao sucesso à custa de mulheres que funcionam como um pai, trabalhando um segundo turno em casa e, como consequência disso, são infelizes. “O subgrupo populacional mais saudável e feliz é o de mulheres que nunca se casaram nem tiveram filhos”, disse ele. A mensagem é esta: continue solteira ou, na melhor das hipóteses, transforme o casamento para que as mulheres possam se aproximar da vida independente de solteiras dentro do casamento.
Estudiosos como Nicholas Wolfinger, da Quillette e do blog Institute for Family Studies, e Gray Kimbrough chamaram as afirmações de Dolan de fraudulentas. Os dados usados por ele, diz Wolfinger, contradizem décadas de “dados que consistentemente demonstram que as pessoas casadas são mais felizes do que as não-casadas”.
Mas Dolan nunca se retratou. O jornal The Guardian tampouco publicou qualquer errata. Tal “erro acadêmico” poderia, de acordo com Wolfinger, causar uma ruptura no meio. Talvez então devêssemos nos preocupar mais com o dano que este erro, frequentemente repetido e popularizado, causa ao casamento, e não com o efeito dele sobre a credibilidade em queda de nossas instituições acadêmicas corruptas. “O erro acadêmico” tem se transformado na “prática acadêmica” a serviço de uma ampla pauta ideológica.
Feminismo acadêmico
A história e o conselho de Dolan estão entrelaçados ao projeto de feminismo acadêmico. As femininas não permitir que a mera refutação acadêmica impeça o projeto delas porque a ideologia permite que elas ignorem descobertas inconvenientes. “Cientistas” como Dolan são oponentes ideológicos impecáveis da comunidade defensora do casamento. Eles devem ser refutados por causa da visão empobrecedora que têm do casamento.
Essa é uma história antiga. Feministas como Dolan há muito defendem que o casamento é benéfico para os homens e prejudicial para as mulheres. Jessie Bernard publicou The Future of Marriage [O futuro do casamento], que já foi considerado um “livro revolucionário” que apresentou o “casamento dele e dela” aos Estados Unidos em 1972. Baseado no que pretendia ser sociologia com estofo, o livro de Bernard buscava provar que o casamento é física, social e psicologicamente bom para os homens, enquanto deixavam as mulheres doentes, isoladas e infelizes, isso não quando as levada à morte precoce.
Esposas sofrem de “mais problemas de saúde mental e emocional” quando comparadas a homens casados e mulheres solteiras, diz Bernard. O “custo psicológico e emocional (...) aparece na infelicidade crescente das esposas ao longo do tempo, e também em sua visão cada vez mais negativa e passiva da vida”. Homens casados sempre demonstram “uma impressionante superioridade em quase todos os indicadores”, quando comparados a homens solteiros.
Bernard reconhece que pesquisas mostram que mulheres casadas são consistentemente mais felizes do que mulheres que jamais se casaram, e que mulheres que nunca se casaram são consistentemente mais infelizes. Ainda assim, para “provar” sua ideológica e os fatos obscuros de sua sociologia, Bernard diz que mulheres casadas sofrem lavagem cerebral para pensar que são felizes. A felicidade delas reflete seu “conformismo”. As mulheres “internalizaram tão completamente as normas do casamento que o papel de esposa lhes parece o único plenamente aceitável”. Elas tiveram suas mentes deformadas – da mesma maneira que os chineses deformavam os pés das jovens meninas.
Bernard substitui a lavagem cerebral antiga por uma nova, dando ênfase à realização pessoal e o que eu chamo de “mística da carreira”. O novo casamento rejeita os antigos votos de “na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença”. As futuras esposas no novo casamento proposto por Bernard vão, entre outras coisas, “continuar a crescer, cada uma a seu modo único”; “manter as escolhas quanto à relação, sabendo que entre os riscos do crescimento individual está o risco da separação”; “abrir caminho para o processo de crescimento” e “criar um clima que estimule e convide ao crescimento”. Nada de filhos, de amor duradouro, de se construir uma vida juntos ou daquela coisa de “dois se tornam um” no novo casamento proposto por Bernard.
De acordo com essas feministas, não há nenhum problema dentro do casamento que não possa ser resolvido encorajando as mulheres a agirem e pensarem mais como se fossem solteiras. Quanto mais solteira, melhor. Assim, o feminismo acadêmico celebra a beleza e a honra da independência feminina, vendo o casamento como um meio corrompido de autorrealização.
Será que existe ao menos uma prova capaz de convencer as feministas de que o casamento pela autorrealização é ruim para os seres humanos em geral e para as mulheres em especial? Os episódios de Dolan e Bernard (com uma diferença de 50 anos entre eles) mostram que as conclusões feministas não são afirmações científicas, e sim análises quanto à justiça pública e as vantagens da vida privada.
A ideia feminista do casamento que exalta a independência da vida solteira deve ser vista de um patamar superior ao da ciência – do patamar do caráter humano e da visão social. A visão feminista ignora motivações humanas fundamentais e não compreende a realidade do casamento.
Necessidade humana de amor
A visão feminista ignora a profunda necessidade humana de amor e excluir o amor. Amar significa que as duas pessoas são incompletas sozinhas e procuram se tornar completas unindo suas vidas. O amor implica na interdependência entre as pessoas. O esforço para ver os homens como seres independentes dentro do casamento e as mulheres como dependentes é uma das simplificações mais risíveis na longa história das simplificações risíveis do feminismo acadêmico.
No esforço para verem o casamento como um jogo de poder no qual os homens têm vantagem sobre as mulheres, as feministas não percebem que os homens dependem das mulheres tanto quanto as mulheres dependem dos homens. O casamento não tem nem nunca teve a ver com poder – essa é uma mentira feminista repetida com frequência. O casamento tem a ver em amalgamar os interesses dos homens e das mulheres para que o “dele” e “dela” não seja compreendido sem o “nosso”.
A desconstrução feminista do casamento ignora a beleza de um homem e uma mulher se tornando um ente único por meio do casamento, construindo uma vida juntos. Homens e mulheres veem o casamento de formas diferentes, mas isso só se dá porque eles têm personalidades e prioridades diferentes e porque dão contribuições diferentes para o casamento. Claro que a um casamento “dele” e outro “dela”, mas há também uma comunidade marital compartilhada que cresce com o tempo entre o homem e a mulher.
Não são os indivíduos que crescem com o casamento; ao contrário, no casamento as pessoas crescem juntas.
Nem toda a ciência do mundo é capaz de responder às perguntas mais profundas. A “ciência” da imigração trata de que tipo de comunidade política queremos ser, por exemplo. O debate político envolve hierarquizar propostas e fazer escolhas. Fingir que questões de prioridade política são questão meramente técnicas ou científicas é a maior mentira do nosso tempo. A refutação da ciência ideologizada abre caminho para a sabedoria nesses assuntos, mas ela em si não é sabedoria. Os conservadores precisam reaprender essa lição a fim de defenderem bens públicos fundamentais como o casamento e a família.
Scott Yenor é professor de Ciência Política na Boise State University.
© 2019 The Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês.