Aprovada em 2021, a lei canadense de que trata do suicídio assistido permite que médicos ofereçam o “tratamento” a pessoas com problemas psiquiátricos a partir do ano que vem. Uma vez que os transtornos psiquiátricos graves tendem a nublar a capacidade de raciocínio dos doentes, é de se perguntar quem se beneficia com essa lei. Ela excluirá da sociedade pessoas que em geral são irascíveis, improdutivas e caras. Talvez elas sejam estimuladas a aderirem ao suicídio assistido em prol de seus parentes ou até do país. Os limites entre o voluntário e o compulsório talvez não sejam mais tão claros.
A lei é uma consequência lógica do direito à morte digna reclamado por muitos – isto é, o direito a uma morte predeterminada e cujo método será escolhido com a ajuda de médicos e enfermeiras. Originalmente, o direito era conferido aos desenganados. Mas por que os desenganados deveriam ter a exclusividade da boa morte, não é mesmo? Ou o homem tem o direito de se matar ou não; se ele está ou não morrendo (e, de certa forma, todos estamos sempre morrendo) é irrelevante. Se um homem tem o direito de se matar, nada mais humano do que dar a ele a oportunidade de fazer isso com todo o conforto, cercado pelos entes queridos, com uma musiquinha tranquila e sem aquela sujeira toda associada ao “suicídio sem assistência”.
Muitos daqueles atualmente determinados a abandonarem esta vida são obrigados a viajar até a Suíça, mas isso é caro e gera uma divisão social a mais, entre os que podem e os que não podem pagar pelo suicídio assistido. O que significa igualdade de direitos se as pessoas não podem exercer igualmente seus direitos? A suposta igualdade perde o sentido. Portanto, não só deveria haver leis permitindo o suicídio assistido da forma e na hora em que a pessoa quiser morrer como, em nome da igualdade, é dever do Estado garantir que as pessoas tenham acesso a isso por meio do rede de segurança social.
O argumento insustentável, claro, tem sido usado como uma das principais objeções à legalização do suicídio assistido e da eutanásia. Nem todas as objeções fazem sentido, mas temos motivos para, ao menos em algumas jurisdições, acreditar que essa faz. Em 2017, uma pesquisa publicada no New England Journal of Medicine anunciava (com algum orgulho) que na Holanda 92% das pessoas que se submeteram à eutanásia tinham doenças graves. A pesquisa não explicava as circunstâncias dos 8% dos casos restantes – e os editores evidentemente achavam que não era educado perguntar. Os números não eram baixos: a quantidade de pessoas sem doenças graves submetidas à eutanásia era a mesma de pessoas assassinadas na Holanda nos últimos quatro ou cinco anos. O Estado, pode-se dizer, é cúmplice em mais assassinatos do que todos os criminosos do país juntos.
Além disso, doenças graves não são o mesmo que doenças fatais. Uma doença pode ser grave, mas não fatal; ela pode ser suportável ou não, mas se a doença é grave ou fatal é apenas uma questão técnica a ser respondida por meio de um formulário. A saída fácil sempre será uma tentação para pessoas que, de outra forma, talvez suportassem a doença. E, em tempos de dificuldades econômicas, talvez essas pessoas se sintam incentivadas a se submeterem à eutanásia. Afinal, nossos hospitais estão cheios e precisam desesperadamente de leitos para tratar os que podem ser curados.
Do outro lado da questão está o fato de que todos conseguem imaginar facilmente circunstâncias nas quais alguém prefere morrer uma morte tranquila a enfrentar uma doença. O princípio do efeito duplo, que diz que os médicos podem prescrever remédios para aliviar o sofrimento, mas que também encurtam a vida dos moribundos, prevalece há tempos. Não é a solução perfeita para o dilema, se bem que não existe solução perfeita.
Theodore Dalrymple é colaborador do City Journal, membro do Manhattan Institute e autor de vários livros.