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Em coluna no Washington Post, Sally Jenkins coloca várias questões quanto à natureza do atletismo universitário, ao propósito da Associação Nacional Atlética Universitária (NCAA, na sigla em inglês) e ao papel da competição nos esportes universitários – tudo no contexto da nadadora transgênero Lia Thomas. Mas o que Jenkins está fazendo mesmo é ignorar o elemento essencial do esporte: competição. Em específico, competição justa. Tirar a competição justa do debate e pautá-lo pela questão do identitarismo obscurece a vantagem biológica inerente de mulheres transgênero, porque admitir que a competição é injusta leva à conclusão de que mulheres transgênero não são mulheres (biológicas), e revela que todo o argumento progressista que iguala identidade de gênero e fato biológico imutável é uma farsa.
Até a primavera [boreal] de 2019 [i. e., de março a junho], Thomas se identificou como homem e nadou no time masculino da Universidade da Pensilvânia. Há pouco competiu ele no time feminino do campeonato da Associação Nacional, no qual ficou no prestigioso top 8 em todas as suas participações individuais, incluindo um primeiro lugar na categoria de 500 jardas em estilo livre. Mas Jenkins, e muitas como ela, querem deslocar o debate dos transgênero nos esportes, tirando-o da justiça e da competição, para colocá-lo no fanatismo e na inclusividade. Jenkins usa conceitos abstrusos sobre crescimento pessoal, filosofia esotérica e meditações profundas para separar competição e esporte. Jenkins pergunta: “Qual é o propósito real e o valor da competição da NCAA?” e insiste que a meta da competição atlética não é… competição. “Deve ser investigar a quem somos nós, seja na beira da piscina ou na quadra de basquete…” Afinal, “todo mundo é trans” porque todos “estamos a caminho de nos tornarmos alguém profundamente diferente do que fomos.” Jenkins acrescenta:
“Se você tirar o propósito de 'se tornar alguém' da competição só por temer uma Lia Thomas e fizer dela estritamente uma chance de ganhar um prêmio, então você também pode ir a um parque de diversões atirar com uma pistola d’água na cara de um palhaço, porque terá tanto significado quanto.”
Como uma antiga nadadora universitária da Divisão I, acho isso um absurdo. Seja na quadra ou, no meu caso, na piscina, a finalidade última é vencer. A ânsia de ser a melhor no meu esporte e nas minhas participações – nado livre de longa distância – era a razão de eu andar de bicicleta debaixo da neve durante as práticas vespertinas na Universidade de Minnesota. Foi por isso que eu nadei incontáveis raias, me pressionando no silêncio dos meus pensamentos, olhando para o fundo da piscina. É por isso que passei os meus anos na universidade me abstendo de outras atividades, festas e até estágios, na busca dos meus sonhos.
É claro que o crescimento pessoal é um benefício da participação nos esportes. Aprendi o valor do trabalho duro, da determinação, da força, e como ser uma vencedora humilde e uma perdedora graciosa. Mas, primariamente, os atletas querem competir, e competir para ganhar ou perder de forma justa. Jenkins pergunta: “A presença de Thomas impede outras nadadoras de encontrar quem elas são?” Não. Mas a presença de Thomas está impedindo as nadadoras de competir num ambiente justo – um ambiente no qual essas moças treinaram e sacrificaram toda a vida para alcançar a outra margem da piscina, e que é o ponto de partida da competição atlética.
A Associação Nacional deveria estabelecer os parâmetros de justiça e agir judiciosamente na implementação de regras que aplica. Segundo seu site, a missão da NCAA é “focada em cultivar um ambiente que enfatize a academia, a justiça e o bem-estar nos esportes universitários.” Sem justiça, competição e, portanto, sem esportes, não tem significado. David Timmerman de Saint Charles, Missouri, é pai de uma menina que compete pelo time de natação local e espera um dia nadar na universidade. Perguntei a Timmerman, ele próprio um ex-atleta, se está preocupado com a justiça nos esportes femininos. “O que me preocupa é minha filha ser forçada a competir com homens biológicos por uma vaga num time universitário. A NCAA está deixando homens competirem com mulheres com base em alguma medição de hormônios e diz que isso é justo. Mulheres não são homens com supressão hormonal. São diferentes, especiais, seres humanos nascidos com qualidades inerentes. Vejo isso com meus olhos, e pedir que eu ignore é simplesmente errado.”
Jenkins usa argumentos emocionais e culturais, bem como exemplos de atletas excepcionais, para ofuscar o fato de que, enquanto grupo, homens têm vantagens biológicas em competições atléticas. Insistir que Lia Thomas deixa a natação feminina mais interessante e portanto é uma justificativa para permitir a inclusão de transgêneros é, outra vez, ignorar que o atletismo da NCAA diz respeito sobretudo às conquistas atléticas dos estudantes. É verdade que as histórias de interesse humano que fomos condicionados a esperar, tal como o espetáculo encontrado na atual cobertura televisiva das Olimpíadas, são um subproduto da competição. Mas dizer que isso é o propósito principal do atletismo universitário é demais.
O principal argumento de Jenkins ecoa o de muitos que estão do lado dos ativistas trans e defendem que homens biológicos participem de competições femininas: Todo ser humano nasce com certas vantagens e desvantagens – variações genéticas que se manifestam em atributos físicos, tais como altura, comprimento dos braços ou resistência natural – e gênero é só mais um atributo normal. Portanto negar isto é agir contra o espírito de “inclusão”. Jenkins cita a ex recordista mundial e dona de cinco ouros olímpicos, a nadadora Missy Franklin, que, com 1,88 m., certamente tinha uma vantagem com sua altura. Mas ela não tinha anos de testosterona que lhe dariam muitas outras vantagens na piscina, uma coisa gritante quando Lia Thomas nada. E se deixássemos homens maiores, mais rápidos e mais fortes competirem com mulheres, teríamos ouvido falar de Missy Franklin? E de Serena Williams, Megan Rapinoe ou Allyson Felix?
Quem celebra Lia Thomas como mulher tenta lançar um véu sobre o propósito dos esportes competitivos e da biologia. Entende que o avanço do movimento transgênero significa a retirada dos direitos e proteções das mulheres, e que ele depende do debate quanto à justiça ou injustiça de Lia Thomas competir com mulheres.
Enquanto a NCAA e a Natação dos EUA, junto com todos os outros órgãos dos esportes, não defenderem a sacralidade da competição, os direitos das mulheres estarão em perigo. Uma ameaça em uma área é uma ameaça às mulheres em todas as áreas.