Jonathan van Ness na capa da Cosmopolitan: questão séria tratada de maneira fútil| Foto: Reprodução

Um homem biológico vai estampar a capa da edição britânica da tradicional revista feminina Cosmopolitan, que durante décadas foi publicada no Brasil com o nome de Nova. O nome dele é Jonathan Van Ness, um ex-cabeleireiro de celebridades em Los Angeles que virou estrela mundial graças ao reality show Queer Eye for the Straight Guy, atualmente exibido pela Netflix.

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Apesar de dizer que seu “pronome preferido” é ele e de usar uma espessa barba, Van Ness se identifica como não-binário. E, em meio à profusão de gêneros defendida pelos ativistas LGBTQI+, ser não-binário pode significar várias coisas, desde um homem, ou melhor, uma pessoa que não se identifica nem como homem nem como mulher até um homem que se identifica como homem e mulher ao mesmo tempo.

Anunciada com o estrondo de uma novidade revolucionária, a presença de Jonathan Van Ness na capa da Cosmopolitan não é nada disso. Em 2012, a boy band One Direction já estampou a capa da revista e, muito antes disso, em 1984, o andrógeno astro pop Boy George já havia ocupado o mesmo lugar. Na verdade, a presença de Van Ness na capa da revista de futilidades nada mais é do que uma estratégia publicitária para promover sua “arrasadora” autobiografia, Over The Top [Exagerado].

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Nela, Van Ness usa o linguajar exagerado e sempre muito dramático, típico da cultura queer, para contar, como era de se esperar, uma história triste, marcada pelo abuso sexual na infância, vício em sexo e drogas e, por fim, a convivência, desde 2012, com o vírus HIV.

A futilidade como forma de transgressão

Jonathan Van Ness é um estereótipo ambulante não só da cultura queer como também do progressismo mais radical, aquele que faz uso de pessoas com uma história triste para promover a ideia de um mundo sombrio, tenebroso, insuportável mesmo, cujos defeitos todos serão um dia resolvidos por meio do planejamento cuidadoso de todos os aspectos da sociedade, incluindo aí o pensamento e a sexualidade.

Não há como não se compadecer um pouco ao ver o sorriso incrivelmente triste de Van Ness na capa da revista, usando um vestidinho rosa, calçando tênis e exibindo uma barba de fazer inveja aos nossos antepassados das cavernas. Ali na capa da Cosmopolitan, para fins comerciais e ideológicos, está impressa a figura de um ser que se diz não-binário e que parece refletir os valores da publicação especializada em dicas de sexo, notícias de celebridades, conselhos de namoro e relacionamento, tutoriais de beleza e moda. Mas Jonathan Van Ness é mais do que um ser não-binário. É um homem cuja própria biografia que ele pretende fazer chegar à lista dos mais vendidos revela um ser frágil que, como todos, busca uma redenção, mas tropeça numa visão de mundo materialista e hedonista.

A própria não-binaridade apregoada por ele e exaltada como mais um aspecto admirável da incrível diversidade humana trai este suposto “virtuosismo sociológico” quando atende por seu outro nome: inconformidade de gênero. Repare que há no termo “inconformidade” algo que almeja a transgressão, mas que está muito aquém dele. É algo que nos remete mais à birra infantil, aquela coisa de se jogar no chão no meio do shopping e gritar “não, não me conformo em ter nascido homem!”.

A própria revista, num arroubo de honestidade, diz isso no texto que acompanha o ensaio fotográfico. Nele, lê-se: “E eis o problema quando se é Jonathan Van Ness. Você está travando uma guerra constante não só contra as forças de discriminação e conformidade na sociedade”.

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Esse pendor pela guerra constante contra inimigos, digamos, metafísicos e essa postura infantil diante do mundo e da vida tornam Van Ness presa fácil para quem pretende fazer uso político de sua imagem exageradamente positiva. Prova disso são as opiniões políticas que o ex-cabeleireiro expressa desavergonhadamente para a revista de temas fúteis, mostrando, mais uma vez, o quanto o progressismo instrumentaliza as tragédias pessoais, transformando-as quase que naturalmente em capital político-eleitoral.

"Recentemente apoiei Elizabeth Warren para a Presidência dos Estados Unidos”, diz ele, para logo em seguida explicar que isso não tem necessariamente a ver com uma rejeição por outro expoente do progressismo norte-americano, o “comunista à moda antiga” Bernie Sanders. “Por mais que eu concorde com Bernie, me sinto mais à vontade com uma líder mulher inteligente e forte”, arremata, no delírio pretensamente virtuoso das pautas identitárias.

“Eu não sei como consertar o mundo!”, diz em seguida Van Ness (e mais uma vez é impossível não evocar a imagem de uma criança). “Quero melhorar a rede de segurança social para pessoas com HIV e quero encontrar uma forma de garantir que Donald Trump não vença outra eleição”, continua, refletindo uma visão de mundo em nada mais complexa do que a conversa pequena que as pessoas travam nos salões de beleza enquanto leem dicas de sexo, moda, beleza e relacionamento na Cosmopolitan.

Suicídio e tragédia

A instrumentalização de Jonathan Van Ness e outros personagens não-binários tem outra faceta macabra. Ela esconde, por exemplo, o altíssimo índice de suicídios entre os transgêneros que, a despeito do sorriso aberto, do vestidinho colorido e da atitude totalmente positiva quanto ao HIV (sem trocadilho, por favor), levam uma vida comumente miserável, marcada pelo rompimento dos laços afetivos e por consequentes surtos de depressão e ansiedade. Um bom exemplo disso é o relato pungente da renomada economista Deirdre McCloskey (ex-professora do ministro Paulo Guedes, aliás) para a revista Quillette.

O fato é que as questões de sexualidade e gênero são muito mais complexas do que sugerem os ativistas. No cotidiano, tudo é muito mais triste e sofrido – e não por causa da sociedade capitalista patriarcal ou coisa do tipo, e sim porque, no íntimo, intelectual e emocionalmente, tanto heterossexuais quanto homossexuais e não-binários somos seres conturbados que buscamos, conscientemente ou não, um sentido para nossa existência.

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Com seu sorriso escancaradamente melancólico e a barba falsamente transgressora num tutu rosa, Jonathan Van Ness e a Cosmopolitan só glamorizam um vazio muito próprio da nossa época. Mas talvez o objetivo seja justamente este: vender maquiagem que não borre quando a pessoa vê a tragédia refletida no espelho.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]