Já chegou a hora do Congresso americano começar uma investigação de impeachment do Presidente Donald Trump por obstrução da justiça.
O impeachment foi criado como um mecanismo de último recurso para preservar o sistema constitucional. Ele remove do governo políticos do executivo que abusaram tanto do poder por meio dos chamados crimes e delitos de alto escalão que não têm mais confiança para continuar em seus cargos.
Nenhum presidente americano foi removido por abusos, ainda que Andrew Johnson tenha passado pela investigação e não foi impedido por um voto e que Richard Nixon renunciou ao cargo antes do impeachment para evitar esse destino.
Agora o país se encontra com um presidente cuja conduta sugere que ele é um perigo para o sistema de governo americano.
Existem motivos suficientes para considerar o impeachment como opção com esse presidente, mesmo antes de ele ter demitido James Comey, então diretor do FBI, e ter admitido em televisão nacional que a ação foi provocada pela investigação intensa que o FBI conduzia sobre as relações entre a campanha presidencial de Trump e a Rússia.
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Mesmo antes de chegar ao fundo dessa "coisa com a Rússia", como chamou Trump, ofensas passíveis de impeachment já poderiam ter sido denunciadas desde o começo de sua presidência. Um exemplo importante é cara de pau com que se posicionou contra a cláusula de emolumentos estrangeiros, feita para prevenir que forças estrangeiras pressionem oficiais americanos a trair a lealdade completa aos EUA. Mas a realidade política fez com que o impeachment parecesse prematuro.
Não mais.
Esperar o resultado das diversas investigações em andamento é arriscar que o destino da nossa nação esteja ligado aos caprichos de um líder autoritário.
A demissão de Comey não vai parar o inquérito, mas representa um esforço óbvio de interferir com uma questão que envolve a segurança nacional e é muito mais séria que os escândalos que Nixon tentou esconder em Watergate. A questão da interferência russa com a eleição presidencial e o encontro com a campanha de Trump ataca o coração do nosso sistema e a habilidade de conduzir eleições livres e justas.
Deve-se considerar, também, como Trump envolveu Rod Rosenstein, vice procurador geral, e Jeff Sessions, procurador geral, nas justificativas para demitir Comey mesmo que Sessions tenha recusado a se envolver na investigação da Rússia. Trump usou o vice-presidente e membros da Casa Branca para propagar mentiras — isso antes que a entrevista a Lester Holt expusesse seus motivos reais.
Trump acompanhou a confissão com afirmativas interesseiras e falsas sobre ter sido assegurado por Comey que não estava sendo investigado. Na versão de Trump, ele perguntou a Comey sobre o status da investigação quando conduzia o equivalente a uma entrevista de emprego para decidir se Comey manteria sua posição como diretor.
Investigações posteriores sugerem que o encontro foi ainda mais estranho, com Trump insistindo que Comey prestasse "lealdade" a ele para permanecer com o cargo. Ele não viu nada de errado em falar sobre essa lealdade publicamente, já que o presidente fez uma ameaça não tão sutil no Twitter, dizendo que Comey se arrependeria de dar sua versão das conversas com o presidente — o que Comey não só pode, como legalmente deve fazer.
Dizer que isso não é o suficiente para se falar de obstrução de justiça é esvaziar esse conceito de seu significado. Obstrução de justiça foi o primeiro ponto entre os artigos do impeachment de Nixon e, anos depois, um ponto contra Bill Clinton.
No caso de Clinton, a obstrução ostensiva consistia em mentir sobre um affair sexual que aconteceu no salão oval, mas que não envolvia abuso presidencial propriamente dito.
Mas no caso de Nixon, a lista de ações que juntas levariam ao impeachment parece piada perto do Trump pode fazer nas próximas décadas — fazer alegações questionáveis e negar evidências para investigações federais; tentar interferir com investigações do FBI; tentar se infiltrar em investigações secretas em andamento.
Será necessário um cometimento sério ao princípio constitucional e uma vontade corajosa de pôr o interesse nacional acima de interesses individuais ou partidários para que o Congresso do mesmo partido do presidente inicie um inquérito de impeachment. Mas seja a devoção ao princípio ou a fome por sobrevivência política que coloquem o impeachment na mesa, é crucial que ele seja levado a sério e que o mecanismo da remoção seja reativado, e que a necessidade de usar o impeachment seja o foco político do discurso de 2018.
Laurence Tribe é professor na Carl M. Loeb University e professor de Direito Constitucional na Harvard Law School.
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