Um importante aniversário na história da exploração espacial – e da consciência cósmica – está sendo celebrado.
Quarenta anos atrás, em 20 de agosto e em cinco de setembro de 1977, dois robôs chamados Voyager foram despachados para explorar o sistema solar e a vasta escuridão além dele.
O que resultou da expedição foi uma releitura do que o mundo poderia ser e quais estranhos berços da geologia e da química teriam o poder de dar origem a outras formas de vida.
Era uma aventura de Jornada nas Estrelas da vida real, mas a tripulação ficou em casa, comunicando-se com suas duas espaçonaves através de bits de dados.
Programas de computador recém lançados foram mandados e os dados retornaram — incluindo fotos de baixa qualidade das novas paisagens e a gravação de sussurros e gemidos dos campos de plasma dos planetas. Tudo isso era realizado por um cérebro robótico com a mesma capacidade de memória de um relógio digital antigo.
As naves espaciais tinham sido projetadas para fazer o que os cientistas chamaram de "Grand Tour", aproveitando-se de um alinhamento planetário que ocorre a cada 175 anos. A Voyager 1 e a Voyager 2 utilizariam a gravidade dos planetas para se lançar de Júpiter para Saturno e depois para Urano e Netuno e então ir além da borda do domínio solar diretamente para o espaço interestelar.
Ao final, apenas metade da viagem — para Júpiter e Saturno — foi aprovada. Mas a equipe da Voyager preparou as malas para uma viagem muito mais longa. Quando decolaram, há 40 anos, as duas espaçonaves carregavam gravações com imagens e sons da terra, saudações do presidente Jimmy Carter e instruções para tocá-las.
A ideia era que as Voyagers observariam o universo e deixariam algo para quem um dia as encontrasse.
Os emissários robóticos cruzaram o sistema solar e passaram por diferentes administrações presidenciais, guerras, escândalos e o desastre da Challenger, que aconteceu enquanto a Voyager 2 se afastava de Urano.
Em cada pulo planetário, os membros da equipe das Voyagers, um pouco mais velhos e mais grisalhos, reuniam-se no laboratório de propulsão a jato em Pasadena, Califórnia, para uma maratona de uma semana de descobertas, um rápido circo da ciência.
Cachoeiras de enxofre e chuva de nitrogênio
Com imagens sendo enviadas de volta pelas sondas, o que até então, nos maiores telescópios do mundo, havia parecido pontos distorcidos, transformou-se em vários mundos.
Na terra, alguns teóricos afirmavam que estavam se concentrando em uma suposta teoria de tudo, o sonho de Einstein de uma equação tão simples que pudesse ser inscrita em uma camiseta.
Mas, no espaço, os cientistas descobriam que tais teorias não ajudavam em nada quanto à infinita capacidade da natureza de inventar e surpreender. Cada novo mundo revelado pelas Voyagers era mais um quebra-cabeça.
Em algum momento anterior presumiu-se que as luas dos outros planetas, tão longe do sol e tão perto das origens do sistema solar, seriam apenas enfadonhas bolas de gelo, mortas geologicamente e de todas as outras formas possíveis.
Mas a Voyager 2 avistou vulcões jorrando cachoeiras de enxofre da superfície da lua mais interna de Júpiter, a Io. Durante uma inspeção mais detalhada, viram que os anéis de Saturno — as joias do sistema solar — portam 10 mil ranhuras, como em um disco de vinil, trançadas, torcidas e patrulhadas por pequenas luas.
A Voyager 1, por sua vez, analisou uma espessa e esfumaçada atmosfera de Titã, onde chuvas de nitrogênio e metano caem sobre um monte de lama congelada de hidrocarbonetos e em lagos oleosos e, em seguida, sai em direção ao espaço interestelar.
A Voyager 2 cruzou até Urano, misteriosamente tombado sobre o próprio eixo e rodeado por anéis que o faziam parecer um alvo.
A sonda passou por Netuno, e sua tranquila superfície de metano azul, manchada por um ponto negro, e também por sua lua, Tritão, uma rocha de gelo que flui como sorvete derretido em meio aos gêiseres de nitrogênio.
A Voyager 2 continuou sua viagem. Quando chegou a Netuno — o porteiro do nosso sistema planetário, agora que Plutão não conta mais —, os engenheiros do laboratório haviam instalado antenas ao redor da Terra para ouvir em uníssono, capturando os bits de dados que fluíam de quase cinco bilhões de quilômetros de distância.
Chuck Berry, cuja música foi incluída nos registros das naves espaciais, veio ao laboratório para tocar em uma festa de despedida das Voyagers.
Ainda haveria um último ato. Em 1990, enquanto ascendia no vazio, a equipe da Voyager 1 comandou que ela girasse suas câmeras para trás, tirando um retrato de família dos planetas que estava para sempre deixando para trás.
A Terra aparece na imagem como o famoso "pálido ponto azul" em uma luz difusa, "uma partícula de pó suspensa em um raio de sol", como o astrônomo e sábio cósmico Carl Sagan descreveu mais tarde.
Espaço interestelar
As câmeras das Voyagers estão desativadas, mas as sondas continuam a transmitir informações sobre as condições no espaço mais profundo.
Em outubro de 2012, medições do campo magnético e de raios cósmicos indicaram que a Voyager 1 atingira a borda da bolha magnética que o Sol estende como um guarda-chuva sobre os planetas, bloqueando a radiação externa.
A Voyager 1 estava no espaço interestelar, o primeiro artefato humano a escapar do sistema solar. Ela e sua gêmea seguirão circulando pela galáxia, mesmo depois de deixar de nos enviar informações.
Na plenitude do tempo galáctico, as Voyagers podem ser encontradas, mas até lá a raça humana pode estar extinta há muito tempo. Os registros dentro das Voyagers podem ser os únicos remanescentes físicos, a última evidência solitária do que vivemos nessa cidade das estrelas, entre essas ilhas de gelo e rochas.
Quando as espaçonaves deixaram o planeta, estávamos empolgados com as possibilidades de uma exploração espacial que nunca chegaria ao fim. Era como se, num passe de mágica, todos estivéssemos viajando pelo espaço.
The twin @NASAVoyager took some of the 1st up-close images of planets in our solar system. Take a look: https://t.co/v5BZ6yxCIX #Voyager40 pic.twitter.com/qL1PTYSr0c
â NASA (@NASA) September 3, 2017