Uma mulher de 20 anos, grávida de 39 semanas, levou um tiro na boca na manhã deste domingo (12) em Sobradinho, no Distrito Federal. Ela foi resgatada e sobreviveu ao crime. Os médicos conseguiram fazer o parto da criança, a menina passa bem. A mãe, que passou pela cesárea ainda com a bala alojada na cabeça, está internada em estado estável.
A polícia afirmou que o responsável pela tentativa de feminicídio é o marido da vítima, de 24 anos, que está foragido. O pai do suspeito disse ao G1 que o tiro foi acidental, disparado enquanto o homem limpava a arma.
Os números de violência contra a mulher são alarmantes no Brasil, e por isso crimes como esse aparecem diariamente no noticiário. Segundo o 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no dia 9 de agosto, foram registrados mais de 193 mil casos de violência doméstica contra mulheres no país em 2017. Ou seja, todos os dias, em média, mais de 530 mulheres denunciaram casos de lesão corporal dolosa resultante de violência doméstica.
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Alguns estados incluem nessa relação os casos de violência psicológica enquanto outros não. Portanto, o cenário da violência doméstica pode ser ainda mais triste. Uma certeza é que as mulheres são as principais vítimas desse tipo de violência, representando mais de 87% do total dos casos registrados em 2017. O perfil dos outros atingidos, que incluem idosos, crianças e outros homens em situação de vulnerabilidade, não é detalhado pelo relatório.
Muitas mulheres não conseguem sair sozinhas do ciclo de violência que sofrem em casa, e por isso o envolvimento de pessoas próximas é importante. “A sociedade deve, sim, meter a colher”, disse Roberta Astolfi, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, organização que publica o Anuário.
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O apoio de pessoas próximas e a ação de quem presencia casos de agressão podem ser um fator decisivo para que uma história de violência possa ter um desfecho positivo. As mulheres quase sempre buscam ajuda acompanhadas por alguém, conta Claudete Carvalho Canezin, coordenadora do Núcleo Maria da Penha (Numape) da Universidade Estadual de Londrina (UEL). “Elas nunca estão sozinhas. A mãe, a irmã, a comadre, a vizinha ou a prima acompanham. Depois de sofrer agressão, a mulher está tão machucada e vulnerável, que às vezes não consegue nem falar”, descreveu Claudete.
Roberta Astolfi lembra o caso da advogada Tatiane Spitzner, que morreu no dia 22 de julho, em Guarapuava. A principal suspeita é de que ela tenha sido jogada pelo companheiro do apartamento de 4º andar em que os dois moravam. Imagens da câmera de segurança mostram Luiz Felipe Manvailer agredindo Tatiane dentro do carro, na garagem e no elevador. “Ali era um caso flagrante de emergência. Talvez os vizinhos não tenham ouvido, mas em um caso assim, as pessoas têm que intervir sem discussão nenhuma”, comentou.
Marcelo Scherer da Silva, defensor público em Santa Catarina, concorda que as pessoas devem agir ao presenciar casos de violência familiar. "Se alguém tem dúvidas [de que se trata de violência doméstica], acho que já está autorizada a procurar as autoridades. A simples dúvida de que alguém pode estar passando por uma situação de violência é suficiente para que ela procure a polícia ou outro órgão protetivo", afirmou.
As próprias vítimas têm a possibilidade de buscar ajuda em instituições de acolhimento, como o Numape, que é um projeto de extensão que tem o objetivo de acolher mulheres em situação de violência doméstica, e fazer atendimentos jurídico e psicológico gratuitamente. A equipe auxilia a mulher a entrar com processos como medida protetiva e outras ações. O atendimento psicológico é feito até a mulher sair do estado de vulnerabilidade e da situação de risco. Se a mulher estiver sendo ameaçada, ela é encaminhada a uma casa abrigo, onde pode ficar com seus filhos até que a fase crítica passe. A equipe também faz contato com familiares da vítima e às vezes a ajuda a mudar de cidade.
Todas as universidades estaduais do Paraná têm um Núcleo como esse. Outras entidades municipais e estaduais também fazem esse acolhimento.
Claudete ressalta que é muito importante que a mulher que sofre agressões procure amparo antes que seja tarde demais. "Não dá para achar que aquela pessoa que diz que vai te matar não vai fazer isso. Não dá para pagar o preço, porque o preço é alto; é a própria vida".
Por que ela não vai embora?
Existem vários motivos por que uma mulher continua sofrendo agressões dentro da família. Muitas vezes, a própria mulher não enxerga que está em uma situação de violência, ou tem medo de buscar ajuda. “Ela entende que a atitude de procurar ajuda vai prejudicar ainda mais dentro de casa, então é interessante que um terceiro faça essa abordagem. A mulher acaba entrando em um sistema de proteção e se conscientizando da própria violência que sofre”, disse Marcelo Scherer da Silva.
Ainda, muitas mulheres que sofrem violência em casa são dependentes financeiramente do marido, e por isso não veem como sair dessa situação. “Ela depende do agressor. Por isso, a vida delas se torna muito mais difícil. Quando começamos a mostrar a ela que existem opções, ela começa a ver que não precisa ficar nesse ciclo de violência”, afirmou Claudete. “Às vezes, ela está precisando ser ouvida para que possa tomar essa decisão”.
Claudete conta que as mulheres que sofrem agressão e não trabalham têm medo de não conseguir se sustentar e as crianças, e muitas vezes também acreditam que o marido vai mudar. De acordo com ela, um pensamento comum é: “eu me sacrifico, eu apanho, mas pelo menos os meus filhos estão comendo”.
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Acabar com o casamento também tem um peso cultural muito grande para algumas mulheres, que dizem que não querem ser divorciadas. “Para elas, romper esse laço familiar é muito difícil”, disse Claudete. “Elas também dizem: ‘a minha mãe apanhava, a minha avó apanhava, a minha filha vai apanhar’. Existe essa mentalidade também, o que dificulta muito”, lamentou.
Existe um julgamento da sociedade à mulher que permanece sofrendo agressões. É comum as pessoas comentarem que ela “está apanhando porque quer”. E esse pensamento acaba sendo compartilhado também por profissionais que devem proteger essas mulheres. É o caso de policias, que podem se frustrar ao ter que atender repetidas ocorrências em um mesmo lar.
“É preciso um trabalho de conscientização dos policiais, para entender que a natureza desse tipo de violência é recorrente, e é muito difícil para a mulher sair dela. O policial atende uma, duas, três vezes, e não quer atender mais aquela mulher. Temos que entender que esse policial sinta frustração. Mas é preciso treinamento para que eles saibam que o trabalho deles é intervir, e que eventualmente essa mulher vai romper o ciclo”, argumentou Roberta.
Homicídios e feminicídios
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública traz ainda dados de homicídio contra mulheres e de feminicídio – crime que foi definido legalmente em 2015 como o assassinato de mulheres pela condição de ser mulher, tipificado como crime hediondo. Foram 4.539 mulheres assassinadas no Brasil em 2017. Já os casos registrados como feminicídio somaram 1.133 em todo o país.
Roberta Astolfi explica que ainda não há consenso entre os órgãos responsáveis de todos os estados sobre como classificar os homicídios contra mulheres. Por exemplo, há dúvidas em casos de estupro seguido de morte, que se encaixa perfeitamente na definição de feminicídio, mas também em outra lei que elenca esse como um crime específico.
Uma característica dos homicídios contra mulheres é que eles acontecem com mais frequência no espaço doméstico, enquanto as mortes violentas de homens tendem a acontecer no espaço público. Assim, as mortes de mulheres são mais comumente esclarecidas. “Não necessariamente [o autor] vai ser julgado e condenado, mas as pessoas sabem se foi o marido, o namorado, o irmão ou um parente. Crimes entre pessoas que têm relações são mais fáceis de esclarecer”, explicou Roberta.
Violência sexual
Os casos de estupro passaram de 60 mil em 2017 no Brasil, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. Mais de seis pessoas foram estupradas a cada hora durante todo o ano no país. Os especialistas no tema sempre afirmam que, como os casos de violência sexual muitas vezes não são reportados às autoridades, os números das bases de dados não refletem a dimensão total do problema. São diversas as barreiras que impedem as vítimas de denunciar esses crimes, entre elas, a vergonha, o medo, e o problema cultural de descrédito e responsabilização da vítima – ou seja, as pessoas que questionam se realmente houve a violência, ou se a vítima não permitiu que ela acontecesse.
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Entre 2016 e 2017, houve aumento das notificações de estupro no Brasil – passaram de 26,7 casos por cem mil habitantes para 28,9 casos por cem mil habitantes. Roberta Astolfi afirma que não é possível dizer que houve aumento do fenômeno, no entanto. É possível que mais denúncias estejam sendo feitas, motivadas por maior discussão sobre o tema nos meios de comunicação, entre outros.
Os casos de estupro cometidos por um estranho, que ataca a vítima em um local deserto, são menos comuns do que os casos em que o autor do crime é um familiar ou conhecido da vítima, e que muitas vezes não são facilmente reconhecidos como estupro.
Uma pessoa que sofre violência sexual de um companheiro também pode relutar em fazer uma denúncia. “A vítima coloca na balança o custo da denúncia, especialmente se for uma pessoa conhecida. [Ela considera] os distúrbios que a vida pessoal pode ter, o julgamento, a revitimização. A pessoa acaba perdoando. As relações de afeto complicam bastante o quadro”, destacou Roberta.
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