O transtorno de estresse pós-traumático é uma condição psiquiátrica associada a soldados com experiência de guerra, envolvendo mortes, que desenvolvem sensibilidade a fatores que possam lembrar seu trauma.
É o que sentem muitas mulheres quando perdem seus bebês no último trimestre de gestação ou induzem o aborto. Duas semanas após o evento traumático, 44% das mulheres apresentam sintomas que satisfazem os critérios de diagnóstico do transtorno, descobriu um estudo publicado em 2022 na revista Scientific Reports, do grupo Nature, por pesquisadores médicos da Universidade de Angers, na França.
Os cientistas franceses apontaram que entre os fatores que mais aumentam as chances do estresse pós-traumático estavam ver o feto, segurá-lo nos braços e organizar um velório em sua homenagem.
Mais de 80% dos estudos científicos que analisaram a questão concordam com o efeito do estresse pós-traumático associado ao aborto. Alguns estudos propõem como caso especial do transtorno a “síndrome pós-aborto”, com sintomas como reencenar mentalmente a experiência, fuga do assunto e sentimento de culpa.
Câncer de mama
O aborto também pode estar ligado a um aumento nas chances de desenvolver câncer de mama. Uma importante revisão sobre aborto e câncer de mama foi publicada em 1996 no Journal of Epidemiology and Community Health, associado ao grupo editorial médico britânico BMJ.
Os autores, liderados por Joan Summy-Long, do Centro de Bioestatística e Epidemiologia da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), incluíram 28 estudos publicados, somando uma amostra total de mais de 50 mil mulheres. Os cientistas concluíram que abortos aumentam 30% o risco de câncer de mama. Abortos induzidos realizados antes da primeira gravidez a termo em mulheres que já eram mães aumentariam 50%.
Outra revisão científica clássica da área foi publicada na revista Lancet em 2004 pelo Grupo Colaborativo sobre Fatores Hormonais no Câncer de Mama (os cientistas autores preferiram se apresentar dessa forma). O número de mulheres incluídas na amostra geral foi maior, de 83 mil, distribuídas por 53 estudos — todos os disponíveis na época. O risco de câncer de mama no grupo das mulheres que fizeram abortos, comparado com o risco naquelas que não fizeram, era o mesmo. Ou seja, o aborto não parece aumentar a chance de a doença ocorrer.
A revisão da Lancet afirma que os resultados dos estudos para aborto induzido variavam muito entre si, mas não os resultados para abortos espontâneos. Uma possível complicação na interpretação dos resultados é a possibilidade de “as mulheres serem mais propensas a divulgar abortos induzidos do passado depois que são diagnosticadas com o câncer de mama do que o fariam de outra forma”.
“Os resultados são frequentemente influenciados por fatores como idade da mulher, história reprodutiva completa e outros fatores de risco”, afirma Marco Antonio Cortelazzo, doutor em oncologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Para ele, a cautela interpretativa é salutar, devido à complexidade da rede de causas que podem estar por trás do câncer de mama, das genéticas às ambientais e hormonais.
Os estudos mais recentes têm concordado com a revisão da Lancet. Mas o tema continua difícil para manter fatores de confusão sob controle.
Valor da vida
Por mais que um estudo científico individual seja bem conduzido, é sempre possível que os resultados encontrados, se algum, sejam resultado de flutuações do mero acaso nos dados. Por isso, os cientistas costumam produzir revisões ou metanálises — estudos de estudos — para tentar resolver as inconsistências entre resultados e fazer o conhecimento da área avançar.
Cortelazzo leva a sério a possibilidade de haver a relação ao aborto com o câncer de mama, mas aguarda mais rigor na pesquisa. “Pergunto aos defensores do aborto ou aos que estão em dúvida: se não causar câncer de mama ou outros, ou se não causasse nada na mente e no corpo da mulher, aí poderíamos matar o feto?”, diz o oncologista.
De seu ponto de vista, a questão principal não são potenciais más consequências à saúde da gestante, mas a questão ética do direito à vida do feto. “Quem defende o feto?”, pergunta. Para o médico, o argumento que reduz a questão aos direitos da mulher “é uma visão egoísta, nociva e criminosa”.
Em todo o mundo, cerca de 35 a cada mil mulheres entre 15 e 44 anos já fizeram aborto — 27 em mil nos países ricos, 37 em mil nos países mais pobres. Só nos Estados Unidos, em 2019, foram 630 mil procedimentos, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças do país. Nos EUA, 92% dos abortos são feitos no primeiro trimestre de gestação, 7% no segundo trimestre, e 1% são tardios, no último trimestre.
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