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Abusos sexuais ocorrem com mais frequência na família e em ambientes conhecidos da criança

Atualmente, sabe-se menos sobre os abusos cometidos na família, embora sejam os mais numerosos (Foto: Pixabay)

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Já foram publicados vários estudos sobre os abusos de menores na Igreja e em outras instituições, como os Escoteiros. No entanto, sabe-se menos sobre os cometidos na família, embora sejam os mais numerosos. Um recente relatório francês aborda precisamente esse tema, projetando luz sobre os cantos mais escuros do abuso.

Para analisar o fenômeno e propor remédios, em janeiro de 2021, o governo francês criou a Comissão Independente sobre Incesto e Violências Sexuais contra Crianças (CIIVISE). Foi dado a ela um mandato de dois anos, posteriormente prorrogado até 31 de dezembro. Em 17 de novembro, a Comissão publicou seu relatório e recomendações.

A CIIVISE coletou cerca de 30.000 depoimentos de vítimas, na maioria dos casos por telefone ou correspondência, e 250 cara a cara. Para estudar a amplitude do fenômeno em geral, recorreu a algumas pesquisas recentes, especialmente a realizada em 2020 para o relatório Sauvé [Seguro, em francês] sobre os abusos na Igreja e a chamada GENESE, de 2021; além das estatísticas judiciais.

De acordo com as pesquisas, 14,5% das mulheres e 6,4% dos homens na França foram vítimas de abusos sexuais antes de atingirem a maioridade. Dos que foram vítimas antes dos 15 anos, 47% sofreram abusos no seio da família. Os outros ambientes mais comuns são alguma instituição (escola, igreja, equipe esportiva, etc.), com 25%, e o entorno próximo (amigos da família ou próprios, colegas de classe, vizinhos, etc.), com 22%. É menos comum que o agressor seja um desconhecido e o cenário seja o espaço público: 17% dos casos, proporção semelhante à encontrada pela pesquisa encomendada para o relatório do Defensor do Povo da Espanha sobre os abusos na Igreja Católica. (Os percentuais somam mais de 100% devido às pessoas que sofreram abusos em mais de um ambiente.)

Existem diferenças significativas entre os sexos. No seio da família, há mais casos entre as meninas (51% das que relatam ter sofrido abusos) do que entre os meninos (36%). Em particular, um terço delas afirmam ter sido abusadas durante a adolescência pelo padrasto ou novo companheiro da mãe. Por outro lado, os meninos estão super-representados entre as vítimas de abuso em uma instituição.

Quanto mais próximo o agressor, mais perigoso

O relatório da CIIVISE destaca que, quanto mais próximo o agressor da vítima, os abusos começam em uma idade mais jovem, duram mais, há mais reincidência, as vítimas falam em menor proporção e mais tarde, e menos casos chegam aos tribunais. E é na família que ocorre a proximidade.

Assim, os abusos começam antes dos 10 anos de idade em metade de todos os casos, e em três quartos daqueles que ocorrem na família; aqueles que duram mais de cinco anos representam um quarto de todos os casos e metade dos familiares. A maior proporção de abusos repetidos ocorre no ambiente familiar: 62%, à frente da igreja (59%) e da escola (58%).

Daqueles que sofreram abusos na família, apenas 9% os comunicam imediatamente, em comparação com 40% dos abusados no espaço público. Inversamente, 62% dos primeiros e 29% dos segundos demoram mais de dez anos para falar. Também há diferença entre os sexos: os homens guardam mais silêncio do que as mulheres.

Sobre os menores que falam, o relatório chega a uma conclusão importante: "Geralmente, a criança é acreditada, mas não é protegida", ou seja, quem a ouve quase sempre leva a sério, mas geralmente não faz o necessário para interromper os abusos. Dentro dessa tendência geral, destacam-se, no entanto, os bons ofícios das mães: são as que mais recebem confidências (dois em cada três) e também as que mais agem (sete casos em cada dez).

Em torno da revolução sexual dos anos 1960, houve uma "ofensiva pedófila" que justificou as relações com menores em nome do desejo e da emancipação das crianças.

Em relação aos abusos na família, eles são os que menos chegam aos tribunais. Embora representem quase metade do total, correspondem a 32% das denúncias. O relatório estima que 88% não são denunciados, em comparação com 81% de qualquer tipo de abuso. Os casos julgados que resultam em condenação são um em cada seis do total, mas apenas um em cada dez no âmbito familiar.

Quanto aos agressores no seio da família, os mais comuns (29%) são parentes em terceiro ou quarto grau, liderados pelos tios, seguidos pelos primos, avós, etc. Os pais e irmãos representam 18%.

A sombra de 68

O relatório não apresenta uma cronologia dos abusos que permita saber em quais épocas ocorreram mais e se a tendência é ascendente ou descendente. Mas em uma seção intitulada "A ofensiva pedófila", destaca-se a influência da revolução sexual em torno de maio de 1968. Naquele contexto, disseminou-se um discurso que justificou o tratamento sexual com menores invocando "a libertação da criança do jugo da dominação por parte dos adultos (...) especialmente no campo da sexualidade".

A defesa da "sexualidade com menores", em nome da liberdade sexual, disseminou-se por meio de uma literatura que impôs uma interpretação das relações sexuais entre adultos e menores baseada no desejo, e não mais na moralidade. Autores como André Gide, Henry de Montherlant ou Gabriel Matzneff, para citar apenas alguns, promoveram o que hoje é consensualmente definido como pedocriminalidade. (Sobre o caso de Matzneff, recomenda-se o livro 'O Consentimento', de Vanessa Springora).

Detectar o mais cedo possível

A CIIVISE destaca, em conclusão, que a grande maioria dos abusos sexuais ocorre na família e em outros ambientes conhecidos das crianças, onde geralmente se pensa que há pouco perigo. Por isso, propõe várias medidas para realizar exames regulares e sistemáticos que permitam detectar o mais cedo possível crianças abusadas ou em perigo, aproveitando as revisões médicas, tutorias nas escolas, etc. Também aconselha conceder autoridade aos juízes para que intervenham com medidas de proteção urgentes quando há indícios de abuso, e que esses delitos sejam considerados imprescritíveis. Sua última recomendação é que a própria CIIVISE se torne permanente, em vez de ser dissolvida no fim do ano, para dar continuidade ao trabalho de pesquisa e vigilância.

© 2023 Aceprensa. Publicado com permissão. Original em espanhol: Los abusos sexuales más frecuentes y menos conocidos

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