A nova série da Netflix Adolescência vem chamando a atenção do público ao apresentar o universo dos chamados “incels”.
A nova série da Netflix Adolescência vem chamando a atenção do público ao apresentar o universo dos chamados “incels”.| Foto: Netflix/Reprodução
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A nova produção da Netflix Adolescência vem chamando a atenção do público ao apresentar o universo dos chamados “incels”. O foco da série de quatro episódios é o comportamento dos jovens, especialmente dos garotos, e como a internet pode potencializar a violência contra as mulheres – no roteiro, há um crime violento contra uma adolescente, que desencadeia uma investigação e julgamento do possível autor do crime, um menino de 13 anos.

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O termo "incels" usado na série Adolescência é uma abreviação de involuntary celibates ("celibatários involuntários") e surgiu há cerca de 30 anos por meio de um site criado por uma universitária chamado “Involuntary Celibacy Project”. Inicialmente, o site funcionava como um blog, mas começou a abrir espaço para que outras pessoas compartilhassem suas experiências, e acabou transformando-se em uma espécie de grupo de apoio para pessoas solitárias ou que se sentiam rejeitadas.

Com o tempo, o termo "incel" passou a ser usado para se referir a pessoas que se descrevem como incapazes de ter um relacionamento ou uma vida sexual, embora desejem estar em uma relação. Na internet, passou a ser usado em grupos online para se referir a homens heterossexuais que se reúnem em comunidades online para compartilhar suas frustrações nos relacionamentos.

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Nesses grupos, os participantes dos fóruns “incels” atribuem seus fracassos amorosos à crueldade da sociedade, à superficialidade das mulheres, e isso aparece na série Adolescência. Em manifestos publicados online, os “incels” fazem generalizações pejorativas das mulheres, partindo da premissa de que todas são interesseiras, preocupadas apenas com dinheiro e aparência, manipuladoras e promíscuas. Para alguns, se uma mulher não quisesse fazer sexo como eles mereciam, eles teriam direito de forçá-la.

O maior fórum dos Incels era uma comunidade em língua inglesa no Reddit que tinha cerca de 40 mil participantes, e acabou banido em 2017. Entre as postagens, a maioria continha discursos misóginos, defendendo inclusive a violência contra as mulheres e também contra os homens que conseguiam manter relacionamentos felizes. A gota d’água para a extinção do fórum foi uma postagem em que um usuário foi encorajado e recebeu instruções detalhadas sobre como castrar o seu colega de quarto, que tinha uma namorada e era considerado atraente (um “Chad”, na gíria do grupo). 

Mas a violência envolvendo os “incels” não ficou restrita aos fóruns de discussão. Em 2014, Elliot Rodger, considerado um herói por algumas comunidades incels, assassinou seis pessoas em Isla Vista, na Califórnia. Rodger gravou um vídeo antes do ataque e afirmou que cometeu os assassinatos porque as mulheres não queriam fazer sexo com ele. Depois, ele mesmo se matou. Quatro anos depois, em abril de 2018, dez pessoas morreram atropeladas em Toronto, no Canadá, por uma van dirigida por Alek Minassian. Dias antes, Minassian havia publicado em sua conta no Facebook diversas mensagens sobre sua frustração e de admiração pelo crime cometido por Elliot Rodger. "A 'Rebelião Incel' já começou!", escreveu Misassian.

Ross Haenfler, sociólogo e professor do Grinnell College (EUA), disse em artigo no site The Conversation, publicado após o massacre de Toronto, que a maioria dos incels não é violenta, sendo incapaz de cometer crimes. Ainda assim, ela alertou que as ideias dos incels, que depreciam e culpabilizam as mulheres pelos fracassos amorosos, poderia levar a novas tragédias.

Em 2018, a Gazeta do Povo conversou com um brasileiro que frequentava a comunidade “Incels” e outras similares no Reddit. O rapaz, na época com 28 anos, havia deixado de frequentar os fóruns, apontando que as discussões eram muito “derrotistas”, mas confidenciou que ainda compartilhava as ideias dos Incels: “Eu me sentia em casa, pois eram lugares com pessoas como eu, solitárias e que nunca conheceram nada além de rejeição e fracasso com o sexo oposto; um lugar em que eu poderia desabafar, pois as pessoas lá sabiam exatamente como era estar na mesma situação, e não ficariam me dando conselhos vazios, que já ouvi milhões de vezes”.

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Na série Adolescência, vários termos usados pelos Incels estão presentes, como a chamada "regra do 80/20". Nos fóruns incel, é comum os participantes defenderem que 80% das mulheres – as mais bonitas, chamadas de "Staceys" – se sentem atraídas por apenas 20% dos homens – os machos alfas ou “Chads”, deixando os demais (os incels) sem chance de ter um relacionamento.

Outro termo Incel que aparece na série Adolescência é o de “pílula negra”, uma alusão à pílula vermelha do filme Matriz, que leva ao despertar do protagonista do filme, Neo. Os incels incentivam seus seguidores a "tomar a pílula negra": despertar para a realidade de jamais serão escolhidos pelas mulheres, que sempre serão oprimidos por elas e outras forças externas e que isso é impedimento para uma vida plena – o que pode levar à distorção de que as mulheres “são as culpadas” pelo fracasso do homem e, por fim, servir de justificativas para atos de violência ou crimes.

Embora o criador e roteirista da séria Adolescência, o britânico Stephen Graham, tenha afirmado que a história não foi baseada em um caso real, a ideia da série surgiu a partir de casos reais envolvendo Incels, onde jovens que sentiam-se rejeitados assassinaram meninas. "Foi então que comecei a pesquisar para entender o que realmente estava acontecendo com esse problema", disse.

Em janeiro deste ano, o primeiro-ministro britânico Keir Starmer chegou a chamar a situação de “crise nacional" e que aquilo era um “novo terrorismo no país, perpetrado por jovens solitários e desajustados em seus quartos, acessando todo tipo de material online, desesperados por notoriedade”. Após o lançamento da série Adolescência pela Netflix e da repercussão do pensamento dos Incels, Starmer afirmou apoiar que a produção fosse exibida nas escolas locais para alertar sobre o risco da violência contra mulheres perpetrada por homens jovens, “influenciados pelo que veem na internet”.