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O Afeganistão ultrapassou a Coreia do Norte e se tornou o país onde os cristãos são mais perseguidos por causa de sua fé, segundo o ranking mundial de 2022 da organização Portas Abertas, publicado nesta quarta-feira (19).
A Coreia do Norte ocupou a primeira posição do ranking por 20 anos, e agora aparece em segundo lugar. Isso não significa que a perseguição aos cristãos diminuiu na ditadura de Kim Jong-un, pelo contrário, "ela também aumentou em níveis extremos", afirma a Portas Abertas. Porém, o Afeganistão se tornou o lugar mais perigoso para os cristãos, após a ascensão do Talibã ao poder.
O documento revela que a vida de muitos cristãos continua cada vez mais difícil. Hoje, um a cada sete cristãos é perseguido em todo o mundo. No total, são mais de 360 milhões seguidores do Cristianismo sujeitos a pressão e violência em diversos países - um aumento de 20 milhões em relação ao ano anterior, de acordo com a organização.
Esse é o mais alto nível de perseguição a cristãos já registrado desde que a lista começou a ser publicada, em 1993. E não foi só o número de pessoas afetadas que aumentou, como também os atos de violência se intensificaram.
Os assassinatos de cristãos por causa de sua fé aumentaram de 4.761 registrados no relatório de 2021 para 5.898 na lista de 2022. A maior parte desses crimes ocorreu na África Subsaariana, especialmente na Nigéria.
A Lista Mundial de Perseguição é lançada pela Portas Abertas no início de cada ano (veja o ranking completo ao final da matéria). Os pesquisadores analisam a perseguição que ocorre por meio de pressão (insultos, ameaças, discriminação, hostilidades, etc.), e por meio de incidentes violentos (mortes, ataques, prisões, etc.). Cada país recebe uma pontuação, e os 50 com mais pontos entram na lista.
Clandestinidade
No Afeganistão, assim como na Coreia do Norte, os cristãos só podem professar a sua fé secretamente. Após a tomada de Cabul pelo Talibã, muitos cristãos que não conseguiram escapar ou que preferiram se manter no país hoje vivem "escondidos, em um mundo paralelo, na clandestinidade, se mudando de local para local", conta Marco Cruz, secretário-geral da Portas Abertas Brasil.
"No Afeganistão, se o cristão for descoberto, a consequência é a morte", afirma Cruz. Ele diz que há relatos de que o Talibã possui informações sobre os cristãos que vivem no país, que por isso precisam se esconder.
"O Talibã tem uma compreensão da lei islâmica na sua versão mais radical. Eles acreditam que todo cristão é um infiel, e que os infiéis devem ser extirpados do país", diz.
No país em que quase a totalidade da população é muçulmana, os cristãos sofrem a pressão do dia-a-dia por não serem totalmente integrados à sociedade.
Um dos desafios é o acesso dificultado à saúde e outros serviços, por exemplo. "[Os muçulmanos] pagam uma taxa de religião, na qual está inclusa o acesso à saúde. Como o cristão não paga essa taxa, o seu acesso à saúde não é garantido", explica Cruz.
Cuba entra para o ranking
Cuba e Níger são os dois novos países no ranking atual. A ditadura castrista entrou na lista devido ao aumento das medidas restritivas às igrejas que se posicionaram contra a ideologia e ações do regime comunista, informa a Portas Abertas.
O país já esteve na lista anteriormente e neste ano aparece na 37ª posição. No contexto dos maiores protestos contra o regime ocorridos em décadas, os líderes cristãos foram monitorados, presos, tiveram propriedades confiscadas e foram extorquidos, segundo o levantamento.
"Em Cuba, há um monitoramento constante do governo. Na igreja sempre há espiões", afirma Cruz, que já esteve no país. "O regime ditatorial intensificou a ação contra líderes e ativistas cristãos que se opunham aos princípios comunistas".
Segundo o diretor da ONG, a principal fonte de perseguição aos cristãos são o governo e seus informantes. Após os protestos de julho de 2021, o regime adotou medidas mais autoritárias e aumentou a vigilância aos cristãos, incluindo negações de licença para serviços religiosos e multas arbitrárias.
Nacionalismo hindu na Índia
Também na Índia houve aumento da intolerância e de atos violentos contra quem professa a fé cristã. O país está na décima posição entre os mais hostis aos cristãos e é responsável pelo maior número de detenções arbitrárias de cristãos, aponta a pesquisa.
"A Índia vive um processo de 'hinduização' do país. Há um discurso, do [primeiro-ministro] Narendra Modi e do seu partido BJP, de ódio contra minorias, incluindo cristãos e muçulmanos. Os cristãos enfrentam hostilidades porque não praticam a fé hindu", afirma Cruz.
Ele explica que os cristãos do país enfrentam "dupla vulnerabilidade" durante a pandemia de Covid-19. "Além da perseguição por causa da sua fé, eles não têm acesso ao apoio emergencial do governo", explica. Isso ocorre porque o auxílio emergencial (cestas básicas, medicamentos, máscaras e outros itens de proteção) é enviado para as lideranças locais. Nas comunidades menores e mais remotas, onde muitas vezes há apenas uma família cristã, as lideranças hinduístas não repassam o apoio emergencial aos cristãos.
Além disso, Cruz ouviu relatos na Índia de médicos e enfermeiros cristãos que foram enviados para tratar os casos mais críticos de coronavírus sem receber equipamentos de proteção individual.
Sede da Copa do Mundo de 2022 está na lista
O Qatar, país que receberá a Copa do Mundo - e, consequentemente, cristãos do mundo inteiro - em novembro de 2022, ocupa a posição 18 do ranking da Portas Abertas. Os cristãos que vivem lá são estrangeiros que trabalham no país. Por isso, são mais livres para viver a sua fé, embora também enfrentem pressão, diz o relatório.
O país da Península Arábica subiu 11 posições na lista deste ano, devido ao aumento da violência contra os seguidores de Cristo. Os riscos são maiores para os cristãos ex-muçulmanos nativos no Qatar. Já os estrangeiros têm mais liberdade para cultos, "desde que façam de maneira que o governo tolere", diz a organização.
Ranking
A Lista Mundial da Perseguição classifica os países de acordo com o nível da perseguição sofrida pelos cristãos: extrema, severa, alta ou variável. Desde o ranking de 2021, não há níveis "altos" de perseguição entre os primeiros 50 países, apenas "severa" e "extrema".
A Portas Abertas é uma organização cristã internacional fundada por um missionário holandês em 1955 e que atua em mais de 60 países apoiando igrejas que sofrem perseguição.
A pesquisa deste ano abrange o período de 1º de outubro de 2020 a 30 de setembro de 2021. Confira a lista completa: