À primeira vista, parece simples. Ditadura é o contrário de democracia. Uma concentra o poder nas mãos de um pequeno grupo de pessoas, enquanto que a outra autoriza uma série de direitos, inclusive o de ir e vir e o de manifestar suas opiniões publicamente. Na prática, não é tão simples. Existem ditadores que não se declaram como tal e realizam eleições, mesmo que questionáveis (foi o caso, por exemplo, de Saddam Hussein e Fidel Castro). E há uma série de nuances entre o extremo da democracia total e o do regime de ditadura. Afinal, como identificar, sem sombra de dúvida, uma ditadura?
A cientista política Natasha Lindstaedt, professora da Universidade de Essex, define ditadura assim: “São regimes em que não existe alternância de poder no Executivo”. A professora lista alguns pré-requisitos:
1. Pouca ou nenhuma influência do Poder Legislativo sobre o Executivo. A legislatura é fraca, submetida pelo Executivo, ou cheia de políticos leais ao Executivo.
2. Pouca ou nenhuma influência do Poder Judiciário. O Judiciário não é independente e a lei não é aplicada de forma igual para todos.
3. Liberdades civis são restringidas ou reprimidas. Existem prisioneiros políticos e a liberdade de manifestação e de associação são limitadas. Os direitos humanos não são respeitados. O Estado pratica violência contra os cidadãos.
4. A liberdade de imprensa é restringida ou reprimida. A mídia estatal se sobrepõe aos veículos de iniciativa privada. A censura limita o conteúdo da produção cultural.
5. As eleições não são inteiramente livres e justas. A oposição não é livre para concorrer, o financiamento de campanhas favorece os aliados do governo e o registro de eleitores não é transparente.
Ranking global
A partir do século 19, a monarquia entrou em declínio. Mesmo onde ainda é praticada entre os países desenvolvidos, costuma ser submetida a uma Constituição. Nas últimas décadas, ditaduras e democracia constitucionais se consolidaram como as duas principais formas de governo, ainda que a expressão “ditadura” seja muito mais antiga: vem do latim “dictator” e se refere a uma figura da república romana (509 a.C.- 27 a.C.), um líder que, em caso de crises políticas ou militares, assumia o governo temporariamente, com poderes absolutos. Já o conceito de democracia, por sua vez, data de 2.500 anos atrás, da cidade grega de Atenas.
Para medir o quanto uma nação se aproxima de um desses dois modelos, a Unidade de Inteligência da revista Economist publica um Índice de Democracia. O indicador agrupa os países em quatro grupos: regime autoritário, regime híbrido, democracia falha e democracia plena.
No primeiro grupo, o dos autoritários, em 2017, estão Síria, Arábia Saudita e Egito. No segundo, Iraque, Líbano e Ucrânia. No terceiro, França, Brasil, Argentina e Estados Unidos. O país mais democrático do mundo, ano após ano, desde 2010, é a Noruega. Aliás, estão na Europa 14 das apenas 19 democracias plenas apresentadas pelo indicador – uma lista que também inclui Uruguai e Nova Zelândia.
O indicador sugere que a democracia está em baixa no mundo: no ranking relativo ao ano passado, 89 dos 167 países avaliados receberam notas mais baixas do que no ano anterior.
Duas ditaduras
O perfil de dois regimes de exceção na América Latina
Venezuela – 1999-atualidade
1. Influência do Poder Legislativo: Restrita. Ao perder a maioria na Assembleia Nacional, em 2015, o governo passou a recusar os projetos de lei vindos da casa. Em 2017, a Assembleia Nacional foi submetida ao Tribunal Superior de Justiça.
2. Influência do Poder Judiciário: No ano 2000, o presidente Hugo Chávez afastou cerca de um terço dos juízes do país. Desde então, o Judiciário é submisso ao Executivo.
3. Liberdades civis: No ranking global de libedade civil da organização independente Freedom House, a Venezuela aparece na posição 164, entre 208 países.
4. Liberdade de imprensa: Jornalistas e veículos sofreram 113 agressões no primeiro semestre. Em 2017, 69 veículos de imprensa foram fechados.
5. Eleições: São realizadas com regularidade, ainda que organismos internacionais – incluindo o Conselho da União Europeia – contestem sua lisura. Na eleição para presidente de 2013, Nicolás Maduro venceu com 50,6% dos votos. Em 2018, foi reeleito para um novo mandato de seis anos com 67,8% dos votos.
Chile – 1973-1990
1. Influência do Poder Legislativo: Nenhuma. O Congresso foi fechado logo nos primeiros dias após o golpe militar que colocou Augusto Pinochet na presidência.
2. Influência do Poder Judiciário: Participou ativamente a favor da ditadura, como a própria Suprema Corte admitiu em 2013.
3. Liberdades civis: A repressão contra os opositores levou 200 mil pessoas ao exílio e deixou um saldo de pelo menos 3 mil mortos e desaparecidos.
4. Liberdade de imprensa: Não havia. Censores instalados nas redações forçavam os jornais a publicar os assassinatos de opositores como mortes em combate.
5. Eleições: Não foram realizadas até 1988, quando aconteceu um plebiscito em que a maioria decidiu que Pinochet não poderia permanecer mais 8 anos na presidência.