Em turnê desde 2016, o show "Bullying Arte", do comediante carioca Leonardo Borges Lins, o Léo Lins, já foi apresentado em quase 80 cidades de todos os estados do país — até no Acre. Em mais de vinte delas, contudo, a produção do evento teve algum tipo de problema com as autoridades locais, desde críticas até a censura oficial, incluindo ameaças.
“Eu tive notas de repúdio das Câmaras de Vereadores de Penápolis (SP), Birigui (SP), Santarém (PA), Capivari de Baixo (SC) e Espírito Santo do Pinhal (SP)”, conta o comediante, que é integrante do talk show 'The Noite com Danilo Gentili'.
Para promover o show, o humorista segue um padrão: pede informações ao público que mora na cidade em que se apresentará e, em seguida, grava um vídeo fazendo piadas sobre a região. Além de ajudar a divulgar o evento, os vídeos servem para atrair o público do espetáculo, que segue a linha de humor negro.
Muitas das piadas são feitas a partir de queixas dos moradores em relação aos problemas encontrados na cidade ou de episódios polêmicos protagonizados pela classe política local. "Meu show nem é sobre política. Apenas comento fatos que a população me manda", explica Lins.
Em cidades pequenas dominadas por oligarquias, contudo, as piadas de Léo Lins geram repercussão e animosidade entre os políticos, que impõem uma censura às vezes explícita, com documentos oficiais.
Abaixo, algumas das tentativas de censura mais simbólicas que o comediante sofreu.
Santarém
Em março de 2019, depois de o comediante publicar um vídeo ironizando os maiores problemas de Santarém, no Pará, como a falta de água, a violência e o desemprego, a Secretaria de Cultura cancelou o show de Léo Lins. O prefeito da cidade, Nélio Aguiar, do DEM, pediu o cancelamento do show, que aconteceria na Casa da Cultura de Santarém, espaço administrado pela prefeitura.
Segundo Léo Lins, a justificativa encontrada foi a de que “não se poderia cobrar ingresso em um espaço municipal”. Dois meses depois do episódio, contudo, o grupo Tentando D4 realizou um espetáculo no mesmo lugar, cobrando ingressos a R$15.
Apesar das dificuldades, a produção de Léo Lins encontrou um local para realizar o show e o comediante fez piadas sobre a atuação do poder público na cidade. Ele finalizou o espetáculo com um recado: “Políticos, vocês nunca devem falar o que o povo deve fazer. A gente é que fala o que vocês devem fazer".
Palmas
Em julho deste ano, a Fundação Cultural de Palmas (TO), administradora do Theatro Fernanda Montenegro, onde o show seria realizado, apresentou uma notificação extrajudicial à equipe de Léo Lins, informando a rescisão do contrato.
O motivo alegado foi “desinformações, com denotações preconceituosas a setores da capital e de seus habitantes”. No vídeo publicitário do espetáculo, Léo Lins fazia piadas com o governador de Tocantins, Mauro Carlesse, e a prefeita de Palmas, Cinthia Ribeiro.
Na notificação extrajudicial, assinada por Giovanni Alessandro Assis Silva, presidente da Fundação Cultural de Palmas, ele fundamenta a decisão por “conveniência ou interesse público, declarado por autoridade municipal”.
Barbacena
Em abril de 2018, Léo Lins fez piadas sobre o excesso de semáforos, locais de consumo de drogas e sobre a eleição do ex-prefeito Toninho Andrada na cidade de Barbacena (MG).
Os administradores do Automóvel Clube de Barbacena, local privado onde seu espetáculo ocorreria, rescindiram o contrato por considerar o vídeo publicitário do comediante um “desrespeito às famílias tradicionais de nossa cidade”.
O evento acabou sendo realizado no Andaraí Esporte Clube que, na pessoa de Fernando Sérgio de Oliveira, se manifestou sobre o episódio nas rede sociais. Segundo ele, fiscais da prefeitura estiveram no local como forma de tentar inibi-lo e pressioná-lo a não realizar o show, que acabou contando com cerca de 1.500 pessoas.
São João del-Rei
Em setembro de 2017, o prefeito de São João del-Rei, Nivaldo José de Andrade (PSL), proibiu o humorista de se apresentar no Teatro Municipal da cidade.
Segundo informações da assessoria de comunicação da prefeitura, o prefeito assistiu ao vídeo publicitário publicado na página oficial comediante dias antes da apresentação e, ao considerar as piadas ofensivas “em relação aos moradores do Bairro Tijuco e a políticos aliados do governo”, vetou a realização do espetáculo.
Assim, a Procuradoria Geral do Município enviou uma notificação extrajudicial à empresa que contratou o comediante (Parranda Produções). O motivo alegado para o cancelamento foi o de que a propaganda veiculada pelo artista "atingiu diretamente a comunidade sanjoanense com termos desairosos, atacando a honra e a honorabilidade de autoridades e de toda a comunidade (...) desta cidade".
O espetáculo foi realizado numa cidade vizinha. Em protesto, Léo Lins fez piadas especificamente direcionadas ao prefeito em frente à Prefeitura Municipal de São João del-Rei.
Espírito Santo do Pinhal
Em maio de 2019, o show foi cancelado em Espírito Santo do Pinhal. O presidente da Câmara de Vereadores da cidade, José Gilberto Viola (PSDB), pediu pelo Facebook que o prefeito Sérgio Del Bianchi Júnior (PSD) não autorizasse a realização do espetáculo no Theatro Avenida.
Coube à Diretora de Cultura Ana Tereza informar à produção do cancelamento do evento. O argumento utilizado foi uma suposta falta de pagamento da taxa para a utilização do local. A produção do comediante afirmou à época que o acordo era o pagamento ser feito depois do espetáculo.
“Mesmo meu produtor expondo a situação e dizendo que havia patrocinadores envolvidos, [a Diretora de Cultura] cancelou minha apresentação, alegando que as regras mudaram. Ver políticos se retorcerem para impedir meu show me traz muita alegria!”, ironizou o comediante nas redes sociais.
O show foi realizado em outro local privado.
Penápolis
Em outubro de 2017, a vereadora de Penápolis (SP) Ester Mioto (PSD) subiu à tribuna da Câmara para repudiar as piadas feitas por Léo Lins com a história da cidade. Ela afirmou que o comediante deveria fazer humor com sua própria família, não com a cidade e sua história.
“Quero desejar do fundo do meu coração que as pessoas que amam Penápolis não assistam a este show, porque eles vieram aqui para pegar o seu dinheiro, ridicularizar a nossa bela e linda Penápolis”.
Apesar do pedido por boicote, quase mil pessoas estiveram presentes à apresentação. Em protesto, o comediante fez piada sobre a vereadora durante o show.
Ameaça de morte
Em agosto de 2018, na cidade de Conselheiro Lafaiete, Minas Gerais, Léo Lins fez piada com o fato de a chapa de Benito Laporte (PROS) e Júlio Barros (PT), na campanha eleitoral de 2016, ter sido impugnada pela justiça eleitoral porque Barros havia sido condenado em segunda instância, estando sujeito, assim, à Lei da Ficha Limpa.
O médico Giuseppe Laporte, filho de Benito, ameaçou de morte o comediante Léo Lins e sua então namorada, Jacqueline Muniz, nas redes sociais.
Episódio de agressão
Em março de 2016 o humorista foi vítima de uma agressão em uma padaria em São Paulo. Enquanto conversava com fãs no bairro da Bela Vista, um professor o agrediu pelas costas com um soco na cabeça.
“Ele se juntou a um grupo cheio de militantes de vermelho, com bandeiras da CUT. Que, deve-se dizer, não foram agressivos em momento algum”, afirmou. O comediante registrou boletim de ocorrência e ajuizou ação contra o agressor, em processo que ainda tramita sob sigilo judicial na justiça paulista.
Interesse público x liberdade de expressão
O advogado e professor da FGV Felipe Fonte explica que a concordância administrativa para uso privado de espaços públicos se submete a critérios de conveniência e oportunidade. “O poder público pode decidir não autorizar o uso do espaço para certos tipos de espetáculo por razões de moralidade pública. Então, em tese, pode-se entender que shows de comédia não são adequados ao teatro municipal, e isso não seria ilícito”, explica.
Mas ele afirma também que os casos de veto aos shows de Léo Lins são problemáticos porque os espetáculos foram previamente autorizados. “O argumento de que as piadas veiculadas na internet transformam ‘aquela pessoa’ em alguém indesejável para a cidade indica que a revogação do ato administrativo é uma tentativa de punir o indivíduo e não está ligado a nenhuma razão de interesse público”, diz.
Nesse caso, configura-se o que os juristas chamam de “desvio de finalidade”. “[As autoridades] estão buscando punir alguém por um discurso que não pode ser licitamente sancionado por uma via inadequada, que é a revogação da concessão ou autorização”, diz Fonte.
Ele afirma ainda que, quando um magistrado julga qual direito preponderá sobre outro (nesse caso, o direito da liberdade de expressão do humorista ou o direito da honra e da privacidade dos agentes públicos de suas piadas), um dos parâmetros que faz a balança pender em favor da liberdade de expressão é o envolvimento da coisa pública. “Comentários sobre políticos ou envolvendo a gestão pública tendem a ser protegidos com mais força pela jurisprudência. Portanto, é bastante grave que humoristas sejam punidos em razão de comentários considerados críticos, ainda que venham sob a forma de piadas”, complementa.
Fonte diz também que a intimidação a organizadores privados, como no caso de Barbacena, configura “inequívoco ato ilícito”. “O humorista poderia formular uma ação indenizatória contra o poder público pelas perdas e danos sofridos, bem como eventualmente exigir tutela judicial específica para manter os shows já contratados e autorizados”, esclarece.
- Liberdade de expressão
- Liberdade de expressão é liberdade de ofender
- O caso Danilo Gentili e 5 motivos pelos quais é absurdo criminalizar a expressão
- Pêndulo moral: por que a esquerda celebrou a condenação de Danilo Gentili?
- Será que Gregório Duvivier vai protestar contra a condenação de Danilo Gentili?
- Fábio Assunção e o perigoso mundo da falta de humor
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Problemas para Alexandre de Moraes na operação contra Bolsonaro e militares; acompanhe o Sem Rodeios
Deputados da base governista pressionam Lira a arquivar anistia após indiciamento de Bolsonaro
Enquete: como o Brasil deve responder ao boicote de empresas francesas à carne do Mercosul?