Na última sexta-feira (22), a Universidade Santo Amaro (Unisa), no interior de São Paulo, anunciou a expulsão dos 15 alunos do curso de Medicina que praticaram atos obscenos durante um jogo de vôlei disputado em um torneio universitário. O episódio aconteceu em maio, porém viralizou nas redes sociais no domingo passado (17) e ganhou repercussão nacional.
Que os calouros erraram, ninguém discute. Principalmente por se tratar de um local público, aberto também para pessoas da comunidade. No entanto, muitos dos que se revoltaram e pediram a cabeça dos calouros (todos entre 18 e 19 anos) integram aquela parcela da sociedade contemporânea sempre pronta para julgar os outros instantaneamente, ao menor sinal de um comportamento considerado “inadequado”: os politicamente corretos.
A indignação dos patrulheiros de plantão, no entanto, é seletiva. Para eles, os playboys da faculdade particular merecem ter seu futuro ameaçado, enquanto artistas e ativistas que chocam as pessoas com cenas forçadas de nudez e escatologia estão apenas expressando suas convicções. A seguir, resgatamos uma série de performances artísticas polêmicas e repudiadas pelo grande público – mas que a esquerda não tentou cancelar em nome das “boas causas”.
‘Macaquinhos’
Proposta – Usar o ânus como metáfora para denunciar o desequilíbrio social entre os países ricos e pobres. A partir dessa premissa, os artistas Andrez Ghizze, Caio, Daniel Barra, Fernanda Vinhas, Luiz Gustavo Fernandes Lopes, Rafael Amambahy, Renata Alcoba e Teresa Moura Neves penetram os orifícios uns dos outros com os dedos, num gesto coletivo em defesa das minorias pouco valorizadas pela sociedade.
Repercussão – Apresentada em diferentes cidades desde 2011, a performance virou assunto nacional apenas em 2014, quando foi mostrada na sede paulista do Centro Cultural Banco do Brasil. Desde então, ‘Macaquinhos’ é uma espécie de meme permanente nas redes sociais, sempre resgatado quando algum artista quer “causar”. No ano passado, durante um dos debates entre os candidatos à Presidência da República, o controverso Padre Kelmon (PTB) citou o espetáculo para criticar a Lei Rounet e a “banalização da cultura”.
‘La Bête’
Proposta – Após manipular uma réplica de plástico de uma das esculturas móveis da série ‘Bichos’, criada pela pintora e escultora Lygia Clark na década de 1960, o performer Wagner Schwartz convida o público a fazer o mesmo com seu corpo nu. “Isso cria uma forte dependência dos espectadores para a execução da obra, de forma que eles não só observam, mas também passam a fazer parte dela”, afirma.
Repercussão – Em setembro de 2017, na abertura da 35ª edição do evento Panorama da Arte Brasileira, realizado no Museu de Arte Moderna de São Paulo, uma mulher permitiu que sua filha pequena tocasse a perna de Schwartz durante a apresentação de ‘La Bête’. O episódio, registrado em vídeo, viralizou nas redes sociais e foi repudiado por religiosos, políticos conservadores (incluindo o então deputado federal Jair Bolsonaro) e, evidentemente, pela parcela da sociedade que não compactua com crianças ao lado de adultos nus.
‘DNA de Dan’
Proposta – Inspirado no “arquétipo da serpente”, o dançarino e performer curitibano Maikon Kepi tem seu corpo coberto por um líquido pegajoso e entra sem roupa em uma bolha transparente gigante. Permanece de pé, imóvel, durante três horas, até ficar completamente seco. Então inicia uma dança e sua pele vai descascando, como se ele fosse uma cobra.
Repercussão – Durante uma apresentação realizada em frente ao Museu Nacional da República, em Brasília, em julho de 2017, Maikon foi interrompido e detido por policiais militares. Segundo a PM, o Sesc, que produziu o evento, “não adotou os cuidados necessários para que a classificação indicativa de 16 anos fosse respeitada”. Acusado de censura, o governo do Distrito Federal pediu desculpas ao artista e o convidou para retornar à capital federal em outra oportunidade, para concluir a performance.
‘Transbordação’
Proposta – Criada por Dora Smék, mestre em Artes Visuais pela Unicamp, a obra é apresentada por mulheres que se candidatam, voluntariamente, a urinar nas calças em frente ao público. Segundo Smék, “encarar o descontrole fisiológico nos coloca em contato direto com a vulnerabilidade acentuada do corpo nas fases extremas da vida”. E, por isso, “o ato de urinar deixa de ser simplesmente uma necessidade fisiológica e passa a ser uma experiência poética”.
Repercussão – Aqui, a bomba caiu no colo do Sesc, que exibiu a estreia da performance, em setembro de 2016, na sua unidade do bairro do Bom Retiro, em São Paulo. Afinal, o “Sistema S” é mantido com contribuições que incidem sobre a folha salarial das empresas (e podem ser consideradas dinheiro público).
‘Máfia’
Proposta – Nesta intervenção, definida como um ‘manifesto político criativo’, artistas do grupo Desvio Coletivo escolhem fotos de parlamentares que votaram pelo impeachment de Dilma Roussef e vão para a rua cuspir nelas diante dos transeuntes. “O objetivo da performance é a criminalização do homem público no Brasil. É uma reação à hipocrisia da votação, em que deputados envolvidos em crimes de corrupção estavam votando para o fim da corrupção”, diz Marcos Bulhões, um dos diretores artísticos da performance.
Repercussão – Priscila Toscano, também diretora da intervenção, não ficou exatamente nua na Avenida Paulista, onde o ato aconteceu, em abril de 2016. Mas, usando um vestido, ela tirou a calcinha e urinou e defecou na imagem de Jair Bolsonaro. A cena, gravada em vídeo, circulou pela internet e levantou discussões sobre a liberdade artística nos espaços públicos. Após o ocorrido, Toscano passou a ser convidada para se apresentar no exterior e, em uma entrevista ao site Catraca Livre, afirmou: “Caguei e cagaria novamente”.
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