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Movimento antinuclear

Alemanha segue agenda verde, fecha usinas nucleares e se torna mais poluente do que nunca

Usina nuclear, Alemanha
Usina nuclear de Emsland, uma das três últimas a encerrarem operações na Alemanha em abril de 2023. Franceses expressam ceticismo que a Alemanha conseguirá à emissão zero de carbono utilizando somente fontes renováveis. (Foto: Pixabay/Günter Ruopp)

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A Alemanha fechou suas últimas três usinas nucleares – Isar 2, Emsland e Neckarwestheim 2 – há pouco mais de uma semana. A decisão concretiza a última etapa de um processo que se iniciou com a Lei da Energia Atômica em 2011, ainda sob o governo de Angela Merkel. A legislação havia passado por cerca de 20 emendas, incluindo adiamentos da desativação total pelo atual primeiro-ministro, Olaf Scholz, que conseguiu uma extensão de quatro meses. Mas os sonhos do movimento verde antinuclear, forte no país, finalmente se concretizaram.

As motivações verdes da decisão são questionadas pelo preço imediato: uma nova dependência do carvão mineral e do gás natural, que geram gases de carbono que contribuem para o aquecimento global. No dia anterior ao apagar de luzes, dezenas de cientistas mandaram uma carta a Scholz pedindo que mantivesse as usinas em funcionamento, incluindo James Hansen, especialista em clima que trabalhou para a Nasa, mas não foram ouvidos. A ministra alemã do Meio-Ambiente, Steffi Lemke, disse que a esperança da renovação da energia nuclear como alternativa limpa e segura é um “mito”, segundo a agência de notícias Associated Press (AP).

Entre os descontentes com a medida está o governador conservador da Bavária, Markus Soeder, que, apesar de ter apoiado os planos 12 anos atrás, declarou que a desativação é “uma decisão absolutamente equivocada”. Ele observou que “enquanto muitos países do mundo estão até expandindo a energia nuclear, a Alemanha está fazendo o oposto. Precisamos de toda forma possível de energia. Caso contrário, arriscaremos preços mais altos para a eletricidade e fuga de empresas”.

Dieter Krone, prefeito da cidade que abriga a usina de Emsland, contudo, disse à AP que a cidade está pronta para usar turbinas eólicas para gerar hidrogênio, substituindo a importância econômica dos reatores nucleares. A usina nuclear é administrada pela empresa RWE, a mesma que chamou a polícia em janeiro para expulsar a ativista Greta Thunberg de um sítio de escavação de carvão mineral marrom, de baixa qualidade, cuja exploração exigiu a destruição de uma vila.

As energias eólica e solar suprem cerca de 35% das necessidades da Alemanha. No entanto, sua entrega é extremamente instável: numa única semana em abril de 2020, variou entre 90% e 5% da capacidade, raramente acompanhando a demanda. Além disso, também não são livres de impactos ambientais e humanos. Na África, as minas de cobalto utilizam trabalho infantil, especialmente no Congo, que tem 70% das reservas do mineral no mundo.

A Alemanha promete atingir a neutralidade de emissão de carbono em 2045. Até lá, pagará 12 bilhões de dólares por ano nos custos sociais de consequências do uso de carvão mineral, na maior parte por causa da poluição do ar e seus danos à saúde dos cidadãos, segundo cálculos do economista Stephen Jarvis, professor da London School of Economics, junto a dois colegas.

Conexões estranhas com a Rússia 

A energia marcou presença no conflito na Ucrânia após a invasão russa em 2022. Apesar de aderir às sanções internacionais contra a Rússia, a Alemanha estava pagando caro pelo gás natural sob controle de Vladimir Putin, mas conseguiu substitui-lo.

Gerhard Schröder, que foi primeiro-ministro da Alemanha entre 1998 e 2005, ajudou a pavimentar o caminho para o atual estado da malha energética do país. Foi em seu governo que o país fechou acordo para utilizar o gás russo entregue pelo duto Nord Stream 1. Em 2022, já durante a guerra, ele fez pressão para que também fosse aprovado o funcionamento do gasoduto Nord Stream 2.

Schröder é amigo de Putin e se encontrou com o russo no período. Depois de seu mandato como chanceler dos alemães, ele ocupou cargos de chefia em estatais de energia russas. Seu partido, que é o mesmo de Scholz, ameaçou expulsá-lo, mas o político sobreviveu. Ele deixou o conselho da petrolífera Rosneft (que já foi estatal) e recusou convite para a mesa diretora da Gazprom (que controla os gasodutos e tem participação majoritária do Estado russo) em maio de 2022, depois que o Parlamento Europeu pediu que cidadãos da União Europeia como ele, com conexões russas, também sofressem sanções.

França investe na alternativa 

Na direção oposta à dos alemães, o Reino Unido e a França estão expandido sua malha de energia nuclear. No momento, 70% da energia consumida na França vem das usinas nucleares. O país trava uma espécie de guerra fria energética contra a Alemanha dentro da União Europeia. Enquanto países como Áustria e Luxemburgo estão do lado da Alemanha, contra a energia nuclear, outros como a República Tcheca e a Polônia unem-se ao bloco pró-nuclear francês.

“Não é segura, não é rápida, não é barata e não é amigável ao clima”, disse em uma cúpula de líderes o primeiro-ministro de Luxemburgo, Xavier Bettel, no mês passado. “Com bandeiras europeias nisso, seria uma fraude”.

Joël Barre, nomeado pelo presidente Emmanuel Macron para cuidar da expansão nuclear desde outubro passado, disse ao site Politico neste mês que “se não investirmos, claramente estaremos à beira do abismo, pois os nossos reatores atualmente em serviço vão chegar ao fim de sua vida útil entre 2040 e 2050”. A promessa de Macron é a construção de 14 novos reatores para fazer uma renascença nuclear no setor energético, além da renovação desses reatores com prazo de validade.

“Eu não entendo a posição da Alemanha”, disse Barre, “porque não acredito de forma alguma que eles vão conseguir chegar a uma estratégia de carbono zero até o meio do século baseada apenas em fontes renováveis”.

Motivação alemã

A data de início da iniciativa alemã de descontinuar a malha nuclear, 2011, não é uma coincidência: foi o ano do acidente nuclear de Fukushima, no Japão. Em março daquele ano, um terremoto de 9 graus de magnitude gerou um tsunami que, ao atingir a costa nordeste do país, resultou em ondas de até 40 metros de altura que varreram as ilhas japonesas, deixando 18 mil mortos. No caminho das ondas estava a usina Fukushima Daiichi, que teve danos em seu sistema de resfriamento dos reatores e no suprimento emergencial de energia que poderia mantê-lo ativo. Em consequência, houve derretimento parcial dos núcleos de três reatores e liberação de material radioativo no ambiente. O evento foi comparado ao desastre de Chernobyl, em 1986.

Após esse susto, a Alemanha se comprometeu a descontinuar toda a sua malha nuclear, que supria um quarto das necessidades internas, e passou a gastar 36 bilhões de dólares por ano em energias renováveis. As três últimas usinas estavam suprindo 5% das necessidades alemãs.

Apesar da justificativa, até mesmo o Japão pagou um preço alto por descontinuar a energia nuclear e a substituir por combustíveis fósseis. Uma análise publicada em 2021 por Matthew Neidell, da Universidade Columbia, descobriu que no período pós-Fukushima o país sofreu alta de preços nas contas de eletricidade, redução no consumo de energia e aumento de mortalidade. As mortes causadas em acidentes nucleares, que são raros, ganham um tratamento espetaculoso nas notícias e em versões ficcionalizadas de séries e filmes. Já as mortes causadas por poluição do ar ou menor uso de energia, devido aos altos preços, levando ao risco de hipotermia em países frios, acabam chamando menos atenção, embora sejam potencialmente mais frequentes.

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