Três pessoas foram mortas na Califórnia em mais um tiroteio em massa. O responsável? Um homem que tinha um histórico de violência e era conhecido por gritar slogans religiosos. Pouco antes dos assassinatos, ele publicamente adorou seu deus e suas armas no Facebook.
O atirador era Cedric Anderson; ele tinha 53 anos e era um ex-pastor cristão. Em 10 de abril, em São Bernardino, Califórnia, ele matou sua esposa, que havia se distanciado dele, uma criança de oito anos de idade e então a si mesmo. Ele também feriu outra criança.
Anderson tinha um histórico de violência contra mulheres: em 2013 foi preso por agressão e um crime envolvendo arma de fogo. Dias antes do tiroteio, ele postou no Facebook reclamando que as pessoas “não são livres em Cristo” e concluiu: “eu apenas rezo por eles e mantenho minhas armas por perto!”
Apesar de seu histórico de violência e fanatismo religioso, você provavelmente não sabia que Anderson era cristão ou criminoso. Na verdade, você poderia ter pensado que eu estava falando de Kori Ali Muhammad (previamente chamado de Cory Taylor), que foi acusado de ter matado três pessoas na Califórnia; dessa vez em Fresno.
A polícia de Fresno desse que Muhammad foi movido por racismo, não religião
A polícia diz que, quando Muhammad foi preso, ele gritou “allahu akbar”, “deus é grande” em árabe.
Diferentemente de Anderson, que, segundo relatos, era profundamente religioso, Muhammad, também segundo relatos, não frequentava nenhuma mesquita e nenhum dos centros islâmicos de Fresno tinha ouvido falar dele. Também diferentemente de Anderson, Muhammad era sem-teto (a conexão entre pobreza e violência é bem documentada). Mas, como Anderson, Muhammad tinha um histórico de crimes violentos. Na verdade, ele já era procurado por um assassinato anterior.
Semana passada, depois dos assassinatos em San Bernardino, eu tuitei a respeito de como nós reagimos a atos desse tipo, como incidentes de violência doméstica são frequentemente ignorados, a não ser que sejam rotulados como “crimes de honra”.
O desejo de culpar a religião se afasta da verdadeira causa que está na raiz desses repetidos atos de violência: uma masculinidade tóxica
“Se um imigrante não branco ou alguém gritando ALLAHUAKBAR fosse o autor dos assassinatos em #SanBernardino estaríamos em alerta vermelho.”
“Não foi – então é ignorando como ‘VD [violência doméstica] normal’.”
O caso contra Muhammad prova meu ponto. A resposta a seus atos irrompeu em ódio e preconceito antimuçulmano nas redes sociais – apenas porque ele supostamente disse “allahu akbar” para a polícia.
A polícia de Fresno desse que Muhammad foi movido por racismo, não religião. Ainda assim, pessoas influentes da extrema-direita estão empurrando a narrativa antimuçulmana e, mais uma vez, “allahu akbar” contagiou o Twitter com uma onda de mensagens islamofóbicas.
Nesse respeito, Muhammad aparece mais como o supremacista branco James Harris Jackson, que matou um homem negro mês passado em Nova York. Mas enquanto a fé de Jackson e de Anderson é tratada como irrelevante, a suposta fé de Muhammad está sob os holofotes. (Poucas personalidades antimuçulmanas nas redes sociais, se é que alguma o fez, chamaram Muhammad por seu apelido preferido – Jesus Negro.)
Desde Sandy Hook, houve cerca de 1,1 mil tiroteios em massa no país; praticamente todos perpetrados por homens
O desejo de culpar a religião se afasta da verdadeira causa que está na raiz desses repetidos atos de violência: uma masculinidade tóxica. Desde o tiroteio na escola fundamental de Sandy Hook em 2012, perpetrado por um homem branco, houve outros 220 tiroteios em escolas nos Estados Unidos – praticamente todos perpetrados por homens. Desde Sandy Hook, houve cerca de 1,1 mil tiroteios em massa no país; praticamente todos perpetrados por homens. Desses, cinco foram perpetrados por muçulmanos, o que inclui aquele de que Muhammad é acusado.
Estimativas sugerem que homens brancos e cristãos constituem a maioria dos autores de tiroteios em massa. E, como foi o caso com Anderson, um histórico de violência doméstica é um forte indicador de violência em massa no futuro. Uma análise de dados do FBI de 2009 a 2015 sugere que 57% dos tiroteios em massa incluíam um cônjuge, ex-cônjuge ou membro da família entre as vítimas. Homens nos Estados Unidos precisam assumir esse problema de saúde pública e por um basta nele.
Estimativas sugerem que homens brancos e cristãos constituem a maioria dos autores de tiroteios em massa
Culpar muçulmanos pela violência é algo recorrente. Durante um programa recente no canal de notícias Fox News, Jon Scott tinha uma mensagem par a comunidade muçulmana: “Se vocês não querem ser retratados sob uma luz negativa, talvez não queimem pessoas vivas e detonem bombas e coisas desse tipo.”
O anfitrião Pete Hegseth acrescentou: “Sim, e denunciem o radicalismo, e digam que não concordam com ele.”
Sinto muito, caras. A religião não é a motivação crucial da violência doméstica ou da violência em massa. Culpar o islã, especialmente quando o islã categoricamente condena a violência e a violência contra mulheres, se afasta de atacar as raízes da violência.
A religião não é a motivação crucial da violência doméstica ou da violência em massa
O islã não motivou Muhammad. O cristianismo não motivou Anderson. Ambos tinham um histórico de comportamento abusivo.
Violência em massa – e violência doméstica – vão parar quando os homens aprenderem a se controlar.
*Rashid é advogado dos direitos das mulheres, escritor e porta-voz nacional da Comunidade Muçulmana Ahmadiyya dos Estados Unidos. Siga-a no Twitter em @MuslimIQ.